Gustavo Borba
Diretor do Instituto para Inovação em Educação da Unisinos
Cesar Paz
Fundador do Ecosys e Sócio da Pipeline Capital
Jorge Audy
Superintendente de Inovação e Desenvolvimento da PUCRS
No final de 2022, foi publicado um dos relatórios mais importantes globalmente para mensurar a capacidade de inovação dos diferentes países, o Global Innovation Index (GII). O relatório, publicado pela World Intellectual Property Organization (Wipo), pode ser acessado no link encurtado gzh.rs/GII.
Apenas como referência, o Brasil, embora sendo uma das 12 principais economias do mundo, aparece apenas em 54º lugar no geral entre as 132 economias analisadas. Na América Latina e Caribe, o Brasil aparece em segundo lugar, atrás do Chile e à frente de países como México e Colômbia.
Embora as publicações de rankings sejam importantes, pois permitem comparações e apontam caminhos possíveis, não devemos ficar limitados aos elementos e indicadores que são considerados nelas quando o tema é inovação.
O GII considera mais de 80 indicadores, alguns de base (innovation input) como: instituições, capital humano e pesquisa, infraestrutura, sofisticação do mercado e do negócio, e indicadores de saída (innovation output) como resultados em termos de conhecimento, tecnologia e criatividade.
Um dos pontos que nos chamam atenção, por exemplo, é que, nas 268 páginas do relatório, o termo “desigualdade” (inequality/inequalities) aparece 13 vezes: três nas referências, sete basicamente em dois parágrafos que apontam desafios que devem ser considerados, como o envelhecimento populacional e o aumento da desigualdade, e outras três como referência específica à desigualdade entre empresas. A versão executiva está disponível em português. Nas 24 páginas, nenhuma vez o termo “desigualdade” aparece.
Nossa reflexão aqui não é para questionar a relevância do índice. Como falamos no início do texto, é importante essa possibilidade de comparação histórica sobre todos indicadores considerados. Entretanto, precisamos compreender que a inovação jamais será um fim em si.
A inovação é um dos caminhos inexoráveis em busca da redução das desigualdades e em favor do desenvolvimento sustentável. É, talvez, a nossa única possibilidade de romper ciclos seguidos em que fomos pautados por falsas teorias desenvolvimentistas, que nos colocaram numa encruzilhada plena de tragédias sociais e ambientais e com poucas alternativas diante do esgotamento dos nossos recursos naturais.
Infelizmente ainda vivemos em um contexto em que olhamos para a inovação prioritariamente através de indicadores que desconsideram o seu impacto para aumentar (ou eventualmente diminuir) os níveis de desigualdade. De alguma forma vivemos uma miopia coletiva.
Se o país aumentou a desigualdade, não pode ser considerado inovador, pois o país serve às pessoas, não às corporações.
A inovação está em boa medida atrelada também ao desenvolvimento organizacional e à ampliação da lucratividade dos negócios. Nesse contexto, inúmeros estudos mostram que o crescimento das corporações e a perspectiva do shareholder, e não do stakeholder, transformou a forma como as organizações se desenvolveram e as diferenças entre, por exemplo, ganhos salariais da base e do topo das organizações, aumentou consideravelmente, conforme Yancey Strickler em This Could Be Our Future: A Manifesto for a More Generous World (2019).
Além disso, indicadores como o GDP, ou gerenciamento pelas diretrizes, não dão mais conta da complexidade envolvida no conceito de desenvolvimento em um contexto de destruição ambiental (para ter mais informações sobre o debate relacionado à importância do GDP consulte Doughnut Economics: Seven Ways to Think Like a 21st Century Econom, de Kate Raworth, 2017).
Conforme o relatório do Laboratório das Desigualdades Mundial 2022, o Brasil segue sendo um dos países com maior desigualdade do mundo, onde apenas 1% da população possui quase 50% de toda a fortuna patrimonial brasileira.
Pensar em uma nação inovadora, que não dá conta da redução da desigualdade de seu povo, é um contrassenso. Afinal, a inovação está a serviço de quê? De quem?
Indicadores de inovação devem não apenas considerar, mas priorizar o impacto social e a redução da desigualdade ao longo do tempo. Se o país aumentou a desigualdade, não pode ser considerado inovador, pois o país serve às pessoas, não às corporações.
E, se as pessoas não vivem melhor, a inovação é inócua.