A cronologia da enchente que traumatizou o Estado revela que havia tempo para se adotarem medidas mais efetivas de prevenção, capazes de pelo menos reduzir o patamar de 50 vítimas confirmadas na enxurrada de setembro no Vale do Taquari.
O complexo sistema de previsões, boletins e ações prévias, que reúne órgãos federais, estaduais e municipais, porém, enfrentou obstáculos como a dificuldade em antecipar adequadamente a dimensão da cheia que se formava na região, em emitir boletins de alerta suficientemente assertivos e em contar com a colaboração de toda a população para deixar as casas em zonas de risco quando ainda havia tempo de escapar.
Avisos de que uma chuva pesada se avizinhava não faltaram, mas nem sempre com o tom de urgência que se mostraria necessário.
Na manhã de 1º de setembro, três dias antes do início da tragédia, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) previa possibilidade "moderada" de enxurradas e inundações nas bacias dos Rios Jacuí, Gravataí, Caí e Taquari.
O nível de ameaça seria elevado nos dias seguintes, culminando com o envio de 40 alertas para diferentes municípios entre 0h6min e 18h45min de 4 de setembro — no último horário, a onda de enchente já arrasava as primeiras cidades afetadas. O Serviço Geológico do Brasil (SGB) também passou a divulgar previsões periódicas de cheia, mas a realidade, mais grave do que o esperado, forçou revisões das expectativas para pior.
— Foi difícil prever (o que ocorreria com o Rio Taquari) porque não tínhamos registro de um evento desse tipo (fenômenos anteriores são utilizados como baliza para as previsões atuais). Depois do que ocorreu, temos de repassar tudo do zero, desde as instalações dos nossos equipamentos até os modelos que usamos para fazer previsões — avalia o engenheiro hidrólogo Emanuel Duarte, chefe de projeto do Sistema de Alerta do Caí e do Taquari do Serviço Geológico do Brasil (SGB).
Nas cidades mais atingidas, as informações repassadas pela Defesa Civil se tornaram gradualmente mais assustadoras. Em Muçum, por exemplo, o coordenador da Defesa Civil local e secretário municipal da Agricultura, Rodolfo Pavi, sustenta que os comunicados recebidos via WhatsApp indicavam, no começo da tarde, que o Taquari chegaria a pouco mais de 21 metros. Poucas horas depois, a projeção já ultrapassava os 25 metros. No ponto máximo da inundação, superaria os 26 metros.
Não se conseguiu estabelecer uma relação imediata entre a violência da água que derrubou a ponte de ferro entre Nova Roma do Sul e Farroupilha, por exemplo, e a altura que o rio alcançaria nas cidades abaixo — em Lajeado, a 170 quilômetros, três pessoas morreriam no dia seguinte.
Em Muçum, segundo Pavi, o aviso de que a inundação seria muito mais grave do que o imaginado chegou por volta das 18h.
— Nós colocamos carro e moto a circular pela cidade para alertar as pessoas e pedir que elas saíssem de casa, mas, em muitos lugares, já não havia mais como escapar — lamenta o coordenador da Defesa Civil municipal.
Pavi observa que muitas pessoas preferiram ficar em casa, sem ter noção da real dimensão da enchente, pelo simples fato de que em fenômenos anteriores era suficiente elevar os móveis ou subir para o segundo piso da residência.
Em um relatório sobre a tragédia, professores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) recomendaram "melhorias no sistema de alerta à população, com utilização de diferentes alternativas de comunicação (telefone celular, sirenes, alto-falantes e outros) e com maior detalhamento das informações e das ações necessárias, buscando maior eficácia na comunicação". O trabalho sugere, ainda, "fortalecimento dos sistemas de monitoramento, previsão e alerta existentes".
— Temos boa capacidade de prever chuva, mas é praticamente impossível prever com precisão o volume e onde exatamente vai cair. Para melhorar as previsões, dependemos da coleta de dados do que está acontecendo, de monitoramento com pluviômetros nas cidades e nas cabeceiras, para assim emitir alertas mais precisos. Avisar é importante, mas as pessoas também precisam saber o que fazer. Alguns alertas são genéricos e, outras vezes, as pessoas decidem ficar em casa porque também falta educação — analisa o professor do IPH Fernando Mainardi Fan.