Um movimento da proporção do estrago causado pela catástrofe climática no Rio Grande do Sul. Assim são as iniciativas que pretendem reconstruir o Estado – uma enorme tarefa para os próximos meses e anos. Para dar conta do desafio, diferentes setores da sociedade civil, como iniciativa privada, entidades, associações e organizações, mobilizam-se e somam-se às diversas iniciativas de prefeituras e governos. As ações são as mais variadas, conforme o estágio atual de cada região: do passo inicial de limpeza à construção de moradias e pontes, passando pela desobstrução de vias e doações de materiais.
Uma das regiões mais devastadas pela tragédia, o Vale do Taquari terá de enfrentar uma grande reestruturação, com a realocação de bairros inteiros. Enquanto as prefeituras planejam novamente as cidades, diversos movimentos buscam auxiliar na reconstrução. O projeto Uma Casa Por Dia, por exemplo, entregará residências para famílias afetadas. A ação é idealizada pela Agência de Inovação e Desenvolvimento Local (Agil), com o apoio do Ministério Público e um conselho composto pela iniciativa privada, academia, sociedade civil organizada e poder público.
A campanha depende da disponibilização de terrenos com infraestrutura básica pelas prefeituras e da aprovação dos projetos. Até o momento, a iniciativa arrecadou verbas para construir as primeiras casas 10 em Lajeado — os protocolos estão em andamento na prefeitura. A estimativa é de que as residências estejam em pé em julho. O projeto também está encaminhando a construção de mais 22 moradias em Estrela — há, ainda, previsão de outras 28 casas nessas cidades, além de 50 em outros municípios.
Cada casa foi viabilizada por R$ 85 mil. O projeto busca realizar entregas rápidas de moradias dignas, sustentáveis e não provisórias. Traz, ainda, um conceito de inovação social: as famílias selecionadas ingressarão em um programa de emancipação social, no qual serão auxiliadas a cumprir requisitos de modo a garantir a propriedade. A ideia é permitir o avanço de classe social e gerar resultados positivos para a região, explica Tiago Guerra, diretor executivo da Agil:
— A gente está vendo todos os programas do governo, e paralelo a isso, também resolvemos colocar a mão na massa, vendo que muitas pessoas queriam ajudar nessa reconstrução.
Mobilização
Outras iniciativas surgem pelo Vale do Taquari. Em Cruzeiro do Sul, a comunidade e a iniciativa privada criaram o movimento Reconstruir Cruzeiro do Sul, para apoiar a prefeitura e repassar materiais de construção para as famílias.
Em Encantado, empresários e líderes comunitários fundaram a Associação SOS Habitar, que pretende arrecadar recursos para construir e doar apartamentos em áreas seguras. Além disso, o cantor sertanejo Sorocaba mobilizou doações para construir a Vila do Agro, com 70 casas a serem doadas, em Roca Sales – a prefeitura prepara o terreno que será cedido para as construções.
Novas pontes e vias públicas
A união da comunidade tem permitido a rápida reconstrução de vias públicas. É o caso da ponte provisória entre Lajeado e Arroio do Meio, inaugurada cerca de um mês após a tragédia. Mobilização semelhante é realizada por moradores de Travesseiro e Marques de Souza, na Travessia da Amizade.
A Associação Amigos de Marques de Souza e Travesseiro deseja arrecadar, no mínimo, R$ 1,5 milhão, para somar aos R$ 4,16 milhões que serão repassados pelo governo federal e reerguer a ponte levada pela enchente, que ligava as duas cidades. O custo estimado é de R$ 8 milhões a R$ 10 milhões. A associação já conseguiu R$ 203 mil. Por ora, para transitar de uma cidade à outra, é preciso cruzar a pé uma travessia montada pelo Exército ou enfrentar uma rota alternativa, de 60 quilômetros.
Retomada dos acessos na Serra
Na Serra, os problemas estão relacionados sobretudo a desmoronamentos. Em Bento Gonçalves, 20 entidades empresariais, lideradas pelo Centro da Indústria, Comércio e Serviço da cidade, relançaram o movimento Unidos por Bento, para captar recursos e acelerar a reconstrução de acessos. Há projetos para sete intervenções pluviais – duas já foram inauguradas. A campanha atua com máquinas, caminhões, engenheiros e profissionais cedidos por empresários. Em maio, o movimento arrecadou mais de R$ 6 milhões em doações de empresas, entidades e sociedade – valor dobrado pelo Sicredi. Em 10 de junho, o total superava R$ 14,2 milhões. A prefeitura acompanha as obras e indica prioridades.
Em Caxias do Sul, a Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) e o Sinduscon se mobilizaram com o mesmo propósito. Empresas de solo e de infraestrutura urbana cederam maquinário, serviços e mão de obra de forma voluntária. A força-tarefa envolve ainda a prefeitura. Foi lançada uma campanha para subsidiar o diesel para as máquinas.
Soluções se multiplicam por todo o Rio Grande
O propósito da plataforma sempre foi prover recomeços dignos para as pessoas, depois de terem perdido tudo
FELIPE MENEZES
Futurista e cofundador do Meu Lar de Volta
Uma das principais ferramentas para auxiliar e facilitar na tarefa de limpeza das estruturas afetadas pela enchente tem sido o Meu Lar de Volta, uma plataforma que conecta quem precisa de ajuda com quem pode ajudar, fornecendo limpeza ou eletrodomésticos para colocar a casa em ordem e retomar a vida. A ferramenta está disponível para todo o Estado e já tem mais de 22,5 mil pedidos de ajuda e 19 mil voluntários cadastrados. A região que mais concentra pedidos de limpeza é a Metropolitana.
