Pelo segundo ano consecutivo, a pandemia de coronavírus impede que os gaúchos comemorem a Semana Farroupilha da maneira que mais gostam: com rodas de chimarrão, bailes e muitas pessoas reunidas ao redor do fogo. A ausência dos tradicionais festejos do principal evento cultural do Rio Grande do Sul, entretanto, pode ser compensada com livros que trazem aprendizados e ajudam a manter a conexão com a cultura regional.
Entre autores brasileiros e estrangeiros, uma vasta lista de obras — incluindo romances, memórias, contos e relatos históricos e de viagens — retrata os costumes e as batalhas ocorridas no território gaúcho. Com a ajuda de escritoras e representantes do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRGS), GZH separou nove títulos considerados fundamentais para o entendimento da história e da cultura do Estado (veja a lista abaixo).
Para a vice-presidente de Cultura do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), Renata de Cássia Pletz, três dessas obras merecem destaque: Viagem ao Rio Grande do Sul, de Auguste de Saint-Hilaire, O Tempo e o Vento, de Erico Verissimo, e Contos Gauchescos & Lendas do Sul (duas obras distintas às vezes editadas em conjunto), de João Simões Lopes Neto. Ela ressalta que Saint-Hilaire fez um profundo e importante estudo antropológico do Rio Grande do Sul e que os primeiros registros fidedignos existentes sobre o povo gaúcho e seus hábitos e costumes estão em seu livro.
O romance de Erico, por sua vez, é uma bela obra ficcional que possibilita ao leitor conhecer e estudar boa parte da história do Estado de uma forma bastante consistente e leve, segundo Renata. Já Simões Lopes Neto é considerado por ela um "moderno antes mesmo do modernismo", por tratar a regionalidade em uma época em que o assunto não era muito debatido e por ser pioneiro ao compilar contos do folclore. Na opinião dela, Contos Gauchescos & Lendas do Sul é uma das mais belas obras sobre a cultura gaúcha e sobre a cultura sul-rio-grandense.
Renata cita a importância de conhecer a cultura regional, enfatizando que todos os povos precisam saber sua origem e sua história, não somente para que cultuem seus mitos, mas também para que conheçam suas verdades, mesmo que às vezes não sejam tão bonitas.
— Um dos maiores pensadores do MTG, Luiz Carlos Barbosa Lessa, falava muito sobre a questão do pertencimento: é preciso que se conheça o seu lugar para que se sinta parte desse lugar, reconheça-se e se sinta pertencente. Então, a partir do momento em que tu conheces as tuas coisas, o teu lugar, a tua história, tu te conectas com o teu lugar, sabes de onde veio e, por conseguinte, saberás para onde vai — afirma.
Confira abaixo os títulos indicados por Miguel Frederico do Espírito Santo, presidente do IHGRGS; Fausto José Leitão Domingues, membro do IHGRGS e conselheiro do Instituto João Simões Lopes Neto de Pelotas; Elma Sant'Ana, escritora com mais de 30 livros publicados, pesquisadora e ex-patrona dos Festejos Farroupilhas; e Ondina Fachel Leal, escritora, antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS):
1) "História do Rio Grande do Sul", de Sandra Jatahy Pesavento
Escrito pela professora e historiadora Sandra Jatahy Pesavento, trata-se de um livro de história panorâmica, com característica cronológica e grande enfoque em economia e política. Didática e clara, a obra aborda aspectos importantes do Rio Grande do Sul de forma equilibrada. De acordo com Alessandra Motta, vice-presidente da Comissão do Bicentenário de Anita Garibaldi, a autora defendia que o conhecimento da história e da cultura do Estado possibilita não somente um retorno ao passado para saber o que aconteceu, mas também uma reflexão e o entendimento sobre o presente.
Data da primeira publicação: 1980
2) "O Tempo e o Vento", de Erico Verissimo
Escrita por Erico Verissimo, a clássica saga literária O Tempo e o Vento é dividida em três partes — O Continente, O Retrato e O Arquipélago —, publicadas entre 1949 e 1962. A trilogia percorre um século e meio da história do Rio Grande do Sul e do Brasil, acompanhando a formação da família Terra Cambará. Para a escritora Elma Sant'Ana, a obra de Verissimo criou uma galeria de mulheres protagonistas da história, que tomam a frente das iniciativas, como Ana Terra, Bibiana, Ismália Caré, Luzia e Maria Valéria.
Data da primeira publicação: 1949. Atualmente em catálogo pela Companhia das Letras.
3) "Os Varões Assinalados", de Tabajara Ruas
Com detalhes minuciosamente pesquisados, Os Varões Assinalados narra a história dos caudilhos Bento Gonçalves da Silva e Antônio de Souza Netto, que comandaram a Revolução Farroupilha, ocorrida entre 1835 e 1845. A obra traz as negociações, as batalhas, as prisões, os amores, as derrotas e as traições da Guerra dos Farrapos, além de personagens históricos, como Bento Manuel, Garibaldi, Manuela, Anita, Caetana, Lucas e Teixeira.
— Um grande romance, atento à historiografia, trazendo uma identidade para o Brasil sul-rio-grandense — afirma a escritora Elma Sant’Ana.
Data da primeira publicação: 1985. Atualmente em catálogo pela editora Record.
