Se uma andorinha só não faz verão, uma revoada delas pode muito mais. E tem sido na força coletiva, em especial do voluntariado, que muitas ações de reconstrução do Rio Grande do Sul estão sendo possíveis de serem realizadas. Pela dimensão que teve, a enchente colocou à prova a capacidade de o poder público abraçar todas as demandas de reconstrução sozinho, tornando o chamamento da iniciativa privada ainda mais necessário neste processo. Algo que só é possível quando o ESG está no entendimento das companhias.
Ainda que a abrangência das práticas sustentáveis seja ampla, as vertentes nela englobadas buscam contemplar temas cada vez mais atuais de um mundo em transformação. No RS, a sequência de eventos climáticos extremos vividos desde o ano passado colocou ainda mais urgência sobre elas, em especial nas duas letras que mais trazem efeitos visíveis, o E, de Environmental (ambiental), e o S, de social.
No plano ambiental, assunto caro às sociedades diante das mudanças climáticas, as ações se concentram em encontrar um ponto de equilíbrio na relação entre as pessoas e o planeta, por uma interação que seja sustentável a longo prazo. Isso reflete na gestão de riscos ambientais, financeiros, operacionais e mesmo de reputação das empresas. Indiretamente, é uma pauta que movimenta a inovação, à medida que busca poluir menos, controlar o que se emite e reduzir a quantidade de resíduos.
No “S” da sigla, que compete ao desenvolvimento social, os grandes tópicos são as questões de inclusão e igualdade, como assegurar condições de trabalho para pessoas com deficiência e de diferentes gêneros. Não se trata, porém, de somente dar espaço a essas pessoas nas vagas das companhias, mas de permitir que elas possam crescer nas suas posições, com condição de assumir postos de liderança. Além disso, o pilar diz sobre devolver ações que tenham impacto no todo, com o voluntariado.
Neste quesito, empresas de todo porte vêm tomando frente em iniciativas que podem somar ao outro. Núcleos de trabalho voluntário estão cada vez mais consolidados nas empresas, ocupando, inclusive, horas de jornada dos trabalhadores.
Na Renner, o olhar de futuro norteia as iniciativas executadas pelo Instituto Lojas Renner, pilar social da varejista criado em 2008. Dentre as ações, uma feira de profissões com o intuito de apresentar possibilidades de carreira aos jovens é um dos destaques. Numa dessas feiras, a oportunidade de motivar alguém pela troca de experiências foi o que mais marcou a designer Ana Carolina Betiati, 30 anos. Acostumada a voluntariar “desde sempre”, ela diz que a ocasião despertou nela outro tipo de sensação, a de inspirar um caminho.
— Fui com uma expectativa de apresentar uma profissão tradicional, mas os jovens têm realidades muito diferentes. Eles estavam interessados com a possibilidade de sonhar, não só com a profissão em si. Fico até hoje pensando no potencial de uma escuta ativa e do conselho para não desistir. Quando vejo o recurso que tenho hoje, penso que preciso retribuir para que alguém tenha também no seu momento. Quero fazer com que essa chance chegue em outras pessoas também — diz a designer.
Colega de experiência e de empresa, a especialista de marketing da Renner Vanessa Moreno, 38 anos, diz que sentiu a força da inspiração no contato com os jovens ao dividir seus mais de 15 anos na área. Para a profissional, fazer parte de uma empresa que tem propósitos sociais alinhados é motivador e motivo de orgulho.
— Para mim, foi uma tarde, mas para outros 50 pode ter sido uma chance de futuro. Poder contribuir tem um efeito muito grande no outro e na gente — diz Vanessa.
Inspirada há quase 20 anos pelo voluntariado, a analista financeira Viviana Geremia, 32 anos, já atuou da recreação hospitalar à causa animal e recuperação de escolas. Mas foi quando ingressou na Randoncorp, em 2018, que o trabalho a deixou mais próxima do programa Ser Voluntário da companhia. Viviana é uma das mais engajadas do projeto e participa ativamente das ações apoiadas pelo Instituto Elisabetha Randon.
Os anos de envolvimento no trabalho social lhe fazem perceber que a pauta está cada vez mais atrelada ao dia a dia.
— A disponibilidade e a solidariedade estão muito mais presentes. Às vezes, colocamos chamados de última hora em grupos e em minutos já preenchemos a lista. Só quem faz a ação para entender o efeito de inspirar outras pessoas e de deixar uma marca. É uma sensação de coração quentinho com o brilho no olhar do outro — descreve Viviana.
Presidente do Movimento União BR, que ganhou ainda mais holofote com a ajuda aos gaúchos, Tatiana Monteiro de Barros observa que as empresas com ações sociais já estruturadas nos seus DNAs se articulam com maior desenvoltura “no olho do furacão”, mas que nos casos extremos, como foi a enchente, toda iniciativa importa.
— Faz toda diferença o envolvimento dos funcionários nas ações. E quando ele entende o impacto que causa, complementa muito com o seu olhar. Essa construção e mobilização é o que faz a empresa carregar a sigla do ESG com força — diz Tatiana.
Desde agosto passado, o União BR atua no RS fornecendo todo tipo de apoio, conectando empresas que querem ajudar a quem precisa. São 40 ONGs que recebem suporte, de abastecimento de mantimentos diversos a outras frentes como construção de centros humanitários, reconstrução de escolas e apoio médico.
A atuação na enchente foi ponto de virada para muitas empresas no campo social. Coordenadora de Recursos Humanos na Corsan/Aegea, Andressa Lindol, 35 anos, conta que o trabalho voluntário durante a cheia foi ganhando corpo à medida que se entendia o tamanho do problema. Lotada na Região Metropolitana, onde municípios como Canoas tiveram dois terços de sua área afetados pela água, o apoio começou focado na ajuda aos funcionários da empresa e se estendeu para bairros inteiros. A profissional ajudou na gestão de abrigos e na limpeza de casas de pessoas afetadas.
— Sempre fui voluntária, mas nada tinha tido essa dimensão. Trabalhar com saneamento tem a ver com a dignidade das pessoas. E ver as pessoas nessa situação, chorando em cima de seus entulhos, me fez deparar com o compromisso de querer devolver essa dignidade. Me mudou para sempre — relata Andressa.
Distante geograficamente do pico das cheias, mas em ponto estratégico para o escoamento da ajuda humanitária, a analista de sustentabilidade da Be8, Camila Biolchi Sereno, 31 anos, comandou de Passo Fundo uma das frentes de logística para os mantimentos que chegavam. Em parceria com a Defesa Civil, uma comissão de crise constituída na empresa se juntou para pensar estrategicamente as iniciativas.
— Estávamos todos em momento sensível, me arrepio só de contar. Tanto no nosso voluntariado interno quanto na ocasião da enchente, somos pessoas engajadas com esses valores. Ajudamos em horário de trabalho porque a empresa vê como algo importante. Espero que não tenhamos que atuar só em emergências, e que o compromisso das pessoas com as comunidades seja permanente — diz Camila.
Dentro e fora do setor empresarial, a percepção é de que a pauta social está crescendo. Para Tatiana, do Movimento União BR, as corporações estão entendendo que o impacto delas é para a maioria.
— O voluntariado em si ainda falta chegar em muitas pessoas, nas duas esferas. É difícil todos serem voluntários, mas se todo mundo fizer um pouco, mesmo que seja só financeiro, já é ajudar de alguma maneira. Tudo é importante — diz.