Responsável por coordenar as ações do governo do Estado nas cidades assoladas pela enchente no Vale do Taquari durante esta semana, o vice-governador Gabriel Souza tem mantido uma rotina intensa de reuniões de trabalho e visitas aos municípios.
Em entrevista concedida a GZH no início da tarde desta terça-feira (11), após passar por Cruzeiro do Sul e Roca Sales, Gabriel falou sobre a reconstrução das cidades, relatou que o governo pensa em construir casas temporárias a moradores desabrigados e defendeu a atuação dos órgãos estaduais no episódio:
— Não fosse o governo do Estado agir rapidamente, a tragédia seria ainda maior.
O vice-governador ainda disse que, até o momento, não há sinais de uma retirada em massa de empresas sediadas em cidades afetadas pela inundação, temida por moradores locais.
— Até agora, temos notícia de que de que as principais empresas permanecerão na região produzindo — afirmou.
Leia os principais trechos da entrevista:
Quais as ações atuais do governo estadual para auxiliar as comunidades?
O governo está na região desde o primeiro dia, para fazer o salvamento, depois com ajuda humanitária e agora na busca por desaparecidos. Estou com o gabinete na prefeitura de Encantado e cada secretaria envolvida tem um ponto focal que fica full time conosco. Agora temos a missão de colocar em pé os serviços públicos essenciais, como as unidades básicas de saúde — hoje pagamos R$ 5,4 milhões aos fundos de saúde de 43 cidades. Na questão da educação, determinei a volta às aulas onde as escolas não tiveram a estrutura comprometida. Isso também envolve o transporte escolar, que está sendo avaliado junto da rede municipal. No caso das escolas comprometidas, estamos providenciando locais provisórios. Estou conversando com a Univates para atender as escolas de Lajeado, com a Uergs para atender em Encantado, por exemplo. A volta ao ambiente escolar tira as crianças desse ambiente tenso que é alojamento e de casas com problema de limpeza. Também estamos ajudando os municípios centralizar o atendimento aos desabrigados.
Como está estruturada a busca por desaparecidos?
Hoje me reuni com integrantes do Corpo de Bombeiros, que está com reforço de equipes do Paraná e de Santa Catarina, além do Mato Grosso que está chegando, e pedi que não descansem enquanto não acharem todos. Estamos procurando por terra, no binômio homem-cão, na água, com embarcações e mergulhadores e pelo ar, quando há teto (de voo), o helicóptero também acompanha.
Há algum plano para a reconstrução das cidades mais afetadas? Elas mudarão de lugar?
Esse é o assunto mais complexo e difícil, dentre tantos. Fui a Roca Sales, abri o mapa da cidade com o prefeito e secretários e pedi que me mostrassem onde a água não pegou. Eles estimam que 15% da área urbana não esteve prejudicada. Ou seja, 85% teve impacto, o que significa que são áreas de risco. Recomendamos que os prefeitos não autorizem novas construções em áreas de risco, mesmo aquelas residências que tenham sido destruídas. Especialmente em Roca Sales e Muçum, temos dificuldade de localizar novas áreas a serem ocupadas. Isso envolverá mudanças no plano diretor dos municípios, que o Estado vai apoiar, desapropriações e construções de novas moradias. Mas tudo isso tem um tempo para se desenrolar, então o governador não descarta construir abrigos provisórios para as pessoas que hoje estão desabrigadas em ginásio ou centros comunitários.
São casas temporárias?
São Paulo fez isso na tragédia em São Sebastião (temporal no litoral paulista que matou 64 pessoas no início do ano), e nós não estamos descartando fazer residências provisórias, com o mínimo de dignidade para as famílias, enquanto as novas construções não sejam finalizadas.
Que tipo de ajuda as pessoas que perderam tudo terão do governo estadual para reconstruir suas casas e suas vidas?
No último ciclone, a Assembleia aprovou o programa Volta por Cima, que possibilita ao Estado pagar R$ 2,5 mil para famílias desabrigadas e R$ 700 para as que foram afetadas de alguma forma, que estejam, pelo Cadastro Único, na pobreza ou extrema pobreza. Essas famílias estão sendo mapeadas pelos municípios e nós temos que receber o mais rápido possível esses relatórios para depositar o recurso imediatamente no Cartão Cidadão.
Mas nem toda as pessoas são inscritas no CadÚnico...
As pessoas que não se enquadram no Volta por Cima terão condições de acessar crédito com juros subsidiados. Nós botamos R$ 1 bilhão de crédito dos bancos públicos para poder colaborar com a reconstrução das suas vidas e de seu patrimônio.
Os governos estadual e federal anunciaram financiamentos e linhas de crédito. Mas como as pessoas vão tomar crédito se perderam tudo?
