A falta de infraestrutura em diversas cidades, que ficaram sem luz e sem água e tiveram diversos bairros inundados, impeliu moradores a se deslocarem até o Litoral Norte em busca de melhores condições para viver e trabalhar temporariamente. A região é uma das poucas não afetadas pela calamidade – que atinge mais de 400 municípios gaúchos – e tem condições de receber as pessoas, já que os serviços seguem funcionando normalmente.
Em Tramandaí, o movimento no centro era maior do que o habitual para um dia útil de maio nesta quarta-feira (8). De acordo com a assessoria da prefeitura, o cenário já se assemelha ao de um final de semana de verão.
A alta demanda na rede hoteleira atesta a grande procura pela cidade – ainda que a rotatividade seja alta. O hotel Mares do Sul, por exemplo, está com todos os quartos ocupados para esta semana. Ainda há, contudo, vagas em hotéis da cidade. Tanto vítimas das enchentes quanto pessoas que tiveram a infraestrutura impactada pelo evento climático têm procurado abrigo na cidade ao longo dos últimos dias. A prefeitura chegou a montar um centro de apoio para pessoas atingidas que vêm de outros municípios. No local, também são recebidas e encaminhadas doações.
A cidade tem água, luz e sinal de telefone e internet. A prefeitura assegura que tudo está funcionando normalmente – somente nos mercados houve uma diminuição em alguns itens pontuais, como foi verificado pela reportagem.
O comércio também notou aumento de pessoas circulando e da procura por produtos e serviços nos últimos dias. Gerente do bazar América 10, Aline Gomes percebeu “muita gente de fora” circulando pela cidade. Ela relata que pessoas que entram na loja não têm conhecimento das doações e auxílio organizados pelo município para vítimas das enchentes. Assim, os funcionários buscam informá-las, além de fornecer itens da caixa de doações montada pela própria loja.
— Todo mundo, pelo menos os clientes aqui, estão todos vindo em função da enchente. Na minha casa, minha nora está abrigada aqui com a gente — conta.
A advogada Michelly Souza, 41 anos, veio de Porto Alegre na manhã desta quarta-feira com a família. O bairro Bom Fim, onde mora, está sem água e com luz intermitente, e a caixa d’água do edifício já esgotou. A movimentação de helicópteros, ambulâncias e bombeiros, junto ao caos na Capital, também motivou a família a deixar a cidade. Eles estão hospedados em um apartamento de familiares. Quando os recursos voltarem, retornarão a Porto alegre.
— A água, graças a Deus, não chegou lá. Chegou no meu escritório e resolveram fazer home office, então aproveitei para vir para cá. Foi por resguardo, porque não está com infraestrutura, se não, ia estar lá tentando ajudar de alguma forma — afirma Michelly, que trabalhou como voluntária nos últimos dias. — Como deu a situação de não ter água, com criança, não há como manter o mínimo.
Água nos mercados
Os bloqueios nas rodovias estaduais e federais dificultam a chegada de alguns produtos. Assim como na Capital, o principal item em falta nos mercados da cidade é água mineral natural. No Nacional, maior mercado da Avenida Emancipação, principal avenida do município, havia somente água com gás nesta quarta-feira (8). O mercado informou que há expectativa de receber mercadorias da Fruki, por meio de uma rota alternativa, ou do Carrefour, de fora do Estado. No Asun, já não havia água sem gás, nem previsão para novos recebimentos – os estoques foram direcionados para a Região Metropolitana, em função da falta d’água. No mercado Ponto Novo, porém, a reportagem encontrou o produto à venda, com o limite de duas unidades por pessoa.
Ainda que não tenha sido diretamente atingida pelas enchentes, a aposentada Maria Marlene Verçosa, 71 anos, veio para a cidade para fugir das situações. Ela está no apartamento de um dos filhos, que agora estão com dificuldade para sair do Estado, onde já não residem, tendo vindo apenas visitar a mãe antes do aeroporto ser fechado.
— Canoas está um caos, é uma tristeza só. E aí acabou faltando água onde eu moro também, então a gente veio para Tramandaí. Acolhemos muita gente no nosso prédio. Muitos desabrigados, amigos que perderam casa, perderam tudo. Pessoas, animais, cachorro. A gente veio para cá mesmo até para dar uma aliviada no emocional, porque está muito tenso, muito tenso mesmo — relata Maria, que fazia compras no supermercado.
Combustíveis
Em alguns postos de combustíveis, há fila para abastecimento. No Posto Petrobras da Avenida Rubem Berta, foi imposto o limite de abastecimento emergencial de 20 litros de gasolina (vendida a R$ 5,99) por veículo. A venda de diesel (R$ 5,99), por enquanto, segue liberada.
— É para tentar tirar o egoísmo do ser humano e tentar abastecer todo mundo. Poderia vender tudo e ficar parado, mas isso não resolve — afirma Marcelo Ribeiro, sócio do posto.
Também há dificuldades em relação ao estoque, sobretudo de gasolina, já que o volume de consumo está “muito alto”. A última entrega foi nesta terça-feira (7), quando houve alta demanda, e não há previsão para novo recebimento. Os estoques devem durar até quinta-feira (9).
No Posto Shell, na Avenida Fernandes Bastos, a procura também aumentou bastante desde segunda-feira (6), mas não há limite para o abastecimento. A distribuidora tem enviado cargas reduzidas, fracionando o produto entre os postos. Ainda há gasolina aditivada e diesel à venda, e a expectativa é de que uma nova remessa chegue na sexta-feira (10). O custo do frete aumentou, mas o posto afirma ter segurado o repasse e mantido os mesmos preços.
A grande quantidade de pessoas se deslocou até o município demandará uma série de situações de saúde, que já conta com um atendimento especial, e de alimentação, enquanto não for possível o retorno até suas residências, reconhece o prefeito Luiz Carlos Gauto.