Foi sepultada nesta sexta-feira (15) Vera Regina Guedes, 67 anos, que morreu após ter caído de uma maca na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Bom Jesus, em Porto Alegre, durante um exame de raio X. De acordo com laudo do Instituto Médico Legal (IML), a idosa faleceu em decorrência de “hemorragia e edema encefálico” e “traumatismo cranioencefálico”.
Tanto a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre quanto a SPDM, empresa que administra a UPA Bom Jesus, reconhecem que aconteceu a queda da paciente. Segundo familiares, a idosa foi levada à UPA no último domingo (10) devido a uma crise de pressão baixa e vômitos. À noite, ela foi diagnosticada com gastrite. A queda ocorreu quando a paciente fazia o exame de imagem no abdômen sem o acompanhamento do filho, que percebeu o ferimento da mãe quando retornou do procedimento.
Vera era moradora do bairro Rubem Berta, na zona norte de Porto Alegre. Por volta das 11h30min de domingo (10), a família chamou uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para atender a idosa, que já havia tido três Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) ao longo dos últimos anos e costuma se tratar no Hospital Conceição.
De acordo com Leandro Guedes, filho de Vera, o desejo da família era que o atendimento fosse realizado no Conceição.
— Nós tentamos negociar com o Samu para que ela fosse para o Conceição, porque suspeitamos que pudesse ser um novo AVC. Insistimos, pois o Conceição tem todo o histórico de doenças neurológicas dela dos últimos 10 anos — comenta o filho de Vera.
O protocolo do Samu, no entanto, encaminhou a idosa à UPA Bom Jesus, na zona leste da Capital, onde chegou às 12h32min. De acordo com o prontuário do atendimento, ao qual a reportagem teve acesso, ela estava lúcida, sem febre ou quaisquer sinais de dores durante a palpação. Das 13h30min às 20h ela aguardou o resultado de um exame de sangue, solicitado pela equipe da unidade. Às 20h, foi concluído que Vera estava com gastrite e foi pedido um exame de raio X.
Segundo Leandro, sua mãe foi encaminhada por volta das 22h30min para fazer o exame em uma sala separada. Leandro ficou aguardando no corredor.
— Apagaram as luzes do corredor e a trouxeram. Só que eu tinha feito uma selfie para a família antes do exame. Mesmo no escuro, consegui fazer outra foto depois do raio X. Foi quando veio um enfermeiro com gelo e uma toalha, e começou a fazer uma compressa no rosto dela — relembra Guedes, que comenta que Vera, até aquele momento, estava lúcida.
A justificativa inicial apresentada pelo enfermeiro ao acompanhante da paciente seria a de que Vera teria se agitado durante a execução do exame e sofrido uma pequena luxação, após ter batido sua cabeça na guarda da maca.
Guedes, então, pediu para que a mãe fosse transferida para um hospital, para avaliar possíveis consequências neurológicas, já que se tratava de uma paciente com histórico de AVCs. O pedido foi negado. Por volta da meia-noite de domingo (10) para segunda-feira (11), o filho de Vera chamou a Brigada Militar (BM) para intervir.
Cirurgia para controlar hemorragia após queda
No prontuário médico apresentado pela UPA, foi informada uma queda da maca dentro da sala de raio X. De acordo com o documento, a queda foi “de própria altura”, mas não é explicada como ocorreu. Tanto a SMS quanto a SPDM, empresa que administra a UPA Bom Jesus, confirmam a queda, que teria ocorrido durante “momento de agitação” da paciente (veja notas na íntegra abaixo).
Levada ao HPS, Vera foi submetida a exames para indicar possíveis consequências da queda.
— Cheguei no HPS por volta das 2h para minha mãe fazer uma tomografia. Entre 3h30min e 4h, a tomografia foi apresentada para o cirurgião de plantão. Ele não revelou os resultados, disse que ela estava bem, nas palavras dele, e disse que “daria baixa” para ela ficar internada durante a semana, mas que para isso ela teria que fazer mais exames — diz o filho de Vera.
Na madrugada de segunda-feira (11), após tomografia, foram constatadas fraturas de crânio e maxilar. Às 11h, Vera foi submetida a uma intervenção cirúrgica para controlar a hemorragia de que sofria. Neste momento a idosa já estava em coma, segundo Guedes.
Vera teve morte cerebral declarada na manhã de quarta-feira (13) no próprio HPS, tendo os aparelhos desligados na manhã de quinta-feira (14) após o protocolo para morte encefálica, que envolveu dois exames feitos na quarta e outro na própria quinta-feira.
O laudo do IML aponta como causas da morte “hemorragia e edema encefálico” e “traumatismo cranioencefálico”. A família de Vera afirma ter aberto uma sindicância junto ao Ministério da Saúde para apurar as irregularidades. Com o laudo do IML em mãos, será solicitado inquérito junto à 14ª Delegacia de Polícia Civil. Vera foi sepultada nesta sexta-feira (15) no Cemitério Jardim da Paz, na zona leste de Porto Alegre.
— O sentimento é de tristeza, de revolta — lamenta Leandro.
Contrapontos
Procurada por GZH, a SMS emitiu a seguinte nota:
"A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informa que a paciente referida foi submetida a uma radiografia no Pronto Atendimento Bom Jesus. Durante o procedimento, ela apresentou agitação e acabou caindo da maca. A paciente estava o tempo todo acompanhada de funcionários, e foi atendida imediatamente após o acidente, sendo transferida para o Hospital de Pronto Socorro (HPS). Os funcionários estão sendo ouvidos pela SPDM, empresa administradora do serviço, sobre o ocorrido.
A SPDM, sigla para Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, é uma associação civil sem fins lucrativas fundada em 1933 e que, em 2019, assinou termo de colaboração para o gerenciamento e operacionalização de duas UPAs em Porto Alegre: Bom Jesus e Lomba do Pinheiro."
Procurada pela reportagem, a SPDM emitiu a seguinte nota:
"A paciente deu entrada na UPA Bom Jesus, em Porto Alegre no último dia 10 de julho. Acompanhada de um familiar, a paciente apresentava náuseas e não respondia a comandos. Foi solicitado um raio X do abdômen.
A paciente foi conduzida de maca à sala de radiografia, acompanhada de um enfermeiro e um técnico de enfermagem. Depois de acomodada para realizar o exame, passou a ficar agitada. Segundo relato do técnico de enfermagem, que ficou na sala acompanhando a paciente, a mesma acabou por cair da mesa de Raio X. Imediatamente foi socorrida e encaminhada ao Hospital de Pronto Socorro (referência em trauma). A unidade abriu uma sindicância (sic) interna que está em andamento."