As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul tornaram ainda mais difícil a rotina de pacientes com câncer, que enfrentam dificuldades para manter o tratamento oncológico. Para garantir que crianças e adolescentes possam ir até os hospitais e deem continuidade às sessões de quimioterapia e radioterapia, voluntários do Instituto do Câncer Infantil (ICI) passaram a oferecer caronas às famílias.
Conforme explica o superintendente da instituição, Algemir Brunetto, a prioridade é atender pacientes de Porto Alegre e da Região Metropolitana. Onze voluntários utilizam seus próprios veículos para fazer o deslocamento da casa do paciente até o hospital.
– Muitas famílias não têm condições de ir até o hospital. Por isso, entram em contato conosco e pedem essa ajuda – comenta.
Portas abertas
Com 32 anos de existência, o ICI atende mais de 500 crianças de 153 municípios gaúchos. Além da ajuda com o transporte, a instituição também oferece aos pacientes vinculados cestas básicas, kits de higiene e doação de roupas. Os itens são todos entregues pelos voluntários. A entidade também abriu as portas para receber as famílias durante o dia, na sede da instituição, que fica no bairro Rio Branco, em Porto Alegre. No local, contam com espaço para banho e alimentação.
Voluntária há mais de 10 anos do ICI, Luciana Lombardi, 50 anos, costumava realizar atividades de recreação com as crianças em hospitais da Capital aos finais de semana. Dadas as circunstâncias, sua contribuição com a entidade agora é outra. De duas a três vezes na semana, a técnica em nutrição tem usado seu carro para ajudar quem precisa.
– A gente busca as crianças em casa, levamos para o hospital, e aguardamos até o fim da sessão. Depois, levamos elas para suas casas de novo – explica a moradora da Vila Jardim.
Luciana conta que algumas crianças atendidas pelo instituto chegam a ter sessões todos os dias, de segunda a sexta-feira. As vias bloqueadas e congestionadas foram um empecilho a mais para os voluntários. Ao levar um jovem de volta para casa, em um caminho feito entre o centro de Porto Alegre e Alvorada, revela que levou o dobro de tempo para chegar, foram duas horas de trânsito.
– As famílias descobrem o tratamento e muda completamente a vida delas. Todos vivem preocupados e não queremos que esse seja mais um motivo para preocupações. Então tudo que a gente puder fazer para ajudar e diminuir o sofrimento, a gente faz – conclui Luciana.
Ajuda foi fundamental para jovem
A vida de Davi Lisboa Farias, 11 anos, e da mãe, Pamela Lisboa, 34, mudou completamente há pouco mais de dois meses, após o jovem ser diagnosticado com um linfoma raro, em fevereiro.
O tratamento exigiu que Pamela saísse do antigo emprego e se mudasse para o bairro Alto Petrópolis, na Capital, para que ficassem próximos de familiares que pudessem ajudar com os cuidados com Davi, que precisa ir até o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) pelo menos três vezes por semana para fazer as sessões de quimioterapia.
Para a família, o deslocamento sempre foi uma dificuldade. Eles não têm um veículo próprio e o jovem não pode andar de ônibus, já que tem a imunidade muito baixa. Antes das inundações que deixaram ruas submersas em Porto Alegre, amigos ajudavam com o deslocamento. No entanto, as enchentes fizeram com que essa ajuda parasse de chegar.
Sem ter como arcar com os custos de um transporte privado, a mãe revela que ficou muito preocupada, porque não sabia como levaria o filho para o HCPA:
– Uma vez fui ver quanto que estava dando um Uber da nossa casa até o hospital e deu R$ 60. Agora, imagina ir três vezes na semana, somando ida e volta. Quanto que não íamos gastar? Foi muito difícil, porque não tem como ele interromper o tratamento, a vida dele depende disso.
O sentimento de desespero e desamparo não durou muito tempo. Na primeira semana de dificuldades, a mãe descobriu, por meio das redes sociais, que o ICI estava oferecendo o transporte gratuito. Pamela entrou em contato e recebeu a ajuda que precisava.