O crédito pra pessoa física, não sendo crédito imobiliário, as pessoas com renda, em tese, podem vir a ter capacidade de endividamento e contrair esses créditos com juros subsidiados e com carência, que o governo do Estado e o governo federal estão providenciando.
No caso das empresas, há algum plano de ajuda ao setor produtivo, para que a economia volte a funcionar?
Estamos trabalhando em duas frentes. A primeira é o crédito através de bancos públicos, onde se encaixam as micro e pequenas empresas, parecido com o Pronampe, que tivemos na pandemia. Passei hoje em Roca Sales e vi muitos microempresários limpando, se reorganizando, remontando suas lojas, mostrando que há uma reação do setor econômico para continuar a ter uma atividade produtiva. E o presidente em exercício Geraldo Alckmin recebeu domingo uma pauta do setor empresarial da região, das empresas maiores, que querem renegociar créditos. Ele ficou de encaminhar e nós aguardamos um retorno positivo. E ainda nós temos essa conta que o governador está organizando que terá uma governança com várias entidades com federações empresarias, Cufa (Central Única das Favelas) e o Rotary...
E pra onde vai esse recurso?
Esse recurso já chega aos R$ 2,5 milhões. Não temos decisão ainda, mas tem possibilidade de se utilizar para apoiar pessoas que não se enquadram em nenhum programa social e empresas que estão com dificuldade de acessar crédito, com critérios claros e objetivos.
Há o temor de que ocorra um êxodo de empresas nessas cidades atingidas?
O secretário de Desenvolvimento Econômico, Ernani Polo, está acompanhando esse assunto. Até agora, temos notícia de que de que as principais empresas permanecerão na região produzindo. São grandes indústrias e cooperativas que tiveram prejuízos, precisam recompor equipamentos e estrutura física, mas estão sinalizando que ficarão. Uma ou outra empresa, que está em uma área absolutamente considerada de risco, talvez tenha de ter mudança no local. Estamos em contato com essas empresas para poder auxiliá-las a fazer essa alteração dentro do próprio município.
Quando todas as crianças poderão retomar as aulas?
Na rede estadual, trabalhamos para que seja no início da semana. E isso também força a rede municipal a se reorganizar, porque as redes são irmãs no Interior. Estamos com um saldo positivo no estoque de alimentos, então o que não for utilizado para atender os abrigados poderá abastecer as escolas. Tenho um relatório com o que precisa ser feito em cada escola. Nas redes municipais, estamos dando apoio quando é necessário. Por exemplo, a secretária de Educação de Encantado me pediu ajuda para alojar os alunos de uma escola municipal na Uergs. Estou falando com a secretária de Inovação para abrigar alunos municipais também.
Como avaliam o apoio do governo federal até aqui? É suficiente?
O momento é de união. Estamos muito gratos por toda a atenção dada pelos ministros e pelo presidente em exercício que esteve aqui pessoalmente. Desde o primeiro minuto os ministros estão em contato conosco e vemos um esforço do governo federal em colaborar. Agora, é verdade que vamos precisar ainda mais de apoio federal na reconstrução de casas, reconstrução de pontes, no auxílio para as pessoas que podem ficar sem renda em virtude eventual diminuição da atividade econômica, em linhas de crédito e financiamento. O governo do Estado não está fugindo do seu compromisso, vamos colocar tudo o que puder para ajudar as pessoas. Mas o governo federal tem suas responsabilidades e tem mais condições do que os Estados para colaborar nesses momentos. Não temos absolutamente nenhuma crítica, não queremos transformar esse episódio em batalha política, mas registramos que precisaremos muito do governo federal daqui para frente. E temos convicção de que teremos o apoio, não para o governador, o vice ou o governo, mas para a população brasileira que mora no Estado.
Não temos absolutamente nenhuma crítica, não queremos transformar esse episódio em batalha política, mas registramos que precisaremos muito do governo federal daqui para frente.
O governo do Estado e os municípios subestimaram os alertas meteorológicos e a força da tempestade?
Não, nós temos um sistema de alertas que funciona e que qualquer cidadão pode receber. É importante compreender que a Defesa Civil tem um sistema que envolve a União, os Estados e os municípios, onde cada um tem suas tarefas. A tarefa do governo do Estado é preparar, qualificar, apoiar e agir sempre que necessário. Também tem as tarefas dos municípios, que tem que ter os seus planos de contingência, e esses planos têm que prever o que fazer em uma situação de desastre. Por fim, tem a parte do cidadão de acreditar no aviso. O sistema tem que funcionar, os alertas tem que funcionar, os planos de contingência precisam ser praticados, mas as pessoas têm que acreditar quando recebem alertas. Ninguém pode tirar à força uma pessoa da sua residência.
