Eles chegam a pé, de carro, de barco ou jet ski. Mergulham na água pútrida, enfrentam a escuridão da noite, numa romaria apressada para resgatar e acolher as vítimas da enchente. No cataclismo que se abateu sobre o Rio Grande do Sul na última semana, milhares de voluntários deixaram suas famílias para ajudar quem mais precisa.
Dono de uma imobiliária no Litoral Norte, Antônio Lima, 37 anos, salvou cerca de 150 pessoas em Canoas e Porto Alegre no final de semana. Ao lado de dois amigos, ele percorreu ruas inundadas para levar a lugares seguros quem temia pela própria vida ao ver a água subir cada vez mais rápido.
Após passar toda sexta-feira recebendo notícias do caos na Região Metropolitana, Lima acordou no sábado disposto a ajudar. De imediato, ligou para um amigo que possuía uma lancha. Uma corrente solidária logo se formou e ele conseguiu duas caminhonetes e dois barcos.
Ainda pela manhã ele e quatro amigos estavam navegando pelo bairro Fátima, em Canoas. Um dos primeiros resgates foi o de quatro freiras ilhadas em um colégio católico. O grupo precisou entrar na água para arrombar um portão e colocar as religiosas na lancha.
Mais adiante, eles cruzaram por duas mulheres e uma criança agarradas nas grades de um prédio, na tentativa de não serem arrastadas pela correnteza. Pouco antes, elas haviam naufragado de uma lancha de socorro que não resistiu à força de uma onda gerada pela passagem veloz de um jet ski.
Lima e os amigos atuaram até as 20h, quando o breu impediu a visibilidade em um oceano de lama e entulhos, ameaçando a navegação. Ele voltou para o Litoral, mas retornou na manhã seguinte, desta vez com mais dois barcos.
No domingo, com a redução dos salvamentos em Canoas, o grupo centrou forças na zona norte da Capital. Cruzando pelo bairro Sarandi, nas imediações da sede da Federação das Indústrias do RS (Fiergs), Lima retirou famílias inteiras do condomínio Jardim dos Pampas, levando até o ponto de acolhimento na confluência das avenidas 21 de Abril com Minas Gerais.
A cada viagem, a lancha levava cerca de 10 refugiados. Mal as pessoas desciam da embarcação, tinha início uma nova viagem, motivada pelos gritos de socorro de quem havia ficado pelo caminho.
— Depois que tudo acabou, que voltei para casa e deitei na cama, minha cabeça balançava como se ainda estivesse no barco. Eu só pensava nas crianças e em como seguir ajudando. Às vezes eu ligo para 50 clientes para marcar uma visita em um imóvel. Eu sabia que desta vez precisava ligar para cem, em busca de água, comida, o que fosse — conta Lima, agora engajado na entrega de 40 bombonas de água para os abrigados.
Na outra ponta do voluntariado, a analista de marketing Vitória Laimer Maiato, 22 anos, correu para somar forças aos grupos de apoio tão longo a enxurrada chegou em Porto Alegre. Desde quarta-feira, ela usava o tempo livre recolhendo doações. Durante todo o final de semana, passou 12 horas por dia no Vida Centro Humanístico, um dos principais abrigos improvisados na zona norte da Capital.
É desesperador ver que não para de chegar pessoas. Muitas crianças nuas, bebês sem fraldas, porque tudo foi perdido na enchente
VITÓRIA LAIMER MAIATO
Analista de marketing
— Eu sempre ajudei como posso, entregava marmitas para moradores de rua. Mas desta vez a situação era muito mais grave eu sabia que precisava fazer mais — afirma Vitória.
Quando ela chegou ao Vida pela primeira vez, havia 400 pessoas no local, número próximo da capacidade máxima. No domingo, já eram 1,2 mil. Vitória preparou comida, limpou banheiros e recolheu donativos, em meio ao caos de crianças chorando, cachorros latindo e um odor fétido contaminando o ambiente a partir dos banheiros sem água.
— É desesperador ver que não para de chegar pessoas. Muitas crianças nuas, bebês sem fraldas, porque tudo foi perdido na enchente. A gente termina o dia exausta, mas também abalada psicologicamente, porque sabe que essas pessoas precisam muito de ajuda — afirma Vitória.