- Desvios emergenciais implantados nas últimas semanas na RS-287 reduziram o tempo de viagem entre Porto Alegre e a Região Central.
- Foram investidos R$ 35 milhões nas obras de reconexão emergencial, segundo a concessionária Rota de Santa Maria.
- Religamento da rodovia deu tração ao comércio local, que aos poucos vê o movimento voltar à normalidade.
Até as 13h15min da terça-feira passada (18), o restaurante de dona Ivani Zanatta Severgnini, 49 anos, à margem da RS-287, em Candelária, no Vale do Rio Pardo, havia fechado a conta de 78 almoços e 10 pessoas seguiam no salão. O número de clientes atendidos era cinco vezes maior ao observado há cerca de um mês, quando a RS-287 — uma das rodovias mais atingidas pela enchente — seguia interrompida em quatro trechos espalhados pela Região Central, Quarta Colônia e Vale do Rio Pardo. Antes com mesas e estacionamento vazios, o cenário no estabelecimento de Ivani era outro, com fluxo maior de clientes.
A mudança é um dos resultados da reconexão, concluída nas últimas semanas, por meio de desvios emergenciais na via administrada pela Rota de Santa Maria. O caso da empresária é um de tantos observados na região, com pessoas retornando à rotina em busca de recuperação após o aguaceiro.
Um mês após mostrar os percalços de quem tentava cruzar a rodovia em meio a quatro bloqueios totais no trecho e desvios informais e precários, a reportagem de GZH voltou ao local. Com a rodovia totalmente reconectada, o tempo de viagem entre Porto Alegre e Santa Maria voltou a girar em torno de 4h30min via RS-287, bem próximo do tempo de deslocamento observado antes da inundação. Há cerca de um mês, com a RS-287 atorada, o trajeto levava até seis horas via BR-290.
O diretor-geral da Rota de Santa Maria, Leandro Conterato, afirma que foram investidos R$ 35 milhões nas obras de reconexão emergencial da RS-287. A reconstrução estrutural da rodovia deve ocorrer ao longo dos próximos 12 meses, segundo uma projeção inicial:
— Isso é só um primeiro passo. Alguns trechos estão operando em condições provisórias, através de desvios que vão operar temporariamente. Depois será substituído pela obra definitiva. Então, teremos mais um custo significativo, que vai acontecer ao longo do próximo ano, para poder restabelecer de maneira definitiva a rodovia.
Desvios ao lado de crateras
A reportagem de GZH cruzou a rodovia em 18 de junho, saindo de Porto Alegre com destino a Santa Maria e fez a viagem no caminho inverso no dia seguinte. Em ambos os dias, o trajeto, descontando as paradas, levou em torno de 4h30min. O cenário de trechos ilhados e sem movimento, observado no mês de maio, deu lugar a um tráfego que lembra os períodos normais do corredor que liga a Região Metropolitana e o Centro do Estado.
Área mais impactada da rodovia, o trecho da localidade de Mariante, em Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo, foi costurado por desvios pavimentados que dividem espaço com áreas destruídas. O local onde existia uma série de crateras entre os quilômetros 56 e 60 foi parcialmente preenchido por uma pista provisória.
A qualidade do asfalto dessa ligação emergencial e a fluidez do trânsito podem fazer motoristas menos atentos não entenderem a dimensão do estrago na região. No entanto, o desvio em um nível mais baixo na comparação com a pista original cria cenário onde o motorista é espreitado por um paredão formado pelo espaço que antes abrigava o pavimento arrancado pela força da água.
Em 22 de maio, a viagem entre Santa Maria e Venâncio Aires levou cerca de cinco horas. Na semana passada, o tempo de deslocamento voltou às tradicionais duas horas. Com isso, o Vale do Rio Pardo ficou menos isolado, com escoamento e recebimento de produtos fluindo melhor, segundo a comunidade local.
