A fome foi o centro do debate em evento no Teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa, nesta quarta-feira (29). Especialistas em economia, direito e sociologia trataram do problema da insegurança alimentar, que ganha força diante do empobrecimento da população, em cenário de economia a passos lentos. O debate faz parte do RBS Talks, iniciativa que promove a discussão de assuntos importantes para a sociedade, reunindo especialistas de diversas áreas. Essa é a primeira edição do evento em 2022.
O debate foi mediado pela jornalista e colunista de política do Grupo RBS Rosane de Oliveira e contou com a presença do economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS Ely José de Mattos, da doutora em Sociologia Jurídica e especialista em Direito Humano à Alimentação Adequada, Míriam Balestro, e da diretora da Rede Brasileira de Renda Básica, Paola Carvalho.
Míriam Balestro, que também é promotora de Justiça aposentada, reforçou que o combate à fome é uma obrigação do poder público. A especialista destaca que a fome é um dos principais motivos da colocação de crianças em adoção e lembra que a falta de alimentação também afeta os pequenos na questão cognitiva, atrasando o aprendizado e o desenvolvimento.
— A fome na primeira infância é praticamente uma condenação. A criança sai no mínimo com dois anos de atraso, dependendo do tempo de exposição. Então, isso é criminoso.
Paola Carvalho salientou que o debate do tema em solo gaúcho é importante, porque alguns moradores do Estado ainda carregam a visão de que a pobreza e a pobreza extrema são problemas exclusivos de outras regiões, como a Norte e Nordeste. A diretora da Rede Brasileira de Renda Básica citou dados que apontam grande número de pessoas em situação de extrema pobreza no Rio Grande do Sul e de famílias vivendo com até meio salário mínimo por pessoa.
— Esses números precisam entrar nas nossas organizações, nos nossos espaços de debate para que a gente enfrente o debate de colocar essas políticas públicas no orçamento. Dentro de uma visão que precisa enfrentar essa realidade a partir de políticas públicas, da união com a sociedade, mas também a necessidade de a gente tratar no Rio Grande do Sul da extrema pobreza e da fome como uma realidade que está aqui — afirmou Paola.
Ely José de Mattos disse que a fome tem a tendência de ser invisível a parte da sociedade, o que dificulta o combate ao problema. O economista também destaca a dificuldade de garantir segurança alimentar com rendimento mínimo.
— Hoje, os 40% mais pobres da sociedade brasileira têm renda média de R$ 240 per capita. Uma família com quatro pessoas vive com um salário mínimo. Estou falando de 40% da população brasileira. Vocês acham que é possível se alimentar direito com um salário mínimo para quatro pessoas? Evidente que não é.
No início de junho, a divulgação do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 jogou luz sobre a situação da insegurança alimentar no país. O levantamento apontou que a fome voltou a patamares registrados pela última vez nos anos 1990. Atualmente, 33,1 milhões de pessoas, cerca de 15% da população, não têm o que comer — 14 milhões a mais do que no ano passado. Esse avanço ocorre diante de economia frágil, com dificuldades de retomada em cenário com inflação persistente, juro alto e dificuldade de gerar vagas de emprego com renda e carga horária adequadas.
Soluções
Míriam Balestro destaca que o Brasil e o Estado já foram referências em políticas públicas no âmbito da segurança alimentar. Nesse sentido, segundo a promotora aposentada, é preciso reeditar esses movimentos, como o plano estadual de segurança alimentar, encomendado pelo Estado anos atrás.
— Nós não precisamos reinventar a roda relativamente ao enfrentamento da fome. Existe um caminho trilhado e que tem de ser aproveitado.
Míriam reforçou que as obrigações legais no combate à fome são do poder público e vão muito além da caridade. A promotora aposentada cita a necessidade de entidades provocarem o Judiciário para garantir o direito à alimentação.
Paola Carvalho salienta que, além da solidariedade, é necessário focar em políticas públicas com orçamento e gestão. Ela destaca a importância de reforçar ações de transferência de renda, destacando que a inflação pesa nos valores repassados via Auxilio Brasil, principal ferramenta nesse sentido:
— Ela (a pessoa beneficiária), mesmo recebendo um valor maior, não consegue adquirir produtos como fazia antes.
No âmbito das soluções, Ely Mattos cita a necessidade de uma rede de abastecimento de alimentos eficaz. O especialista afirma que o reforço em programas de aquisição de alimentos auxilia nesse processo:
— A gente precisa hoje de uma rede de abastecimento. O Brasil é uma potência agrícola, mas a gente precisa distribuir esse alimento. Um dos eixos da política de segurança alimentar que o Brasil executou por muitos anos se baseava na ideia de rede de abastecimento. Fazer o alimento chegar às pessoas.