Ribeirinhos do bairro Cidade Nova, em Rio Grande, já sofrem consequências da enchente nesta quarta-feira (8) e convivem com água dentro das casas, sem energia elétrica e sob riscos de saques.
Na Rua Padre Feijó, que termina junto à Lagoa dos Patos, a água já avançou por cerca de 300 metros. Em alguns pontos, um adulto fica com os joelhos submersos.
Na penúltima casa antes da lagoa, Maria de Lourdes Martins Vieira e Paulo Ávila levantaram todos os móveis e eletrodomésticos que conseguiram. Do lado de dentro da moradia, a água está acima do tornozelo e se espalha por todo imóvel. Maria relata já ter perdido bens como uma máquina de lavar, entre outros, alguns deles recebidos como doação depois da cheia de setembro passado.
Sem energia elétrica, alimentos estão estragando e Maria se apressa em improvisar o preparo de frango, antes que fique inservível. O fornecimento de água está mantido, mas não se pode dar descarga no vaso sanitário por causa da inundação. As necessidades precisam ser feitas em sacos, para não serem extravasadas pelas subidas da água dentro da casa.
O que mais preocupa Maria e Ávila é a segurança. Muitos dos vizinhos já deixaram os imóveis, mas os que ficaram se revezam, sobretudo no breu da noite, para fazer vigia. Eles relatam a ação de "piratas" que chegam em embarcações pela lagoa para saquear casas vazias. É esse o principal motivo que leva Maria a resistir, apesar dos convites já recebidos para evacuar a região.
— Não tenho para onde ir e não quero ir para abrigo. Aqui estão as conquistas das nossas vidas. Se eu fecho a porta, eles (piratas) entram — relata.
Os moradores da região costumam ter barcos e estão ajudando a fazer o transporte de bens para locais mais distantes da água. Desde aparelhos eletrônicos até botijões de gás são removidos das áreas mais alagadas.
Para Maria, o cenário é de carência.
— Na situação em que estamos, tudo o que vier ajuda. Material de higiene e limpeza, alimentos — diz a ribeirinha, salientando a necessidade de segurança.
Para o cão Duck, ela improvisou uma casinha elevada sobre suportes que, na verdade, é um tonel de plástico recortado. Tudo para manter o animal fora do alagamento.
Do outro lado da Rua Padre Feijó, quase à margem da lagoa, está a residência de Rudinei da Silveira e Tânia Margarete Garcia. A casa deles é ligeiramente mais elevada em relação à via, o que lhes garante menos água dentro de casa. Por ali também resiste o gato Mingau, acomodado no colo de Margarete.
O movimento da água depende muito do vento em Rio Grande. Na manhã desta quarta-feira, ele soprava ao nordeste. Isso ajudou a escoar a inundação rumo ao Oceano Atlântico. Mas, por vezes, há mudanças e o vento empurra para o sul, um problema que represa a lagoa e amplia a enchente. Essa peculiaridade do vento faz com que a cheia suba e desça constantemente no bairro Cidade Nova.
Silveira se emociona ao comentar a situação dramática causada pela emergência climática em Canoas, na Região Metropolitana. Mareja os olhos e afirma que, se a água subir com força, vai deixar a residência para preservar a vida. Ele tem abrigo junto a familiares.
— Lá em Canoas as pessoas seguiram com força e correndo. Minha situação não está tão grave. Isso é o que me dá força — reflete Silveira.
Para ele, na atual circunstância, sem a energia elétrica e com água batendo à porta de casa, o mais difícil é se alimentar.
— Ontem passamos com um gole de café. A dificuldade é preparar a refeição — comenta.
Nesta quarta-feira, a despeito das limitações impostas, ele instalou um botijão de gás para tentar viabilizar uma cozinha, mas demonstrava preocupação com o cheiro que indicava um vazamento.
Silveira diz que sua motivação para seguir morando na região é o espetáculo da Lagoa dos Patos nos dias normais, com passeios de barco e pôr do sol deslumbrante.
Mais distante da beira da lagoa, também na Rua Padre Feijó, Eduardo Castro improvisou uma barreira na porta do lar. Ele enviou os quatro filhos para a casa de um familiar e permaneceu no bairro Cidade Nova com a esposa para proteger os pertences. Castro mora há 15 anos no local e assegura já se tratar da maior cheia vivenciada por ele. A água chegou, pela primeira vez no período, ao pé da sua residência.
— Eu, para sair, só se a água tapar a porta. É uma luta para conseguir as coisas. Se saio de casa, alguém vem e toma — comenta.
A mesma avaliação tem Paulo Cesar Ferreira Viana, o Taio, que montou uma barricada na porta de casa vedada por uma massa expansiva, na tentativa de evitar infiltrações para dentro do imóvel. O pátio dos fundos da residência, contudo, já estava alagado pela água que subiu por encanamentos.
Na Avenida Portugal, que faz cruzamento com a Rua Padre Feijó, há presença de viaturas da Brigada Militar. Unidades do Corpo de Bombeiros também circulam pela região.
A Defesa Civil de Rio Grande informou que, com a previsão de elevação da Lagoa dos Patos, a Avenida Portugal deve se converter em ponto de desembarque de resgatados nos próximos dias.
Situação em Rio Grande
As autoridades da prefeitura de Rio Grande estão solicitando, nesta quarta-feira (8), que moradores de áreas que ficam a até 200 metros de distância da Lagoa dos Patos e do Saco da Mangueira deixem suas casas imediatamente e procurem abrigos públicos ou casas de amigos e familiares.
Essa métrica está sendo utilizada como parâmetro por ter sido o avanço da água sobre a cidade registrado na enchente de 2023.
A zona sul do Estado, conforme prognósticos oficiais, deve ser o próximo epicentro da crise climática que prejudica o Rio Grande do Sul.
No boletim da prefeitura das 9h30min desta quarta-feira, a Lagoa dos Patos estava 70 centímetros acima do nível normal.
A previsão é de que o vento sul passará a predominar a partir da tarde, o que irá represar a água. Isso será somado à chuva que cai em Rio Grande. O cenário se torna mais complexo porque a Lagoa dos Patos está recebendo a água que escoa do Guaíba, que inundou Porto Alegre.
Vice-prefeito e coordenador da Defesa Civil de Rio Grande, Sérgio Webber, afirma que os momentos mais críticos deverão ocorrer entre a noite de quarta-feira e o decorrer da quinta-feira (9).
A Defesa Civil do município informa que, nos últimos dias, mais de mil pessoas deixaram as ilhas, a grande maioria por conta própria. Anderson Montiel, ordenador de despesa da Defesa Civil, diz que os que saíram dos lares por iniciativa própria não entram para a estatística oficial, por impossibilidade de aferição. Por isso, o boletim municipal da manhã desta quarta-feira apontava 280 pessoas fora de casa, resgatadas pela força-tarefa da Defesa Civil. Do total, 223 foram para residências de amigos e familiares e 57 buscaram abrigos.