Sobrevivente indicado para depor pela defesa do réu Elissandro Callegaro Spohr, Willian Machado confirmou que, no dia 27 de janeiro de 2013, horas após a tragédia da boate Kiss, contatou o promotor de festas Stenio Rodrigues Fernandes para requisitar os acertos de ingressos e entradas que eventualmente não tinham sido vendidas.
— Eu liguei para o Stenio porque eu precisava comprovar que não tinha superlotação — afirmou Machado na sessão do júri desta segunda-feira (6).
O depoente trabalhava na Kiss no período da tarde, estava na festa e é sobrinho de Spohr.
Questionado pelo Ministério Público, disse não recordar se requereu os acertos de ingressos ao promotor por ação individual ou por determinação de terceiros.
— Eu não lembro se foi iniciativa própria ou solicitação — relatou.
Ele ainda afirmou não lembrar se os acertos de ingressos recolhidos com Fernandes foram entregues a um escritório de advocacia que prestava serviços a Spohr ou à Polícia Civil.
Novamente respondendo ao Ministério Público, confirmou que outro sócio da Kiss, Mauro Hoffmann, foi até a casa da família de Spohr no dia 27 de janeiro de 2013, horas após o fato. Na mesma residência, moravam Kiko, a sua irmã Angela e o próprio sobrinho, todos envolvidos com o trabalho cotidiano na Kiss.
— Lembro que, em algum momento, Mauro chegou lá em casa. Não lembro o horário — afirmou.
Machado assegurou que “em dia de festa, nunca teve apresentação com artefato” pirotécnico. A promotora Lúcia Callegari resolveu encerrar sua rodada de perguntas no momento em que, na interpretação dela, Machado teria reconhecido que fogos em ambientes fechados podem representar risco.
Essa conclusão se deu no momento em que a representante do Ministério Público mostrava fotos da banda de Spohr no palco da Kiss, contendo o uso de artefato pirotécnico pelo menos em parte das imagens. Outras testemunhas já disseram que tratava-se da gravação de um videoclipe com fogo a frio, que não causaria risco. Em outra parcela de fotos reproduzidas, o uso de pirotecnia era controverso, com divergência entre as partes.
Ao Ministério Público, Machado se negou a responder se, atualmente, trabalha em empresa da família de Spohr. O sobrevivente ainda disse que, quando a casa atingia público de 800 pessoas, novos frequentadores somente ingressavam quando alguém saía para dar lugar.
Ele também respondeu a perguntas do advogado Jader Marques, que lidera a defesa de Spohr. Machado disse que as espumas “sempre incomodaram Kiko pela estética”. Comentou que, devido aos problemas com vazamento de ruído, teriam sido dadas “duas opções para o Kiko”. Uma seria cobrir o teto da boate com espuma e a outra era instalar gesso. Narrou que seu tio optou pelo gesso, mais caro.
E afirmou que, depois da obra de isolamento acústico, quando a Kiss permanecia enfrentando problemas com ruídos, os engenheiros teriam dito a Spohr que não seria resolvido o problema do som sem as espumas.
No projeto de engenharia da obra de isolamento acústico da Kiss, o memorial descritivo feito pelo engenheiro Miguel Pedroso não prevê nenhuma instalação de espuma no teto. As determinações técnicas foram erguer paredes de alvenaria, trocar o palco de lugar e adotar gesso no teto da pista de dança, com preenchimento de lã de vidro. Na semana passada, esse profissional, em depoimento no júri, afirmou que “só leigo ou ignorante poderia achar que espuma seria conveniente”.
Outro sobrevivente que trabalhava na boate, Érico Paulus Garcia foi barman na Kiss e narrou, em depoimento na semana passada, ter participado da instalação das espumas por determinação de Spohr, com uso de Cascola na fixação.
A discussão sobre a origem da espuma no teto da boate é recorrente porque o incêndio teve início nesse composto, depois de alcançado por fagulhas de um artefato pirotécnico.
Machado assegurou que seu tio não media esforços para deixar a casa em boas condições e evitar qualquer risco de fechamento.
— Se tivessem pedido para ele fazer uma passagem subterrânea, ele teria feito. Ele nunca iria se negar a nada — declarou.
Ele narrou também o primeiro contato direto que teve com Spohr no decorrer da tragédia, dizendo que ele socorria frequentadores da Kiss.
— No que me direcionei ao Kiko, ele vinha com uma pessoa (vítima) no colo. E ele queria voltar para dentro da boate. Ele estava em desespero para voltar — disse.
Ainda dentro da boate, quando saía da área VIP em que estava, Machado disse ter ouvido Spohr e outro empregado da casa gritarem “sai que é fogo”.