Uma decisão do prefeito de Cachoeira do Sul, José Otávio Germano (PP), tem gerado polêmica na cidade. O político decidiu tornar de utilidade pública um terreno onde está previsto investimento milionário da iniciativa privada. Trata-se do projeto de construção de um centro comercial, que prevê uma chamada loja-âncora, outros nove empreendimentos variados, incluindo farmácia, banco, restaurante, além de quadras de beach tennis, espaço kids e espaço pet. O investimento inicial para começar o projeto é de R$ 5 milhões. A ideia dos empresários, passado todo o trâmite burocrático, é começar as obras até o fim deste ano e a operação por etapas, com conclusão de todas em até três anos.
O terreno localizado entre as ruas Presidente Vargas, Virgílio de Abreu e Pinheiro Machado, área central da cidade, onde o empreendimento comercial foi projetado para ser construído, pertence ao engenheiro, empresário e agropecuarista Ricardo Tischler Müller, figura conhecida na cidade. O investimento previsto conta com recursos próprios e a parceria de investidores, sem dinheiro público.
Estava tudo encaminhado para que o empreendimento avançasse, quando o prefeito José Otávio Germano editou decreto no qual declara a área de utilidade pública. O argumento foi de que pretende construir no local o novo centro administrativo municipal. Na cidade, os que se opõem à medida alegam que há outros terrenos da prefeitura que poderiam ser usados sem qualquer ônus, além de outros cujos proprietários possuem dívidas com o município e que foram oferecidos em troca do abatimento dos débitos. A opção por desapropriar o imóvel escolhido, por outro lado, exige indenização ao proprietário, com custo para os cofres da prefeitura. A explicação para a escolha do prefeito ainda é um mistério.
Em entrevista no dia 3 de agosto à Rádio GVC, de Cachoeira, o prefeito disse que os donos do terreno estariam fazendo especulação imobiliária.
- Vocês acham que esse Kerber (antiga fábrica que existia no local que foi à falência, cujo terreno foi comprado em leilão há 12 anos por Gustavo Muller, já falecido, pai de Ricardo Tischler Muller) há 16 anos parado ali, cheio de placa de aluga-se, cheio de investidor, construtor que queriam fazer negócio com ele ao longo dos anos...ele nada, queria deixar parado para render mais, para valorizar mais - disse o prefeito.
Até a publicação do decreto do prefeito, o projeto do centro comercial estava em sigilo por questões comerciais e ajustes com interessados no negócio. Os empreendedores relatam que no dia 16 de julho, um sábado, foram pegos de surpresa ao receber ligações de amigos e possíveis investidores locais informando sobre o Decreto nº 54/2022, que informa que o terreno seria de utilidade pública para fins de construção da nova sede administrativa municipal de Cachoeira do Sul.
Em 18 de julho, os empresários foram até a prefeitura para solicitar audiência com o prefeito. Acabaram recebidos por um representante dele e deixaram cópia do projeto que estava em andamento para a área. No dia 19 de julho, o prefeito recebeu os empresários e teria garantido que, havendo a entrega do projeto e das garantias, não iria se opor ao investimento.
No dia 20 de julho, os investidores protocolaram um requerimento solicitando 30 dias para apresentar todos os documentos exigidos. No entanto, dizem que ficaram sabendo por meio da imprensa que o prefeito havia definido o prazo de 10 dias para que eles entregassem o projeto detalhado e as garantias financeiras para execução.
No dia 27, oito dias após a primeira reunião, protocolaram na prefeitura o compromisso de iniciar o empreendimento ainda em 2022, entregando o projeto detalhado do centro comercial e a carta-garantia da cooperativa de crédito Sicredi no valor de R$ 5 milhões para início da construção. Segundo os empresários, este montante é o valor máximo que pode ser autorizado pela diretoria regional da instituição financeira, mas já houve solicitação de um valor maior. No dia 30 de julho, um sábado, ficaram sabendo pelos jornais locais que o prefeito pretendia seguir em frente com o processo de desapropriação.