Houve falha do poder público nesse episódio?
O poder público sempre tem que buscar aprimorar-se. Mas entendo que a Defesa Civil agiu, com os alertas emitidos desde os dias anteriores. Fizemos os alertas, passamos para todas as pessoas com cadastro prévio e para autoridades locais. Realmente o evento foi avassalador, em poucos minutos o rio subiu imensamente. A gente sempre deve se aprimorar, mas realmente entendo que a Defesa Civil do Estado fez sua parte, cumpriu sua tarefa e agiu de maneira adequada e correta naquele momento.
O governo descarta totalmente qualquer interferência relacionada às barragens da Ceran (Companhia Energética Rio das Antas) no desastre que se abateu sobre o Vale do Taquari?
Por ora, não há nenhuma evidência que aponte para isso. A Secretaria do Meio Ambiente e a Fepam fiscalizam isso cotidianamente. Temos um órgão ambiental rígido (Fepam), conhecido nacionalmente como tal. Muitas vezes ouço reclamações sobre essa rigidez. Por ora não há, no meu conhecimento, nenhuma evidência nesse sentido. E lamento o uso de fake news para enfim desinformar a população.
Esse é o quarto desastre natural no Estado neste ano. O que o governo está fazendo para evitar novos casos assim e dar respostas mais rápidas à população?
O poder público sempre tem que se aprimorar. Por isso mesmo o governador colocou no PPA (Plano Plurianual 2024-2027) enviado à Assembleia (no início de agosto) investimentos ainda maiores na Defesa Civil, para cada vez mais ter melhores tecnologias, melhores instalações, melhores equipamentos e assim por diante. O governo tem trabalhado nesse sentido.
Mas, na prática, há algo que vocês vão mudar na resposta a esses fenômenos?
Estou na região e te garanto que todos os gestores e autoridades, sempre que me encontram, agradecem muito e elogiam a ação do governo do Estado. Na noite de segunda-feira eu e o governador já estávamos em contato com os prefeitos. E os primeiros a chegar foram as forças de segurança do Estado, primeiramente no resgate por embarcações, porque não se possibilitou a vinda de helicópteros. Mas no outro dia de manhã, quando houve possibilidade de os helicópteros decolarem, todos os recursos aéreos do governo já estavam na região trabalhando. Toda ação que o Estado pôde fazer, estamos convictos que fizemos. Não temos nenhuma anotação a fazer nesse sentido. Sempre é bom cada vez mais se aprimorar, mas quero elogiar as forças de segurança. Homens e mulheres heróis que estão aqui até hoje no território. Não fosse o governo do Estado agir rapidamente, a tragédia seria ainda maior. Mais de 3 mil pessoas foram salvas por nossas forças de segurança.
Não fosse o governo do Estado agir rapidamente, a tragédia seria ainda maior. Mais de 3 mil pessoas foram salvas por nossas forças de segurança.
Foi aprovado em 2019 o novo Código Ambiental do Estado, que teve o senhor como relator na Assembleia. Esse projeto sofreu críticas de ambientalistas, que sempre reagem a abrandamentos normativos. Em paralelo, entidades empresariais defendem maior afrouxamento. Houve uma flexibilização exagerada nas regras ambientais do Estado?
Posso garantir que absolutamente nada dessa tragédia veio do novo Código do Meio Ambiente. Não teve ali retirada da necessidade de mata ciliar ou reserva legal, até porque muitas dessas matérias são federais. Houve uma atualização de um código que tinha 20 anos, e a maioria das sugestões oriundas de entidades ambientais, Ministério Público e secretarias municipais foram observadas. A discussão ambiental é super atual. O governo não nega a importância do meio ambiente, ao contrário, temos um órgão ambiental reconhecido nacionalmente como um dos mais rigorosos do Brasil para o licenciamento. E temos abertura para discutir o tema ambiental porque sabemos da sua importância e sempre buscamos obedecer a legislação que cerca o tema.
Vocês pensam em legislações para tornar mais rígido o controle sobre regiões de risco?
O momento atual do governo é amparar as vítimas e reconstruir as cidades. Os próximos momentos serão do planejamento urbano que tenha que ser condizente com as novas áreas de risco. Haverá o momento adequado para a gente se aprofundar e debruçar sobre o tema. Ontem (segunda-feira) à tarde, a Univates sediou a primeira reunião com pesquisadores sobre a bacia hidrográfica aqui da região, e o governo do Estado participou. Estamos juntos nessa análise, não teremos nenhum problema em participar e inclusive protagonizar algumas dessas discussões, que serão sim necessárias a partir da solução das emergências que estamos vivendo atualmente.