4) "Os Gaúchos", de Ondina Fachel Leal
Originado da tese defendida por Ondina Fachel Leal na Universidade da Califórnia, nos anos 1980, o livro conta com prefácio de Luiz Fernando Dias Duarte e apresentação de Luís Augusto Fischer, além de imagens feitas pela própria autora. Trata-se de uma etnografia do homem do campo da região do pampa no RS, naquele tempo e espaço bem definidos, em que tópicos como a sociabilidade dos galpões, a relação com as mulheres, a prática de rinhas de galo e a onipresença do suicídio se sucedem na formação de um olhar crítico e compreensivo sobre essa cultura.
De acordo com a autora, o livro é um trabalho sobre a identidade social de um grupo específico, sobre os vários discursos por meio dos quais essa identidade se apresenta e também sobre identidade de gênero, pois "gênero, trabalho e identidade cultural apresentam-se, nesse grupo e nessa tradição, tão amalgamados que a cultura é inseparável do próprio processo de construção de masculinidade". Para o presidente do IHGRGS, Miguel Frederico do Espírito Santo, esta é a melhor obra que existe sobre a cultura gaúcha.
Data da primeira publicação pela Tomo Editorial: 2021
5) "Contos Gauchescos & Lendas do Sul", de Simões Lopes Neto
É uma edição conjunta dos clássicos da literatura de João Simões Lopes Neto, publicados pela primeira vez em 1912 e 1913. Composta por 19 contos que poderiam ser resumidos como o registro da vida do homem do pampa, a obra Contos Gauchescos traz diversas informações a respeito da paisagem regional, das características do gaúcho, bem como reflexões acerca das virtudes e fraquezas humanas. Já Lendas do Sul conta com textos como A Mboitatá, A Salamanca do Jarau e O Negrinho do Pastoreio. As obras foram responsáveis por eternizar o autor como um dos pioneiros do regionalismo gaúcho.
— João Simões Lopes Neto tem o mérito de captar a literatura oral gaúcha em toda sua realidade, passando para a forma escrita o movimento da linguagem e a riqueza do vocabulário — opina a antropóloga Ondina Fachel Leal.
Data da primeira publicação: 1949. Atualmente em catálogo pela editora L&PM.
6) Trilogia do Gaúcho a Pé, de Cyro Martins
Composta pelas obras Sem Rumo, Porteira Fechada e Estrada Nova, a Trilogia do Gaúcho a Pé apresenta uma linguagem e temática sul-rio-grandense a partir das histórias independentes dos personagens Chiru, João Guedes e Jagunta. De acordo com o Centro de Estudos de Literatura e Psicanálise Cyro Martins, os livros retratam o gaúcho que vê sua trajetória de cavaleiro dos pampas acabar na marginalidade de vilarejos e centros urbanos, devido às mudanças sociais, políticas e econômicas pelas quais o RS passou desde o início do século 20.
Data da primeira publicação: 1937 (Sem Rumo), 1944 (Porteira Fechada) e 1954 (Estrada Nova). Atualmente em catálogo pela editora Movimento.
7) Coleção História Geral do Rio Grande do Sul, de vários autores
É composta por seis livros: Colônia, Império, República — República Velha (1889-1930) Tomo I, República — República Velha (1889-1930) Tomo II, República — Da Revolução de 1930 à Ditadura Militar e Povos Indígenas, publicados entre 2006 e 2009 pela Editora Méritos. Com a coordenação-geral de Nelson Boeira e Tau Golin, as obras contam com textos de diversos autores e reúnem diferentes visões e aspectos da história econômica, social e cultural do Rio Grande do Sul.
Data da primeira publicação: 2006 (Colônia e Império), 2007 (República I, II e III) e 2009 (Povos Indígenas). Em catálogo pela editora Méritos (alguns volumes estão esgotados).
8) "Memórias", de João Neves da Fontoura
Publicados inicialmente pela antiga Editora Globo, os livros Memórias 1º Volume – Borges de Medeiros e seu Tempo e Memórias 2º Volume – A Aliança Liberal e a Revolução de 1930 trazem um resumo da política rio-grandense até a metade do século 20. O primeiro tem seu foco direcionado ao governo de Borges de Medeiros, enquanto o segundo aborda os acontecimentos relacionados à Revolução de 1930. De acordo com Fausto José Leitão Domingues, membro do IHGRGS e conselheiro do Instituto João Simões Lopes Neto de Pelotas, as obras são compostas de memórias pessoais de João Neves da Fontoura, político natural de Cachoeira do Sul.
Data da primeira publicação: 1958 (1º volume) e 1963 (2º volume)
9) "Viagem ao Rio Grande do Sul", de Auguste de Saint-Hilaire
O livro relata a passagem de Auguste de Saint-Hilaire, que chegou ao RS em 1820, após percorrer diferentes regiões do Brasil, por diversas cidades gaúchas. Em sua viagem, o naturalista francês anotou observações sobre a fauna, a flora e a geografia dos lugares por onde passava. Todo seu trajeto foi percorrido em lombo de cavalo ou burro, tomando cerca de um ano. O relato deixado pelo autor sobre a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul é, atualmente, o texto mais conhecido de viajantes do século 19 sobre a região.
Data da primeira publicação: 1939. Atualmente em catálogo pela editora Garnier.