A Norma Regulamentadora Nº 1 (NR-1), criada na década de 1970, exige que as empresas elaborem e mantenham documentos de identificação e gestão de riscos à disposição para fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
A partir de 26 de maio de 2025, o texto passa a incluir a obrigatoriedade de reconhecimento e gerenciamento de riscos psicossociais no ambiente de trabalho. Esses, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são os fatores do emprego que podem afetar a saúde mental dos trabalhadores.
— As empresas já tinham sistemas de gestão de riscos orientados para riscos comuns, como riscos físicos, químicos e biológicos, mas não psicológicos. E agora vem essa grande mudança, bem importante para gestão de saúde e segurança. Não são só a cadeira e a mesa que podem adoecer o trabalhador — argumenta Ana Carolina Peuker, CEO da Bee Touch, empresa que realiza a predição e classificação de riscos psicossociais.
O MTE ressalta que esses documentos devem ser elaborados e estar disponíveis para a consulta quando solicitados por agentes da fiscalização de segurança do trabalho. Mauro Muller, auditor fiscal do trabalho da pasta, diz que as empresas que não cumprirem a norma poderão ser notificadas ou autuadas.
O especialista acrescenta, ainda, que o prazo de implementação depende das empresas. A exigência começa a valer a partir de 26 de maio do ano que vem, mas as organizações precisam criar um processo de gerenciamento dos riscos psicossociais e seguir as datas-limites estabelecidas. Companhias maiores podem demorar mais do que companhias menores, esclarece o auditor fiscal do trabalho.
— Na inspeção do trabalho, sabemos que não é do dia para a noite que essas coisas vão acontecer, mas a gente vai estar atento para verificar essa questão. Existe também uma previsão na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) para quando entrar uma nova lei ou regulamento em vigência, para aplicar um critério de dupla visita em 90 dias. Então, mesmo que a gente fiscalize durante 90 dias, a empresa não vai ser autuada, a inspeção do trabalho vai apenas orientar.
Riscos psicossociais
A estimativa das Diretrizes da OMS para a Saúde Mental no Trabalho é de que 12 bilhões de dias de trabalho sejam perdidos, a cada ano, no mundo, devido à depressão e ansiedade. Os riscos para a saúde mental no trabalho podem estar conectados a diferentes aspectos do ambiente trabalho, explica Muller:
— São fatores diretamente relacionados à organização do trabalho. Eles decorrem de problemas na concepção, na organização e na gestão do trabalho e podem levar a efeitos negativos, tanto no nível psicológico quanto físico dos trabalhadores. Pode causar desde um simples estresse até desencadear ou agravar, por exemplo, os Distúrbios Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (Dort), lesão mais física, ou ansiedade e depressão.
Exemplos de riscos:
- Carga de trabalho excessiva.
- Horários longos ou inflexíveis.
- Falta de autonomia.
- Condições de trabalho físicas inseguras ou inadequadas.
- Cultura organizacional que permite comportamentos negativos, assédio moral e sexual.
- Altas demandas com prazos apertados.
- Falta de espaço para criatividade.
- Expectativas contraditórias.
- Grande competitividade entre colegas.
Fontes: especialistas ouvidos nesta reportagem e relatório da OMS
Tecnologia
A Bee Touch faz o rastreio desses e outros riscos psicossociais por meio de um software. Com protocolos digitais de avaliação psicológica, que tem uma base científica, a startup usa algoritmos para mensurar os indicadores de risco psicológico das empresas.
Ana Carolina defende que, a partir dessa antecipação de fatores, as organizações podem trabalhar em medidas para promover um ambiente seguro.
Como evitar problemas
A norma exige que, além de identificar os riscos psicossociais, as empresas façam a gestão desses fatores. Isso significa criar iniciativas que sejam efetivas para prevenir ou mitigar os riscos para a saúde mental identificados no relatório. A especialista explica que as empresas podem tomar medidas preventivas, para evitar o adoecimento, ou reativas, para tratar.
— Nos posicionamos em um polo preventivo, tentando antecipar tendências e padrões que possam indicar risco de adoecimento no contexto de trabalho. Então, identificamos a potencial que é a causa-raiz do adoecimento. Por exemplo: para uma carga horária em excesso, não adianta distribuir vale-terapia para os trabalhadores. É preciso fazer um redesign do trabalho para que essa carga não seja exagerada — explica Ana Carolina.
Entre as opções de medidas para prevenir e mitigar esses riscos, a CEO da Bee Touch cita a reorganização do trabalho, a revisão da cultura da empresa, treinamentos para lideranças e criação de políticas organizacionais focadas na saúde mental dos trabalhadores.
— O que ocorre hoje é que as empresas atuam por espasmos. Somente no Janeiro Branco ou no Setembro Amarelo se fala em saúde mental. E o que a ampliação da NR-1 propõe é esse ciclo de melhoria contínua, algo que aconteça de maneira sistemática e contínua, para que essas medidas sejam sustentáveis e de fato protejam a saúde mental dos trabalhadores.