— Teve uma melhora significativa. Ao menos aqui na nossa região tem fluído melhor o trânsito. Ainda com restrições de velocidade, alguns pequenos entroncamentos que se fazem necessários pela redução de velocidade, mas ajudou bastante a nossa região aqui — afirmou Charles Fengler, o porta-voz de um grupo de empresários da região de Venâncio Aires.
A reconstrução emergencial da ponte sobre o Rio Pardo, em Candelária, e a pavimentação de um desvio lateral paralelo aos restos da ponte sobre o Arroio Barriga, entre Paraíso do Sul e Novo Cabrais, retomou o fluxo de veículos no miolo da RS-287. Antes com pontos fantasmas, a ligação entre Vale do Rio Pardo, Quarta Colônia e centro do Estado volta a ser ocupada por veículos de passeio e de carga com mais intensidade.
Em Santa Maria, a passagem sobre o Arroio Grande, em uma das entradas da cidade, ocorre por meio de uma ponte de ferro provisória instalada pelo Exército Brasileiro. Tirando pontos com obra, esse é o local que apresenta maior retenção atualmente no trecho. A ponte opera em apenas um sentido, com trânsito alternado no modelo de pare e siga. O tempo de espera varia de acordo com o horário do dia, podendo levar entre 10 minutos e uma hora.
Fabricada pela empresa inglesa Mabey & Johnson, essa ponte é do modelo LSB, montada por meio de painéis de metal conectados. Esse tipo de passagem é utilizada no meio militar tanto em conflitos como em missões humanitárias. Há registro de utilização dessa ferramenta em conflitos como as guerras do Golfo, do Afeganistão e do Iraque. A passagem pela estrutura é tranquila e rápida, mas chama a atenção de alguns ocupantes de veículos, que aproveitam para filmar a travessia.
Tráfego e vidas voltando ao normal
Além de retomar o tráfego, o religamento da rodovia deu tração ao comércio local antes ilhado por pontes tombadas. Citado no início da reportagem, o restaurante de Ivani, em Candelária, é um dos estabelecimentos que sentem esse efeito positivo. Em maio, o local estava servindo entre 15 e 20 almoços por dia. Agora, já se aproxima dos tradicionais cem após a reconstrução emergencial da ponte sobre o Rio Pardo, localizada a cerca de um quilômetro.
— O movimento voltou no mesmo instante. Nossa, foi até engraçado, sabe. Abriu ali e o pessoal já começou a passar e parecia que nada tinha acontecido. Claro que ainda não tá como era antes, mas já estamos chegando perto do movimento anterior — comemorou Ivani.
Já Eduardo Beck, 27 anos, que trabalha como entregador de gás na região de Cachoeira do Sul, voltou a ter mais agilidade nas viagens com a volta do tráfego pela RS-287. Trechos que antes levavam horas por desvios improvisados, e enlameados e esburacados, voltaram a ser cruzados em minutos, segundo o profissional:
— Às vezes eu ficava trancado duas horas para chegar em algumas regiões. Agora, tá bem melhor. Consigo, chegar em minutos.
Dos três casos que a reportagem de GZH retratou há cerca de um mês, o de Tiago André Marion, 39 anos, é o único que praticamente não mudou. Morando nas proximidades da ponte sobre o Rio Pardo, o pedreiro ainda aguarda a reconstrução do principal acesso para sua residência. Na semana passada, uma máquina trabalhava nesse sentido no terreno de Marion. Ele afirmou que a esposa não quer mais morar no local em razão das últimas enchentes. Antes contra essa ideia, ele confessou que já cogita essa possibilidade.
Viagens via ônibus
Mesmo com a RS-287 totalmente conectada, a empresa Planalto segue usando a BR-290 para o transporte de passageiros entre Porto Alegre e Santa Maria. A companhia afirma que o sistema pare e siga na ponte de ferro em Santa Maria pode provocar atrasos de até 1h30min na rota. Já a rota de transporte de passageiros via ônibus intermunicipal para cidades como Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires opera via RS-287.