Cada vez mais, em grandes cidades do país como Porto Alegre, quem olha para cima ao transitar por ruas e avenidas enxerga um embaraçamento de fios e cabos presos a postes que parecem vergar sob o peso do emaranhado que enfeia a paisagem urbana.
O cenário caótico é, em parte, resultado de décadas de crescimento no setor de oferta de internet, que saltou de apenas cinco grandes empresas para mais de 20 mil companhias em todo o Brasil atualmente — entre as quais pelo menos 500 atuam no Rio Grande do Sul. Como geralmente cada provedor lança seu próprio cabeamento nos postes compartilhados com as distribuidoras de energia elétrica, o resultado é o acúmulo de fiação. As soluções para esse problema envolvem mudanças regulatórias, iniciativas conjuntas de organização e implementação de novas tecnologias capazes de aliviar as redes sobrecarregadas.
O gerente de Regulação e Mercado da CEEE Equatorial, Lázaro Serra Soares Filho, explica que a concessionária de energia responde pela gestão dos postes, mas obedece à legislação sobre o tema que determina o uso compartilhado com telefonia e internet.
— As empresas de telecomunicação precisam apresentar projetos que são avaliados pela distribuidora para ver se aquela estrutura suporta ou não o esforço adicional que vai ser colocado no poste. Depois disso, celebramos contratos de compartilhamento, mas qualquer operadora que tenha outorga na Anatel pode fazer o pedido. O que tem ocorrido, e isso é um problema no Brasil todo, é o uso desordenado da rede — argumenta Soares Filho.
Há casos em que a estrutura é utilizada de forma clandestina ou irregular. Apenas em 2024, a CEEE Equatorial já emitiu 324 notificações a empresas de telecomunicações em razão do emprego dos postes fora dos padrões.
Há uma discussão nacional para tentar regrar melhor a utilização dessas estruturas, mas um desacerto entre agências nacionais vinculadas ao setor vem dificultando a formulação de novas resoluções. Mudanças na legislação poderiam, por exemplo, estimular o uso de um mesmo cabo por mais de uma operadora. Procurada por Zero Hora, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) informou ter aprovado, em 2023, uma proposta de resolução sobre esse tema, mas sustenta em nota que "recebeu com preocupação a decisão tomada em julho de 2024 pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no sentido de extinguir o processo e determinar nova instrução da matéria". Questionada, a Aneel respondeu também por nota, sem detalhar as razões sobre o impasse, dizendo apenas que "a revisão da norma está em fase de instrução processual".
— Deixaram o problema crescer durante 30 anos, o que faz com que agora seja de alta complexidade. Os provedores que obtêm licença para operar internet podem usar a infraestrutura pública, só que precisa ser de forma organizada — analisa a diretora Jurídica da Associação dos Provedores de Serviços e Informações da Internet (InternetSul), Andrea Rebechi Abreu Fattori.
Andrea sustenta que a situação brasileira é diferente de outros países por sua dimensão continental, pela grande quantidade de provedores e pela pouca tradição de se enterrar fios — ao contrário de grandes cidades europeias ou até de Buenos Aires, na Argentina, que diluíram os custos elevados desse tipo de medida ao longo de muitos anos. Por isso, será preciso buscar uma solução sob medida ao contexto nacional. Veja, a seguir, algumas das alternativas que podem ser adotadas para, ao menos, amenizar a desordem nos postes urbanos.
Como reduzir a fiação excessiva nos postes
- Internet sem fio — Em países como os Estados Unidos, parte dos usuários recebe o sinal de internet por radiofrequência. Essa tecnologia prescinde do uso de cabos, porém, considera-se que apresenta qualidade inferior à oferta de internet por meio de cabo e, principalmente fibra óptica. Por isso, pode ser uma alternativa em casos específicos, mas com limitações no atual cenário brasileiro.
- Junção do cabeamento — Uma das formas de organizar a fiação é oferecida pela startup gaúcha Fixer Alliance, da qual a diretora da InternetSul Andrea Fattori é sócia. A Fixer desenvolveu dispositivos que permitem unir fios de até seis provedores diferentes em um "encordoamento" mais compacto (e um mesmo poste pode receber vários dispositivos). Segundo Andrea, isso garante um uso 70% mais eficiente dos postes. Isso envolve, além da tecnologia para unir os cabos, uma negociação prévia com as empresas de telefonia para reorganizar sua fiação. Um projeto-piloto foi recentemente testado em Caxias do Sul.
- Rede neutra — Outra solução tecnológica que vem sendo usada em outros países, como na Europa, é o aproveitamento de um mesmo cabo capaz de atender diferentes provedores de telecomunicações. Assim, em vez de cada empresa lançar sua fiação nos postes, um mesmo cabo atende clientes de diferentes companhias. Uma das dificuldadese para essa alternativa avançar com mais velocidade no Brasil é convencer os provedores já estabelecidos a desistir de sua infraestrutura já instalada. É uma saída mais fácil de ser adotada por novas empresas do setor, que ainda não tenham investido em redes próprias.
- Cabeamento subterrâneo — Ação adotada por grande parte das cidades europeias, como Londres ou Paris, o cabeamento subterrâneo (elétrico e de telecomunicações) tem grandes vantagens, tanto sob o ponto de vista urbanístico quanto de segurança contra mau tempo. O grande problema é o custo, que pode ser 10 vezes superior à instalação em postes, segundo a InternetSul. Por isso, no momento pode ser uma medida adotada em áreas mais específicas (ruas mais importantes, novos loteamentos etc.) ou de forma paulatina.
- Mutirões de limpeza — Ações nesse sentido já começaram a ser realizadas em cidades como Porto Alegre, com retirada de fios irregulares ou já obsoletos. Porém, é uma iniciativa demorada e que pode acabar "enxugando gelo" se novos cabos continuarem sendo instalados em excesso.
O que é jornalismo de soluções, presente nessa reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.