Os R$ 741 milhões prometidos pelo governo federal para auxiliar na recuperação dos estragos provocados pelas inundações dos últimos dias no Rio Grande do Sul superam valores anunciados logo depois de outras tragédias naturais recentes e representam o equivalente a quase 40% do total de recursos oferecidos diretamente pela União para atender desastres no país no ano passado.
Além da verba orçamentária, a ajuda oficial foi reforçada na terça-feira (12) pelo anúncio da liberação de mais R$ 1 bilhão em linhas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de R$ 600 milhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para atender 354 mil trabalhadores.
Em comparação, levando-se em conta apenas o dinheiro enviado a fundo perdido, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva divulgou repasses emergenciais de R$ 120 milhões para socorrer o litoral norte paulista no começo do ano, onde episódio semelhante ao gaúcho deixou 65 pessoas mortas.
Já a gestão de Jair Bolsonaro acenou com valores orçamentários (não entram nessa conta eventuais financiamentos ou liberação de fundo de garantia) que totalizaram R$ 2 bilhões para esse tipo de emergência em todo o país ao longo de 2022. O auxílio federal costuma incluir custeio de operações de resgate, verba para reconstrução de infraestrutura e de moradia, assistência social, entre outras despesas.
A comparação direta entre a dimensão dos repasses diretos prometidos pela União é dificultada por uma mudança no perfil das promessas de socorro feitas ao longo dos últimos dois anos — quando pelo menos cinco grandes eventos extremos de chuva deixaram mais de 500 mortos no Sul, no Sudeste e no Nordeste. Ainda sob a presidência de Bolsonaro, a prática do governo federal era anunciar a liberação de milhões de reais destinados a atender não apenas o local afetado naquele momento, mas um montante que ficaria disponível para atender também outras regiões atingidas por intempéries.
Após as tempestades que mataram pelo menos 31 pessoas e desabrigaram 40 mil na Bahia e em Minas Gerais, por exemplo, a União liberou R$ 700 milhões por meio da assinatura de uma medida provisória. O recurso, porém, ficaria disponível no Ministério da Cidadania à disposição de cidades de outras partes do país que estivessem sofrendo com prejuízos causados pelo clima. Ainda assim, a verba garantida agora pelo vice-presidente Geraldo Alckmin exclusivamente aos gaúchos supera esse patamar.
Fica acima, também, dos R$ 500 milhões garantidos imediatamente depois dos temporais em Petrópolis, no Rio de Janeiro, em fevereiro do ano passado — de imediato, apenas R$ 2,3 milhões deste montante foram encaminhados ao município fluminense. Poucos meses depois, logo após o desastre de Pernambuco, quando 128 pessoas morreram, o governo anterior acenou com verba de R$ 1 bilhão. Órgãos de imprensa divulgaram a cifra como um recurso novo destinado especialmente aos pernambucanos, mas o próprio ministro do Desenvolvimento Regional à época, Daniel Ferreira, esclareceu depois que, na verdade, esse montante ficaria "disponível durante todo o ano de 2022 para todas as áreas do país que sofrerem prejuízos humanos e materiais em decorrência dos diversos desastres naturais que acontecerem no território brasileiro". Juntando os recursos de Defesa Civil com rubricas de outras pastas, o total disponível anunciado pela gestão anterior para todo tipo de necessidade ao longo do ano inteiro chegou aos R$ 2 bilhões.
O dinheiro federal costuma ser utilizado para diferentes finalidades. Algumas delas, como observou o governador Eduardo Leite, são para financiar a própria operação emergencial de resgate e assistência. Da verba prometida aos gaúchos, R$ 26 milhões devem ser destinados ao Ministério da Defesa para ajudar a custear operações que incluem o uso de helicópteros e outros maquinários, por exemplo, entre outros itens.
No caso dos deslizamentos no litoral paulista, R$ 60 milhões foram reservados também para sustentar as ações de socorro de militares e de membros da Defesa Civil. Os custos tendem a variar conforme a dimensão dos estragos e o grau de complexidade do trabalho de salvamento e de recuperação, o que pode ser afetado pelo tipo de dano e a geografia do local.
O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, faz a ressalva de que nem sempre os valores apresentados pela União para auxiliar as vítimas do clima acabam se confirmando.
— É simples chegar e anunciar um valor. Prometem milhões, bilhões, depois executam uma pequena parte. Por isso também é fundamental investir em prevenção — afirma Ziulkoski.
