Garruchos é uma cidade para onde ninguém quer ir. Poeirentos e esburacados, os 58,69 quilômetros de estrada de chão que separam o município do asfalto mais próximo atrasam o desenvolvimento, afastam visitantes e muitas vezes colocam a população no limiar entre a vida e a morte na busca por socorro médico.
Espremida entre a fronteira com a Argentina e as Missões, no noroeste do Rio Grande do Sul, Garruchos é um típico lugarejo do Interior. Seus 2.851 moradores são simpáticos e hospitaleiros, vivem com as casas abertas e com o semblante tranquilo, desfrutando de praias sedutoras às margens do Rio Uruguai. A sensação de lonjura, entretanto, não vem dos 590 quilômetros de distância até Porto Alegre, mas do trecho 10 vezes menor, da entrada da cidade até o entroncamento com a BR-285.
Denominada ERS-176, a estrada ladeada por lavouras de soja salpicadas de poeira vermelha é o maior acesso municipal desprovido de pavimentação no RS. No final dos anos 1990, a obra foi licitada e cerca de oito quilômetros receberam terraplanagem, entusiasmando os moradores. Todavia, o governo do Estado alegou falta de recursos e o empreendimento foi abandonado, transformando esperança em frustração.
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Desde então, a cidade vive em desalento. Devido às dificuldades logísticas, tudo que a população compra é mais caro e tudo que vende é mais barato. Em setembro, a Secretaria de Educação procurou conjuntos musicais para se apresentar em Garruchos. A banda que aceitou se deslocar até o município quase triplicou o valor do cachê, cobrando R$ 15 mil por um espetáculo cujo preço normal é R$ 6 mil.
A produção primária, base da economia local, sofre perdas sucessivas no escoamento da safra e em geral os grãos são comercializados a preço vil — em média R$ 1 a menos do que o valor de mercado por saca. Com frequência, caminhões com até 20 mil litros de leite sofrem avarias e ficam horas esperando manutenção, o que acaba por comprometer a sanidade da carga. Por vezes, o dano nem é tão grave, mas a irregularidade da estrada acaba provocando vários acidentes num mesmo percurso.
— Fica o caminhão trancado numa sarjeta. O trator vai lá e tira, ele anda mais 10 quilômetros e cai de novo — resume o secretário de Agricultura, Sérgio Batista.
Se é difícil sair de Garruchos, muitos se negam a entrar. O dono de um dos postos de combustíveis da cidade comprou um caminhão para ir buscar o produto, comerciantes fazem mutirão de encomendas e a prefeitura precisa buscar os mantimentos da merenda escolar no entroncamento com a BR-285 depois que o vendedor se recusou a entregar as mercadorias na sede do município.
— Hoje para conseguir um caminhão para vir a esses lados é a coisa mais difícil. O cara que conhece não quer vir aqui ou, se vem, o frete é tão alto que quase inviabiliza — lastima o prefeito Roland Schatz.
Hoje para conseguir um caminhão para vir a esses lados é a coisa mais difícil. O cara que conhece não quer vir aqui ou, se vem, o frete é tão alto que quase inviabiliza.
ROLAND SCHATZ
Prefeito
Outro reflexo na educação é o desestímulo na formação superior dos jovens. Todos dias, um ônibus cedido pela prefeitura leva estudantes do município para a universidade em São Luiz Gonzaga, a 90 quilômetros de distância. Por causa das dificuldades no trajeto, a viagem que deveria durar pouco mais de uma hora leva o dobro do tempo.
— Muitos desistem ou vão embora da cidade. Afinal, precisam sair daqui às quatro da tarde para voltar quase duas horas da manhã. Isso quando o ônibus não estraga ou fica atolado. Como na estrada não pega sinal de celular, muitas vezes eles passam a noite esperando socorro — conta a secretária de Educação, Verônica Amarilho.
Prestes a completar 31 anos de fundação, Garruchos parece parada no tempo. Não há hospital, cartório nem delegacia na terra onde não raro partos e óbitos ocorrem em ambulâncias a caminho da cidade mais próxima. Para não correr riscos, a maioria das gestantes opta por cesariana ou, tão logo se aproximam das 40 semanas de gestação, são orientadas a irem para São Borja, distante 100 quilômetros e onde fica o hospital de referência da região.
Nos dois postos de saúde, os 10 veículos passam o dia na estrada, levando e buscando pacientes, cenário que fez a prefeitura gastar R$ 522 mil em manutenção de viaturas ano passado. Quem chega com sintomas mais graves é imediatamente transferido. Já houve casos de pessoas que foram socorridas a tempo mas, recuperadas, não resistiram ao sacolejo incessante da viagem de retorno a Garruchos.
— A gente se sente triste, impotente — diz o prefeito.