Ao invés de "Olá, seguidores", um potente "Buenas, gauchada, tudo flor de especial?" é como Lucas Negri dá as boas-vindas ao seu canal no YouTube, Linha Campeira. Criado em 2017, é um dos muitos perfis e canais de gaúchos que usam a internet como meio para difundir a cultura do Rio Grande do Sul e o tradicionalismo.
O Linha Campeira soma 59 mil inscritos e, com uma linguagem acessível, fala de lendas, do significado de canções e de expressões gaudérias como "tchê". Figuram entre os vídeos mais acessados "A origem da bombacha" e "Por que chamamos dinheiro de pila?". Lucas conta que, para conseguir responder com propriedade, é preciso estudar.
— A parte da pesquisa é bem complexa. Muita coisa relacionada à nossa cultura não está na internet, só em livros com poucas edições. Às vezes, tenho de consultar os antigos e até familiares dos envolvidos. O grande objetivo é criar um conteúdo original, que una as pessoas em torno da cultura gaúcha — explica Lucas, que é natural de Ibiaçá, mas atualmente mora em Caçador (SC).
O canal gaudério chamou a atenção de uma figura inusitada: a criadora da nova Mulher Maravilha das histórias em quadrinhos da DC Comics lançadas em 2021, a Yara Flor, personagem brasileira criada na Floresta Amazônica. Em uma entrevista, a ilustradora Joëlle Jones contou que, enquanto pesquisava sobre a América Latina, encontrou um vídeo de Lucas sobre a origem das boleadeiras, que inspirou a arma que é utilizada pela heroína na HQ.
— Essa ferramenta, que hoje praticamente só tem uso decorativo, foi muito utilizada no período antes da província do RS para caçar avestruz e derrubar gado chucro. Também foi arma de guerra na Revolução Farroupilha. No vídeo sobre as boleadeiras, certa feita começaram a aparecer vários comentários em inglês dizendo "a Mulher Maravilha viu esse vídeo" — conta Lucas.
Embora ainda não tenha lucro com o canal no YouTube, o produtor de conteúdo aprecia o fato de que a internet permita uma aproximação entre pessoas interessadas em um mesmo assunto, e ainda apresentar o Rio Grande para quem não é daqui.
— "Temo domando" essas tecnologias em favor da cultura gaúcha. Evoluímos muito, mas temos muito caminho a trilhar ainda, focar naquilo que nos une e não no que nos separa e ajudar a esparramar ainda mais essa nossa rica cultura mundo afora — conclui o youtuber.
Da colônia em Antônio Prado para o Brasil
Em outra rede social, um sucesso mirim tem apresentado o dia a dia no interior do RS com ironia, bom humor e o marcante sotaque dos colonos italianos. Pedro Pastore tem 12 anos e mora em Antônio Prado, cidade na serra gaúcha considerada "a mais italiana do Brasil". No final de 2020, usando o celular da mãe, entrou no TikTok e começou a gravar vídeos que mostrassem a sua realidade, de um menino criado no meio rural, onde cultiva-se frutas e cria-se coelhos, vacas, gansos, porcos e galinhas.
— Tava numa febre de que toda criança gravava vídeo pro TikTok. Eu não sabia fazer aquelas dancinhas da moda, então decidi gravar as coisas da colônia. Quando vi, meu vídeo da plantação de churrasco bombou de uma hora pra outra. Postei na calada da noite e, quando acordei, tava com 50 mil visualizações — conta Pedro.
Na narrativa de Pedro, a criação de gado é "plantação de churrasco" e, a de galinhas, "plantação de risoto". Desde que começou a criar conteúdo, o menino migrou do TikTok para o Instagram, onde tem 660 mil seguidores. Em um de seus vídeos mais recentes, ensina a usar as bergamotas como munição para uma cantada: "Chega na guria e fala: eu sei que tu não é um pé de bergamota, mas o teu perfume é bom!", diz o guri.
A reação inicial de seus pais foi de susto com o sucesso repentino, mas agora apoiam as ideias do filho, que já faz algum dinheiro com propagandas para empresas que têm a ver com a sua vida, como as de máquinas agrícolas e fertilizantes. A rotina de publicações varia conforme a criatividade aparece: posta cerca de três vídeos fixos por semana, gravados sempre à tarde, depois da escola.
— Tem gente que pensa que faço um personagem, mas isso aqui é o que vivo, e tento trazer o dia a dia com um pouco de ironia e brincadeira. Também tenho um canal no YouTube, que faço mais para motivar as crianças a ficarem na roça, mostro como meus bichos estão crescendo, como funcionam máquinas agrícolas. Quero continuar fazendo os vídeos que estou fazendo agora e também quero continuar aqui — conta Pedro.
Histórias épicas
O canal no YouTube de Eduardo Bueno é dedicado a falar de história do Brasil. Só que, de tempos em tempos, o jornalista e escritor pede licença e compartilha com seus mais de 1,1 milhão de seguidores algumas pérolas do RS. É o caso do mais recente vídeo, publicado na quarta-feira (1º), "As origens do gaúcho". Nele, Peninha fala dos mistérios em torno do surgimento da palavra e da ligação entre os gaúchos e os índios charruas e minuanos.
— O principal vínculo efetivo entre o Rio Grande do Sul e o canal é que falo em gauchês. É a história do Brasil contada com um sotaque extremamente gaúcho, sem plural, conjugando no "tu", porque falo assim e não vou mudar. Dá certo porque falo do que acho, sinto e sei. É com base em pesquisa, mas sempre digo que os episódios têm generalizações e aviso: "Se quiser saber a história completa, você vai ter que ler!" — afirma Eduardo, que diz debochar de tudo e de todos no canal.
Segundo Peninha, em quase quatro anos de atividades, uma das histórias "mais deliciosas" que o Buenas Ideias lhe rendeu foi quando uma mãe enviou um vídeo, contando sobre o dia em que deparou com o filho, no sofá de casa, tentando imitar um índio charrua montado na lateral do cavalo:
— Ela chegou em casa e o filho de sete anos estava pendurado na parte de trás do sofá, com uma perna em cima do encosto e a outra presa embaixo do sofá, na horizontal. A mãe diz: "O que tu tá fazendo?" e ele diz: "Tô montando cavalo quem nem índio charrua". "Como é que tu sabe disso?", e o guri: "Eu aprendi no canal Buenas Ideias". Aí a mãe começou a assistir com ele, virou fã.
Roteiro, pesquisa e apresentação são feitos por Eduardo, mas o canal pertence à produtora carioca Flocks e publica dois vídeos novos por semana. As gravações eram no Rio de Janeiro, uma vez por mês mas, com a pandemia, Peninha passou a gravar direto da sala de casa, em Porto Alegre. Foram 68 episódios produzidos entre fevereiro de 2020 e agosto de 2021, quando voltou a viajar.