Realizado no plenário do Foro Central de Porto Alegre, o quinto dia do julgamento do caso da boate Kiss teve o depoimento do ex-proprietário da casa noturna Tiago Mutti e de dois sobreviventes, o frequentador Delvani Rosso e a segurança Doralina Machado Peres. A oitiva de Doralina, que foi a 16º depoente, terminou por volta das 19h30min, quando o júri já era considerado o mais longo da história do judiciário gaúcho.
Pela manhã, o engenheiro Tiago Mutti, ex-proprietário da casa noturna, foi rebaixado de testemunha para a condição de informante. Conforme a promotora Lúcia Callegaro, que faz parte do júri, Mutti responde a um processo por falsidade ideológica. Ele foi apontado por ter colocado "laranjas" na titularidade de propriedade da boate.
— Respondemos dois processos em que eu, meu pai e minha irmã fomos absolvidos. Estou aqui com intuito de esclarecer tudo o que for necessário. Participei das obras, conheço o projeto e estou aqui para esclarecer os fatos a respeito das obras — disse Mutti, no começo de sua fala.
O depoimento de Mutti, que foi arrolado pela defesa do sócio Mauro Londero Hoffmann, um dos réus no processo, terminou pouco antes das 16h30min. Mutti disse que a porta da danceteria era suficiente para o tamanho do prédio e capacidade de ocupação, para pouco mais de 600 pessoas. Afirmou ainda que a casa noturna passou por adequações estruturais, conforme Plano de Prevenção contra Incêndios (PPCI) encomendado à época em que ele auxiliava na reforma da casa noturna, em 2009.
O engenheiro também foi questionado sobre superlotação e teto de ocupação. O advogado Jader Marques, que defende o réu Elissandro Spohr, utilizou a simulação em 3D da planta da boate para tentar demonstrar que a danceteria não estaria superlotada no dia da tragédia. A projeção de pouco mais de 600 pessoas foi demonstrada em tela perante os jurados.
O depoimento do sobrevivente Delvani Brondani Rosso, iniciado por volta das 16h30min, foi marcado por emoção. O jovem ficou um mês internado na UTI e mostrou as marcas das queimaduras nos braços e nas costas.
Ele relatou que, quando todos tentavam sair da casa, iniciou-se um empurra-empurra. As luzes se apagaram e o desespero tomou conta dos frequentadores, que pouco conseguiam se mexer na multidão, contou.
— Tu era empurrado para onde a massa ia — disse.
Delvani passou a inalar muita fumaça e sentiu os joelhos fracos. Nesse momento do depoimento, ele começou a se emocionar. Chegou a ficar quase um minuto sem conseguir falar.
— Quando eu fui caindo eu fui me despedindo da minha família, dos meus amigos, pedindo perdão por alguma coisa que eu tivesse feito. Caí no chão e estava me sentindo queimar, fui me debruçando e colocando as mãos no rosto. E desmaiei.
Além de relatar que a Kiss estava "muito lotada" no dia do incêndio, que tinha dificuldades de caminhar sem esbarrar nas pessoas mesmo antes do sinistro, contou que não viu sinalização de emergências e extintores de incêndio.
O último depoimento do domingo ocorreu após intervalo para que os jurados pudessem assistir ao segundo tempo do jogo entre Grêmio e Corinthians pelo Brasileirão. Doralina Machado Peres era segurança e foi uma das sobreviventes do incêndio de 27 de janeiro de 2013. Ela ficou 26 dias hospitalizada, teve sequelas pulmonares e precisou colocar enxerto de pele em razão das queimaduras.
Doralina foi depoente arrolada pela defesa de Elissandro Sphor, um dos réus do caso. Questionada, ela disse que se dava bem com ele, que ele sempre foi muito educado com os funcionários da boate. Mas as ordens aos seguranças, segundo Doralina, eram repassadas pelo chefe direto da segurança. Questionada sobre sua preparação, ela afirmou que não fez curso, recebia orientações de colegas.
A sobrevivente disse que havia luzes de emergência na boate Kiss. Afirmou não saber quantos extintores tinham na casa noturna e nem se havia câmeras de vigilância.
A promotora Lúcia Callegari mostrou imagem do bar com vários baldes de espumante com fogos de artifício e perguntou se vítima já tinha visto aquilo. Ela disse que, daquela forma, não.
A defesa de Spohr questionou se o réu, sócio da casa, dava ordem para trancar as pessoas para não saírem, e ela respondeu que, quando os clientes não tinham como pagar, ele ficava com a identidade do cliente, para a pessoa retornar e arcar, ou ligava para a família da vítima.
Os depoimentos previstos para esta segunda-feira (6) são todas testemunhas da defesa de Elissandro Sphor: o ex-funcionário Stenio Rodrigues Fernandes, o sobrinho e sobrevivente do incêndio Willian Machado e a esposa, Nathália Daronch, também sobrevivente. O sexto dia de julgamento começa às 9h.