— O propósito da plataforma sempre foi prover recomeços dignos para as pessoas, depois de terem perdido tudo, e com o lema que a gente estabeleceu, que é fazer a maior faxina voluntária da história, que é o que a gente está tentando proporcionar — explica Felipe Menezes, futurista e cofundador do Meu Lar de Volta, lançado em maio.
Em Porto Alegre, o Pacto Alegre se uniu à iniciativa por meio do Projeto Limpeza Solidária e tem utilizado a plataforma para identificar lares que precisam de auxílio e encaminhar voluntários. Por meio de parcerias, o projeto também desenvolveu vídeos de instruções de limpeza, de treinamento para voluntários em situações de crise e de como fazer a gestão correta de resíduos.
Banco de projetos e ações
Com a premissa de cidades contemporâneas mais propositivas e descentralizadas, o Instituto Cidades Responsivas – que atua em urbanismo, tecnologia e educação – tem promovido uma série de ações para ajudar a recuperar o Estado. Após mapear abrigos e suas necessidades, a entidade optou por destinar recursos arrecadados para ajudar nos primeiros passos da limpeza, doando 50 lava-jatos a entidades da Região Metropolitana – mais de 12 mil pessoas foram impactadas.
Além disso, a instituição criou um banco de projetos e ações. Nele, governos, entidades, escolas, empresas ou pessoas cadastram seus pedidos relacionados à construção civil. Com base nisso, o instituto gerou um mapa de demandas de construção pelo Estado, que podem ser adotadas por voluntários. Há também um banco para cadastro de voluntários para agir na reconstrução das cidades.
Essa ajuda é importante devido à dimensão da tragédia – e centralizar as ações não funcionaria, pois há uma quantidade grande de atingidos e os custos são muito elevados, avalia a diretora Luciana Fonseca:
— A gente organizou, na verdade, um grande sistema aberto, que é capaz de cruzar os voluntários com as demandas. O que a gente está fazendo é facilitar o caminho de quem quer ajudar.
Com trabalho de mapeamento, a instituição fechou um acordo de cooperação com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano (Sedur) para ajudar a levantar os estragos e custos no Estado, de modo a entender como e onde deverá ser feita a reconstrução. Por meio de uma plataforma, os mais de 17 mil voluntários cadastrados poderão adotar uma área e informar o estado atual.
Voluntários
Na mesma batida, o grupo Arquitetos e Engenheiros Voluntários pela Reconstrução do RS mobiliza 900 pessoas em diferentes regiões. Elas arrecadam doações de material de construção, móveis e eletrodomésticos. As equipes já atenderam municípios do Norte e do Vale do Taquari e pretendem encaminhar doações para outras regiões. O grupo também está realizando o estudo de realocação de um mercado em Barra do Rio Azul e viabilizando a construção.
Há ainda iniciativas que pretendem ajudar as famílias a deixar suas residências com cara de lar novamente, de forma ágil. A Operação De Volta Para Casa, realizada pelo Ciclo Empreendedor e pelo Instituto Cultural Floresta, fornece cartões, com R$ 6 mil a R$ 7 mil, para as famílias beneficiadas utilizarem em lojas parceiras gaúchas. Estas abrem mão de parte do lucro, que volta para a operação – ajudando o comércio local. Os valores podem ser gastos com materiais de pintura, eletrodomésticos e outras necessidades. Mais de mil cartões já foram distribuídos em Porto Alegre, Eldorado do Sul, Guaíba, Canoas e Novo Hamburgo.
Rifa
Na Região Central, a Associação São Pio de Pietrelcina promove a campanha Fé no Rio Grande: uma rifa para construir casas em 83 municípios. Quem comprar o número, por R$ 8, concorre a dois apartamentos em Santa Maria e a uma joia escrito "fé", da HStern. Os imóveis foram doados pela Construtora Jobim.
— Tem uma tríade espiritual muito forte, Espírito Santo, Maria e fé, e é isso que a gente está precisando — ressalta Gustavo Jobim, vice-presidente da Associação São Pio de Pietrelcina e diretor da Construtora Jobim.
O número de casas a serem construídas dependerá da quantidade de números vendidos. Até o momento, foram arrecadados mais de R$ 528 mil.
Outras iniciativas
Com muitas empresas diretamente afetadas pela catástrofe, a reconstrução do Estado precisa estar vinculada à retomada de empregos — que também contribui para o resgate da dignidade. Com essa perspectiva, uma parceria da PUCRS Carreiras e da Fundação Irmão José Otão lançou a EmpregarTCHÊ, com o objetivo de conectar candidatos e empresas que possuam vagas. Pessoas que queiram participar devem realizar o cadastro de forma gratuita e registrar interesse neste site. O currículo fará parte de um banco de talentos, ao qual as empresas terão acesso. Já as empresas que tenham interesse em fazer parte da iniciativa devem acessar este formulário.
Na região Norte, o programa Novos Horizontes 360º busca proporcionar um novo projeto de vida para famílias afetadas pela enchente. Trata-se de uma aliança entre pessoas e instituições voluntárias de Passo Fundo e região, liderada pelo Instituto Aliança Empresarial. Há mais de 450 vagas de emprego em 49 empresas. Mais informações podem ser consultadas no site.
O Sebrae também lançou um projeto para ajudar a reerguer 11,5 mil negócios atingidos pela enchente. Será disponibilizada uma consultoria, com reembolso de R$ 3 mil a R$ 15 mil dos gastos que o pequeno empresário tiver para reconstruir sua operação. O cadastro no Sebraetec Supera pode ser feito no site.