Os alertas meteorológicos têm feito cada vez mais parte da rotina das pessoas. No Rio Grande do Sul, termos como cotas de inundação e repiques passaram a integrar parte do cotidiano dos gaúchos. Para se ter uma ideia da recorrência dos eventos climáticos extremos, vale olhar para o Guaíba, que contorna boa parte de Porto Alegre. De 1899 a 1967, o nível ultrapassou os três metros em quatro oportunidades. De setembro de 2023 a maio de 2024, o mesmo ocorreu mais três vezes.
Em entrevista ao Gaúcha Atualidade, na manhã desta terça-feira (28), o climatologista Carlos Nobre, doutor em meteorologia no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, reforçou a excepcionalidade das enchentes enfrentadas pelo Estado e alertou para as consequências do aquecimento global em todo o planeta.
— Sem dúvida teve um recorde de chuva. Não se deve pensar que isso vai acontecer uma vez a cada 80 anos. Não. O aquecimento global faz com que esses eventos extremos aconteçam com mais frequência. Não será a cada ano, mas não se deve esperar 80, cem anos. Nós estamos vendo, devido ao aquecimento global, é o aquecimento dos oceanos. Os oceanos evaporam mais e alimentam os sistemas de chuva. Isso está acontecendo no mundo inteiro. Temos de estar muito preparados. Recordes serão quebrados. Se continuarmos a aquecer o planeta, temos de estar preparados para eventos extremos uma vez por década — destacou.
Não só o volume de chuva gera preocupação. Há também as secas, que já atingiram o RS em anos anteriores. De acordo com especialista, com a chegada do La Niña, o povo gaúcho poderá sofrer com estiagem ainda neste ano.
— Todos os eventos extremos estão ficando mais intensos. Não é só chuva. Tem ventos muito severos e secas também batendo recordes. Também temos ondas de calor. Tivemos o recorde de calor na Amazônia e no Cerrado. Agora no segundo semestre, se desenvolve o La Niña, ainda sem previsões se será tão forte como o La Niña de 2022, que durou até 2023 e bateu todos os recordes de seca. O RS tem de se preparar. É muito provável que teremos seca no final de 2024 e no primeiro semestre de 2025 com chuva abaixo da média — ressaltou.
Para aqueles que citam a inundação da capital gaúcha em 1941 para refutar o aquecimento global, Nobre relembra que na época o processo de desmatamento da Mata Atlântica estava em curso.
— Em 1941 foi um evento extremo, mas não com esse tamanho. Esses eventos sempre aconteceram no planeta a cada cem anos. Agora eles estão se tornando mais frequentes. Em 1941 já tínhamos desmatamento da Mata Atlântica. Por isso, precisamos fazer o reflorestamento. As matas ciliares (vegetações que acompanham os rios) foram eliminadas. Quando chove, a água corre para os rios e aumenta os níveis. É muito importante também fazermos os rios ficarem mais profundos. É uma das soluções sustentáveis — pontuou.
Medidas para minimizar os riscos
Sistemas de drenagem com casas de bombas e diques, existentes principalmente na Região Metropolitana, não foram capazes de suportar a quantidade de água que desceu do Vale do Taquari. Pensando no futuro, é possível minimizar os riscos. Para isso, no entanto, é necessário investimentos.
— Países que estão implementando soluções para serem mais resilientes contra chuvas têm o sistema de esponjas urbanas naturais. Tem também a esponja de infraestrutura (piscinões). Muitos países estão fazendo a chamada esponja urbana com vegetação. Se a maior parte das matas ciliares não tivessem sido desmatadas, também fossem mantidas as matas nas encostas, o solo teria absorvido muito mais a chuva. Teríamos enchentes muito menores. Na busca pela adaptação, também precisamos fazer a restauração ambiental nas áreas críticas, que são as margens dos rios e nas encostas. Os recordes não vão voltar para trás — afirmou.
Outro ponto citado por Nobre diz respeito ao cuidado com as ilhas urbanas de calor. A saída é a restauração florestal, medida que consegue fazer com a temperatura permaneça mais equilibrada, mantendo o clima mais adequado. Além disso, ele reforça a necessidade de investimentos pesados em uma infraestrutura mais resiliente, ou seja, com capacidade de suportar intempéries.
Também precisamos fazer a restauração ambiental nas áreas críticas, que são as margens dos rios e nas encostas
CARLOS NOBRE
Doutor em meteorologia pelo MIT
— Tem que se fazer esponjas urbanas. Sistemas para captar a água, como piscinões. Isso tem de ser feito. No RS nós vimos um número gigantesco de pontes destruídas. Precisa de um trabalho enorme de infraestrutura. Tem de reflorestar as encostas e o topo dos morros. Isso são medidas que devem ser feitas em todo o Rio Grande do Sul. Não tem como fugir mais. Os governos têm de investir muito. Estamos falando em centenas de bilhões de reais para diminuir os eventos extremos que, com certeza, acontecerão — avaliou, admitindo a necessidade de um replanejamento de muitos municípios.
— Com os eventos extremos devido ao aquecimento global, as cidades devem ser repensadas. A ciência já mostra as áreas mais vulneráveis. Também se sabe como tornar as cidades mais sustentáveis. Até mesmo as populações já estão percebendo que precisarão ir para outros locais. Não há falta de áreas, mas há todo um custo. Muitas cidades precisarão ser realocadas. O Rio Taquari subiu mais de 20 metros. Não pode ser em encosta, que desliza. É algo que precisará ser feito em todo o Brasil, principalmente no RS — concluiu.