O Ministério Público Federal (MPF) chegou a requisitar informações ao governo federal, ainda sob a gestão Bolsonaro, após declarações terem criado a falsa expectativa de que Pernambuco poderia receber R$ 1 bilhão de auxílio. Um mês depois das tempestades, apenas R$ 26 milhões haviam de fato sido encaminhados aos pernambucanos.
Compare, a seguir, alguns dos anúncios oficiais de auxílio feitos depois das cinco tragédias naturais mais recentes no país.
Anúncios de recursos após desastres
Rio Grande do Sul - Setembro de 2023
Cenário: uma enxurrada atingiu vários municípios no Vale do Taquari, onde foram registrados destruição de casas, danos à infraestrutura e dezenas de mortes. Municípios como Roca Sales, Muçum e Lajeado estão entre os mais afetados. Até a terça-feira (12) havia 4,7 mil desabrigados.
Mortes: 47, ainda podendo aumentar.
Valor anunciado: R$ 741 milhões — R$ 195 milhões para construção de moradias, R$ 185 milhões para ajuda humanitária, R$ 125 via programa de aquisição de alimentos e R$ 116 milhões para reconstrução de rodovia, entre outras iniciativas. Além disso, foram anunciados R$ 1 bilhão em financiamentos do BNDES e liberação de R$ 600 milhões do FGTS.
Litoral de São Paulo - Fevereiro de 2023
Cenário: fortes chuvas atingiram a região de São Sebastião entre os dias 18 e 19 de fevereiro, provocaram alagamentos e deslizamentos de terra que resultaram em mortes e destruição de casas e itens de infraestrutura. O volume de precipitação, que também danificou estradas, chegou a somar 400 milímetros em apenas quatro horas, ou mais de 600 milímetros em 24 horas — recorde histórico no país. Um mês depois da tragédia, mil pessoas ainda estavam morando em hotéis e pousadas por terem perdido suas casas.
Mortes: 65
Valor anunciado: R$ 120 milhões. Cerca de R$ 60 milhões para despesas envolvendo Forças Armadas, Defesa Civil e outros órgãos, e mais R$ 60 milhões em ações de resposta, restabelecimento de serviços essenciais e reconstrução de infraestrutura.
Pernambuco - Maio de 2022
Cenário: a chuva torrencial provocou a maior tragédia natural daquele Estado em 56 anos, com registro de mais de 10 pontos de deslizamentos de terra. Somente em 1966 houve um número mais elevado de vítimas em razão do mau tempo, com 175 óbitos. A chuvarada do ano passado deixou ainda 9,6 mil desabrigados.
Vítimas: 128
Valor anunciado: R$ 1 bilhão disponível para todo o país. O valor foi divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional para "ações de socorro, assistência e restabelecimento de serviços essenciais" para cidades de todo país afetadas por desastres recentes. Um mês depois de o então presidente Jair Bolsonaro visitar Pernambuco, apenas R$ 26 milhões haviam sido liberados para aquele Estado. O Ministério Público Federal requisitou informações ao governo federal sobre o destino dos recursos prometidos.
Petrópolis (RJ) - Fevereiro de 2022
Cenário: uma chuvarada que somou quase 260 milímetros em um dia (maior volume registrado desde o início das medições no local, em 1932) devastou boa parte da cidade serrana, com deslizamentos que destruíram casas, comprometeram a infraestrutura e deixaram centenas de mortos.
Mortes: 233
Valor anunciado: R$ 500 milhões, que se somariam a outras verbas anunciadas anteriormente e também poderiam ser solicitados por cidades de outras regiões do país. De início, foram liberados R$ 2,3 milhões especificamente para Petrópolis.
Bahia e Minas Gerais - Dezembro de 2021
Cenário: a pior tempestade em pelo menos 35 anos no sul da Bahia, em uma sucessão de chuvaradas que atingiu também Minas Gerais, provocou cheias, deslizamentos, destruição de casas, bloqueio de rodovias e rompimento de pontes. Cerca de 37 mil pessoas ficaram desabrigadas no lado baiano, e outras 2,6 mil em solo mineiro.
Mortes: 31 (25 na Bahia e seis em Minas)
Valor anunciado: R$ 700 milhões, disponíveis para diferentes locais. O então presidente Jair Bolsonaro assinou medida provisória liberando esse valor, via Ministério da Cidadania, para atender as milhares de pessoas afetadas pelo mau tempo de forma conjunta na Bahia, em Minas Gerais e outras regiões do país afetadas por desastres naturais. Do total, R$ 200 milhões se destinariam a distribuição de alimentos e outros R$ 500 milhões para "estruturação da rede de serviços do Sistema Único de Assistência Social".