Além de tirar famílias de casa, varrer partes de municípios e fazer vítimas, as chuvas que castigam o Estado desde a metade do ano reforçam o alerta sobre problemas de infraestrutura que podem ser impulsionados por grandes volumes de água. Um dos pontos mais simbólicos dessa questão está nas pontes.
Ligações importantes entre rodovias ou cidades, algumas dessas estruturas cederam ou sofreram danos diante de enxurradas ou solo encharcado. Especialistas afirmam que essas ocorrências aumentam a importância de realizar inspeções e repensar os modelos de construção.
Somente em rodovias estaduais administradas pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) e pela Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), cinco pontes ruíram neste ano em razão do grande volume de chuva. Dentro dessa lista, estão dois casos emblemáticos.
Um deles é o da ponte metálica que ligava Nova Roma do Sul a Farroupilha, na Serra. Outro é o da estrutura que conectava São Valentim do Sul a demais municípios da região, como Santa Tereza, Bento Gonçalves e Guaporé. Em ambos os casos, as pontes foram arrastadas pela água na enxurrada registrada no Estado no início de setembro.
Se levar em conta pontes municipais, esse número cresce. A reportagem de GZH tentou obter dados federais, mas não obteve retorno do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) até as 17h de sexta-feira (24).
Professora da Engenharia Civil da Escola Politécnica da Unisinos, Danielle Clerman afirma que boa parte das pontes não recebe a devida atenção no que diz respeito a inspeção e manutenção. Uma reversão desse quadro é importante, principalmente em cenário no qual os volumes de chuva estão avançando no RS, alerta:
— O aumento e a periodicidade de manutenção, de acompanhamento da conserva, são fundamentais para que essas estruturas possam cumprir o papel delas, ainda mais frente a situações difíceis que a gente viu aqui no Estado nos últimos tempos.
Formatos e dimensões
O engenheiro civil e doutor em Transportes da UFRGS João Fortini Albano também cita a necessidade de focar em preservação e inspeção regular para diminuir incidentes. Sobre a reconstrução de acessos em locais onde pontes ruíram, Albano afirma que, teoricamente, esses terrenos são aptos para novas estruturas, porque existiu estudo para a ponte anterior. No entanto, reforça que é preciso repensar o formato e a dimensão da nova conexão em casos específicos:
— Tem de exagerar no dimensionamento. Temos um princípio em hidráulica e engenharia que é a pior chuva que ainda está por vir. Basear-se em dados existentes é certo, em termos de série histórica, mas a pior ainda deve estar por acontecer. Isso leva a um dimensionamento maior da estrutura, para maior vazão em cheias.
Já a coordenadora do Curso de Engenharia Civil da Ftec de Novo Hamburgo, Débora Pedroso Righi, afirma que, além da atualização dos profissionais de engenharia diante de novas normas de segurança, é preciso investir em novas tecnologias e materiais de construções para pontes:
— A gente tem novos materiais, novas tecnologias sendo aplicadas, novos tipos de concreto. Não precisamos trabalhar somente com concreto armado. Existem fibras hoje em dia que desempenham ótimos comportamentos mecânicos.
Imprecisão de dados
Como o Estado conta com vias estaduais, federais, municipais e sob o guarda-chuva de concessionárias, é difícil saber ao certo o total de pontes afetadas pelos temporais.
A Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) não tem levantamento específico nesse sentido, porque esse dado fica com outros órgãos, mas a reportagem de GZH entrou em contato com algumas prefeituras afetadas pelo grande volume de chuva neste ano e aponta exemplos:
- Caraá, no Litoral Norte, foi varrido por uma enxurrada em junho. No total, 72 pontes e pontilhões foram danificados neste ano na cidade.
- Em Passo Fundo, no Norte, 13 pontes sofreram danos na estrutura em 2023.
- Em Muçum, pelo menos uma ponte sofreu danos durante o temporal de setembro. O governo do Estado entregou, em outubro, às prefeituras de Muçum e Roca Sales, o projeto de reconstrução da ponte Rodoferroviária Brochado da Rocha, que liga os dois municípios.
Impactos econômicos, sociais e sanitários
Em Nova Roma do Sul, a comunidade está praticamente ilhada após a queda da ponte de ferro, em setembro, e o recente temporal que afetou vias na região. O prefeito, Douglas Favero Pasuch, afirma que a queda da ponte afeta diversos setores, como a saúde.
O hospital de Farroupilha é referência para o município. Antes, o trajeto entre os dois locais levava cerca de 45 quilômetros. Hoje, a distância cresceu para cerca de cem quilômetros, segundo o prefeito.
— Temos uma dificuldade muito grande para realizar esse deslocamento. Temos também a questão da educação, com mudanças no trajeto para faculdades e instituições de cursos profissionalizantes — destaca Pasuch.
Um grupo de empresários e demais integrantes da sociedade civil se reuniu para tentar arrecadar o valor necessário para construção de uma nova ponte, com custo estimado em R$ 6 milhões. Além dessa iniciativa, o governo do Estado estima a finalização de anteprojeto e orçamento para nova estrutura em novembro deste ano.
Encarecimento do transporte
São Valentim do Sul vive situação parecida. A ponte do distrito de Santa Bárbara, que ficava sobre o ponto onde os rios das Antas e Carreiro se encontram e formam o Taquari, uma das principais bacias que transbordaram na enxurrada de setembro, foi destruída. Com a falta de uma ligação mais direta entre a cidade e municípios vizinhos, São Valentim do Sul sofre para garantir serviços e escoar a produção, segundo o prefeito, Geri Angelo Macagnan:
— A produção primária, o comércio, as empresas têm de fazer uma volta por Guaporé ou Lajeado. É um desperdício de valor muito grande, encarece muito o transporte. Por isso precisamos de uma ligação alternativa, que é a balsa.
A balsa citada pelo chefe do Executivo deve ser instalada até a metade de janeiro do ano que vem. Além dessa situação emergencial, existe um anteprojeto e orçamento para a construção da nova ponte.
A situação em pontes sob responsabilidade de EGR e Daer
Caraá-Santo Antônio da Patrulha – RS-030
- O tráfego foi liberado por um desvio provisório no local. O Daer acionou a empresa de apoio técnico, que trabalha no anteprojeto e orçamento. O órgão também atua junto ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) para a obtenção de recursos.
Três Cachoeiras – RS-494
- O tráfego também foi liberado por um desvio provisório. O Daer trabalha no anteprojeto e orçamento e atua junto ao MIDR para a obtenção de recursos.
Nova Roma do Sul – RS-448
- Está previsto para este mês de novembro o anteprojeto e orçamento da nova estrutura. Após essa fase, a obra será cadastrada no MIDR para recebimento de recursos.
Bento Gonçalves-São Valentim do Sul – RS-431
- Anteprojeto e orçamento estão prontos para a construção da nova ponte. A obra será cadastrada no MIDR para recebimento dos recursos.
Santo Antônio da Patrulha – RS-474
- A nova ponte foi construída pela EGR em 40 dias.
Fonte: Secretaria de Logística e Transportes