- Nós estamos simplesmente pedindo o direito de investir o nosso dinheiro, que nós trabalhamos, no nosso terreno, que nós compramos e tem todos os impostos em dia, para gerar empregos na nossa comunidade, gerar impostos e receitas para o nosso município e fazer o desenvolvimento de lazer para todos os cachoeirenses – ressalta Bruno Muller, filho de Ricardo e sócio do empreendimento.
O especialista em advocacia municipal Nelson Marisco explica que a prefeitura precisa ter uma justificativa para desapropriar uma área. E cita alguns exemplos.
- Em razão de questões de segurança, em razão de questões sanitárias, para que haja uma melhoria da região, questão de salubridade pública, melhor aproveitamento de determinada área, realização de assistência pública, como construção de uma clínica de saúde, hospital. Ou a exploração de um determinado serviço público - destaca Marisco, que também é procurador do município de Porto Alegre.
Conforme Marisco, é necessária a publicação do decreto que torna o local de utilidade pública, avaliação da área e comunicação do valor avaliado ao proprietário para ver se ele aceita a indenização.
- É claro que, em caso de não aceitando, isso acaba indo para a esfera do Poder Judiciário. E aí, no Judiciário o poder público é obrigado a depositar o valor – acrescenta.
O poder público só teria a posse do terreno a partir do pagamento, que, em geral, segundo o especialista, é feito num prazo de 30 dias ou por acordo entre as partes.
- É um ato administrativo que tem que estar suficientemente motivado – frisa Marisco.
Durante dois dias GZH tentou entrevista com o prefeito José Otávio Germano. A assessoria de imprensa da prefeitura de Cachoeira do Sul informou que o procurador-geral do município, Robinson Zahn, responderia a perguntas por escrito. As questões foram enviadas e não houve resposta. Na sexta-feira (12), José Otávio Germano decidiu suspender por 60 dias o decreto de desapropriação do terreno do antigo Kerber. De acordo com o prefeito, em declaração publicada no site da prefeitura, houve um encontro com representantes dos proprietários da área.
“Tendo em vista a postura de permanente diálogo que primamos, sem radicalismo e pela forma objetiva e clara que os advogados se manifestaram, apresentando o interesse em executar no local uma obra que contempla o que entendemos como correta para Cachoeira do Sul, com utilização integral da área e um investimento na casa de R$ 20 milhões, tomamos esta decisão”, disse José Otávio, segundo a publicação.
Ainda conforme a publicação, o prefeito disse que espera que neste prazo de 60 dias seja apresentado para a prefeitura o projeto para utilização da área, com garantias bancárias de investimento iguais ou superiores ao projeto do centro administrativo municipal.
Procurado novamente, Bruno Muller disse que é fundamental a revogação imediata e definitiva do decreto de utilidade pública, para que seja possível retomar as conversas com investidores. Ele nega, no entanto, que os proprietários do terreno e o advogado deles tenham sido convidados para a reunião citada pela prefeitura. O encontro teve, segundo o empresário, participação de um amigo da família Muller e do prefeito José Otávio, que tentou intermediar uma solução.
- A suspensão temporária de 60 dias, apesar de ser um bom sinal, não fornece nenhuma segurança para que possamos avançar nas conversas com outros empresários. Reforçamos que não estamos disputando com a prefeitura o valor do maior empreendimento no local, uma vez que estamos investindo o nosso dinheiro, no nosso terreno, com o nosso projeto para gerar receitas e empregos adicionais para a cidade. O projeto tem o objetivo de atender apenas aos interesses de investidores e da comunidade cachoeirense, respeitando as diretrizes e legislação pertinente. Estamos abertos a escutar sugestões, porém não será aceita nenhuma interferência externa. O projeto, garantia de investimento inicial e compromisso de iniciar as obras já estão protocolados na prefeitura, assim como a consulta prévia para construção. Todos estes documentos seguem aguardando respostas do setor público, assim como os recorrentes pedidos de audiência feitos nos últimos 20 dias com o senhor prefeito - disse Muller.