O depoimento do sobrevivente Delvani Brondani Rosso foi marcado por emoção no quinto dia de julgamento do caso da boate Kiss. O jovem ficou um mês internado na UTI e mostrou as marcas das queimaduras nos braços e nas costas.
Delvani estava com o irmão e amigos na casa noturna na noite do incêndio. Quando viu uma movimentação estranha, em um primeiro momento, disse ter acreditado que havia acontecido uma briga. Só reparou que era algo sério quando todos se voltaram em direção à saída.
Relatou que iniciou-se um empurra-empurra e perdeu o contato com os amigos — primeiro, caminhavam com os braços entrelaçados para não se afastar. As luzes se apagaram e o desespero tomou conta dos frequentadores, que pouco conseguiam se mexer na multidão, contou.
— Não sabia o que fazer. Se me abaixasse, ia ser pisoteado, se ficasse de pé, ia respirar a fumaça — relatou.
— Tu era empurrado para onde a massa ia — completou.
Delvani passou a inalar muita fumaça e sentiu os joelhos fracos. Nesse momento do depoimento, ele começou a se emocionar. Ficou cerca de um minuto em silêncio, sem conseguir falar.
— Quando eu fui caindo eu fui me despedindo da minha família, dos meus amigos, pedindo perdão por alguma coisa que eu tivesse feito. Caí no chão e estava me sentindo queimar, fui me debruçando e colocando as mãos no rosto. E desmaiei.
Seu irmão conseguiu sair da boate, amarrar uma camisa em torno do nariz e voltar para salvar alguns frequentadores, incluindo Delvani. Os homens, ele puxava pelo cinto e as mulheres, pelo cabelo, pois se segurasse no braço, tirava a pele das pessoas, relatou o jovem.
Delvani disse que acordou na calçada, em estado de choque. Apagou e despertou algumas vezes na ambulância, e acordou novamente no hospital.
— Olhava para o lado, parecia cena de guerra, pessoas pretas, queimadas, gritando, sangue, e eu lá gritando pedindo socorro.
O sobrevivente contou como foi acordar de coma, depois de um mês, com sonda e respirando por traqueostomia:
— Era um prisioneiro do meu corpo, só conseguia pensar e só tentar entender tudo o que estava acontecendo comigo, porque de tanta dor, tanto sofrimento.
Quando o irmão contou do incêndio e que amigos deles morreram, Delvani disse que não conseguia ainda se mexer e sentia apenas as lágrimas escorrerem.
O jovem ficou internado um pouco mais de dois meses, incluindo um mês na UTI. Desaprendeu a caminhar, emagreceu 20 quilos.
— Tive que reaprender a fazer tudo, a falar, me alimentar. Lembro que meu sonho era tomar um copo de água no hospital, e não conseguia.
Além de relatar que a Kiss estava "muito lotada" no dia do incêndio, que tinha dificuldades de caminhar sem esbarrar nas pessoas mesmo antes do sinistro, contou que não viu sinalização de emergências e extintores de incêndio.
Delvani disse que, inicialmente, seu irmão foi impedido de sair por seguranças quando o incêndio começou. Relatou que ele tentou chutar a porta para tentar sair.
Contou ainda que, segundo lhe foi relatado, os bombeiros estimulavam as pessoas a entrarem para ajudar, mas eles não teriam entrado.
O julgamento teve um intervalo a partir das 17h10min e foi retomado uma hora depois com o depoimento de Doralina Peres, segurança e sobrevivente do incêndio.