O Ministério Público do Rio Grande do Norte pediu à Justiça estadual que suspenda as apresentações dos cantores Wesley Safadão e Xand Avião no evento Mossoró Cidade Junina 2022, em junho, e bloqueie o valor dos cachês, R$ 1 milhão no total, para que o montante seja destinado à realização de concurso para professores do ensino regular, professores auxiliares e profissionais de apoio da educação especial no município do interior do Estado.
A ação admite que o evento tem grande relevância para a cidade, mas argumenta que "a realização de shows milionários em momento inoportuno, quando o município enfrenta uma crise grave em seu sistema de ensino e lida com muitas dificuldades nos serviços públicos de saúde e assistência social, constitui uma ofensa aos interesses dos cidadãos e um claro prejuízo ao erário".
A promotoria sustenta que é "certo fazer festas tradicionais, mas não por meio de despesas milionárias", alegando que não há razoabilidade em "evento dispendioso" quando o município está "mergulhado em deficiências nos serviços públicos". O órgão pede que a prefeitura de Mossoró seja obrigada a publicar o edital para concurso de professores, no prazo de três meses.
Segundo a Promotoria potiguar, há déficit de professores do ensino regular, de professores especializados e capacitados em Atendimento Educacional Especializado (AEE), de professores auxiliares da educação especial, de profissionais de apoio, de intérpretes de Libras, de guias intérpretes e de equipes multidisciplinares formadas por psicólogos, assistentes sociais, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais.
"Com certeza, não há o que festejar quando há crianças sem aulas. Não é devido pagar altos cachês a artistas de fama nacional se faltam recursos para contratar professores auxiliares e profissionais de apoio, adotando soluções temporárias, ineficientes e incapazes de garantir a educação de qualidade. Mossoró vive um impasse que já dura muitos anos. Uma festa não é a resposta para os problemas crônicos da administração pública", diz a ação.
O documento chega a citar como precedente decisão dada pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, em abril, no sentido de atender um pedido do Ministério Público do Maranhão e barrar show de Safadão em Vitória do Mearim, no interior do Estado.
No caso, a Promotoria argumentou "incompatibilidade" entre realização do "evento festivo de grande magnitude", que custaria R$ 500 mil, e a realidade orçamentária do município.
Também no Maranhão, dois shows de Xand Avião chegaram a ser barrados pela Justiça estadual: um em Barra do Corda, município de 88 mil habitantes na região central do Estado, em comemoração ao aniversário da cidade no dia 3 de maio, com cachê de R$ 300 mil; e outro em Bacabal, com gasto previsto de R$ 750 mil, que acabou cancelado após ordem judicial.
No caso de Mossoró, o Ministério Público do Rio Grande do Norte diz que a 4ª Promotoria de Justiça da cidade tentou celebrar um Termo de Ajustamento de Conduta com a prefeitura, mas a proposta foi recusada. "Não restou outra alternativa ao MPRN a não ser ajuizar a ACP, diante da negligência com a educação de alunos com deficiência", diz a Promotoria.
A iniciativa da Promotoria potiguar se dá em meio à uma série de abertura de apurações, por Ministérios Públicos de vários Estados, sobre a contratação de shows por prefeituras, em especial no caso de cidades pequenas. Um dos principais alvos dos procedimentos são apresentações do cantor sertanejo Gusttavo Lima — os MPs de Roraima, Minas Gerais e Rio de Janeiro investigam contratos fechados por Executivos municipais com o cantor.
A investigações foram abertas em sequência, após repercussão sobre os valores dos cachês no Twitter. A rede social é palco de discussão sobre a Lei Rouanet após um comentário feito pelo cantor Zé Neto, da dupla com Cristiano. Durante show, o artista criticou a cantora Anitta e disse que "não dependia" da lei de incentivo à cultura. No entanto, usuários mostraram que o cantor recebeu R$ 400 mil da prefeitura de Sorriso — dinheiro público — pelo show realizado na 33ª Exporriso.
O que diz a prefeitura
"A Prefeitura Municipal de Mossoró esclarece os seguintes pontos a respeito da ação civil pública referente aos shows do Mossoró Cidade Junina 2022:
NÃO PROCEDE a informação de que o Poder Executivo Municipal não quer assinar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do Ministério Público do Rio Grande do Norte a respeito da contratação de auxiliares de sala para alunos com deficiência, que culminou na ação sobre os shows do MCJ; informa que o município deixou claro, inclusive oficialmente no dia 27 de maio, que está aberto ao diálogo e demonstrou total interesse na discussão e assinatura da minuta do TAC.
Não é verdadeira a informação de que o Poder Executivo Municipal não buscou diálogo e não tem interesse na assinatura da minuta do Termo, pois esteve presente em todas as audiências para tratar da pauta, apresentando todas as informações solicitadas.
O município de Mossoró recebe a notícia da ação civil pública com estranheza, já que havia audiência prevista entre a Prefeitura de Mossoró e o MPRN para justamente discutir o TAC na próxima semana.
A Prefeitura de Mossoró estranha o fato de que os artistas da programação do Mossoró Cidade Junina 2022 foram divulgados pelo município no dia 12 de abril (há 50 dias), no entanto, o questionamento do MP sobre a programação surge apenas a 3 dias do início do evento, marcado para o próximo sábado, dia 4 de junho.
O Município estranha ainda que os cantores alvos da ação civil (Wesley Safadão e Xand Avião) são justamente os artistas conhecidos por tradicionalmente levarem multidão aos eventos, consequentemente, são os artistas que proporcionam mais retorno financeiro para o comércio local.
A Prefeitura lamenta que a ação civil, feita a 72 horas do início do Mossoró Cidade Junina 2022, provoque instabilidade e desinformação na população.
Destaca que atualmente 365 estagiários auxiliares de sala para alunos com deficiência estão contratados pela Secretaria Municipal de Educação e com exercício nas unidades infantis. O investimento próprio do município em educação previsto para 2022 é de 30% das receitas, percentual acima dos 25% determinado pela Constituição Federal.
O município reafirma que se mantém, como sempre esteve durante o processo, aberto ao diálogo com o Ministério Público para todas as tratativas necessárias, objetivando a resolução da questão. Confiamos irrestritamente na justiça, e acreditamos que tudo será esclarecido e demonstrado que o processo aconteceu dentro da legalidade."
O que dizem os cantores
Até a publicação deste texto, a reportagem buscou contato com os cantores, mas sem sucesso. O espaço está aberto para manifestações.