– Agora já estamos com as consultas das próximas semanas todas agendadas e está tudo combinado com o Instituto. Não temos mais com o que nos preocupar – celebra a mãe, aliviada.
Instituto da Criança com Diabetes entrega insulina às famílias
Com as inundações, muitas famílias precisaram deixar para trás suas casas e outros pertences. Afinal, em um momento de calamidade pública, a prioridade é sobreviver. Para uma parte da população gaúcha, a vida depende de um único medicamento: a insulina.
Luciana Kelm, 44 anos, mãe de Matheus Kelm, 15, lembra bem da corrida para conseguir insulina nas farmácias. Moradores de Eldorado do Sul, precisaram sair às pressas de casa quando a água tomou conta de tudo.
–A água chegou próximo a 1,5m. Só deu tempo de fazer as mochilas com roupas, alimentos e as insulinas – descreve a terapeuta.
Encontraram refúgio na casa de parentes, que vivem no município de Sertão Santana, cerca de 65 quilômetros de distância da cidade em que moram. O jovem, que tem diabetes tipo 1, não tinha um estoque de insulina, portanto, o medicamento estava chegando ao fim. A estimativa era de que teria, no máximo, por mais três dias.
– Saímos de Sertão Santana e fomos até Guaíba procurando insulinas, em uma tentativa frustrada, porque já não tinha mais nas farmácias e sem previsão de entrega – conta.
Foi então que a mãe, que já conhecia o Instituto da Criança com Diabetes (ICD), resolveu entrar em contato para pedir ajuda:
– Eu procurei o ICD através do WhatsApp, e fomos atendidos na mesma hora. Acolheram o nosso caso e prontamente começaram a enviar as insulinas e insumos que o Matheus precisava. Eles não desistiram em nenhum momento, porque as estradas estavam bloqueadas.
A insulina chegou por meio de voluntários de barco, no início desta semana, em Guaíba. Depois, foi levada para a cidade em que estão abrigados. Matheus, diabético desde os 10 anos, agora tem medicamento suficiente para passar o mês.
Parceria
Balduíno Tschiedel, diretor do instituto, conta que já foram doados cerca de 10 mil insumos para diversos municípios do Rio Grande do Sul desde o início da catástrofe climática no Estado. A equipe da entidade começou a se mobilizar logo nos primeiros dias em que se sucederam as tragédias. Injeções de insulina e tiras reagentes pousam a todo momento na Base Aérea de Canoas, fruto de doações que chegam de todo o país.
Foi a parceria entre o ICD e a Força Aérea Brasileira (FAB) que garantiu a chegada desses itens, que são necessários para que pacientes diabéticos possam tratar da doença. O alto número de doações fez com que precisassem adquirir dois novos refrigeradores para poder armazenar a insulina da forma adequada, que precisa estar refrigerada em uma temperatura de 2ºC a 8ºC.
– Ficamos o dia inteiro recebendo pedidos de ajuda de várias regiões. Nunca tivemos uma demanda como essa. Como tivemos muitas doações, não faltaram insumos, o que faltava era o transporte. Por isso a parceria com a FAB foi tão importante – explica Balduíno.
Devido à situação de calamidade, a entidade, que costuma atender crianças e adolescentes, ampliou os atendimento a adultos e idosos também.
– Uma pessoa com diabetes tipo 1 não pode ficar mais de 24 horas sem receber a insulina, pois corre o risco de entrar em um quadro chamado cetoacidose diabética, que só pode ser tratado em UTI. Se uma pessoa não consegue chegar até a UTI, corre um risco de vida muito forte. Então, isso é muito sério e precisamos ter total atenção a esses pacientes – enfatiza o diretor do ICD.
Como ajudar:
- Contribuições financeiras para o Instituto da Criança com Câncer podem ser feitas por meio da chave Pix (e-mail): doeagora@ici.ong.
- Para ajudar o Instituto da Criança com Diabetes, o Pix é (CNPJ): 02.774. 358/0001-05.
Produção: Nikelly de Souza