Desencadeada pelo Ministério Público (MP) na manhã desta terça-feira (20), a Operação AI-Covid 3 apura o suposto pagamento de propina na compra de insumos de combate à covid-19 em quatro prefeituras do Litoral Norte, além de aquisição de itens com sobrepreço. Foram cumpridos 26 mandados de busca e apreensão em oito secretarias municipais de Cidreira, Imbé, Balneário Pinhal e Tramandaí.
Além de irregularidade na compra, os agentes do MP identificaram que as prefeituras adquiriam itens que já possuíam em grande quantidade e que, por isso, não tinham necessidade. Entre os insumos adquiridos e investigados na operação, estão álcool em gel, máscaras, luvas e sacos usados no transporte de cadáveres.
— A gente percebe que há sobrepreço, valor acima de mercado, e também percebe que há uma série de compras que fazem sem necessidade. Já há outras compras daquele equipamento, daquele produto, e acabam eventualmente comprando só para poder fazer a negociata e ter, por meio disso, o recebimento da propina — detalhou o promotor João Afonso Silva Beltrame, secretário-executivo do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco - Núcleo Saúde) e coordenador do Sistema Integrado de Investigação Criminal (Siscrim), em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade.
São alvos da ação um ex-prefeito, um vereador, três secretários municipais, seis servidores públicos, um representante comercial, quatro empresários e três empresas - os nomes não foram divulgados. Os mandados se estendem para os endereços comerciais e residenciais dos investigados, que ficam em Balneário Pinhal, Canoas, Cidreira, Imbé, Porto Alegre, Tramandaí e Xangri-Lá.
A ação desta manhã é a terceira fase de uma operação que iniciou em Uruguaiana, onde os agentes identificaram álcool gel adulterado. No caso das prefeituras do Litoral Norte, a investigação abrange o período entre maio e o fim de 2020 - motivo pelo qual o MP optou por não realizar pedido de prisão.
Secretário recebia promessa de uma "propinazinha"
Uma coletiva de imprensa transmitida pelo MP detalhou a forma como funcionava o esquema constatado no Litoral Norte. Conforme Beltrame, os empresários identificaram na pandemia uma forma de lucrar, já que há maior dificuldade de controle:
— É uma situação bastante triste. Temos um grupo de empresários que viu uma "oportunidade" de lucrar bastante, aproveitando-se da fragilidade dos sistemas de controle da pandemia, porque há urgência em fazer compras. É muito importante que se compre com agilidade, inclusive foi criada uma legislação específica para se evitar a necessidade de licitação. Só que aí tem esses empresários.
Beltrame explica que os empresários começaram a trabalhar por meio de um operador, que tinha trânsito entre as prefeituras e entre servidores. Assim, passaram a oferecer determinados produtos mediante pagamento de propina.
Inicialmente, o operador fazia contato com os agentes públicos e oferecia determinado item. O município fazia cotação com outros fornecedores regulares e repassava o valor a esse operador - assim, os empresários envolvidos baixavam um pouco o preço e venciam os trâmites licitatórios, pagando propina em contrapartida.
— Depois eles especializaram o esquema, porque já tinham relacionamento. Ele já apresentava três orçamentos, de um outro parceiro e de um terceiro parceiro. Então apresentavam três orçamentos, todos previamente conluiados, e sempre ganhava a empresa relacionada a esse operador.
Neste segundo caso, os orçamentos já eram apresentados com sobrepreço, o que permitia reservar um percentual para pagamento de propina.
— A gente percebe, em conversa entre os interlocutores, que um deles fala que o secretário tal vai fazer um "pedidaço", e que, para aquele secretário, foi prometida uma "propinazinha".
O MP agora busca mais provas para esclarecer se outras prefeituras entraram no esquema. Conforme Beltrame, análise inicial aponta que as quatro gestões municipais do Litoral Norte desembolsaram cerca de R$ 300 mil a R$ 400 mil, mas a investigação busca identificar se há outros pagamentos.
Contrapontos
Procurada, a prefeitura de Imbé disse que "colabora com as investigações para esclarecimentos dos fatos e que há, desde o início da pandemia, um canal exclusivo no Portal da Transparência para informações sobre as compras e contratações relativas ao combate ao coronavírus".
A prefeitura de Balneário Pinhal informou que "foram solicitados à administração apenas dois documentos datados de junho de 2020, ambos referentes a duas compras de pequeno valor em uma das empresas investigadas". Uma das compras de álcool gel chega a R$ 2.397, e a outra, de termômetros infravermelhos, chega a R$ 7.980. O Executivo "reitera que os processos ocorreram de forma regular", se coloca à disposição para esclarecimentos e "parabeniza o trabalho do Ministério Público e do Gaeco e garante ter agido de forma transparente".
A prefeitura de Cidreira afirma que "está colaborando com as investigações" e "fornecendo todas as informações e documentos solicitados referentes às empresas que estão sendo alvo da operação". A Secretaria de Saúde reafirma "a transparência e legalidade nas aplicações dos recursos públicos. Informa ainda que todos os processos passam pelo setor jurídico e que estão disponíveis no portal da transparência".
Já a prefeitura de Tramandaí enviou uma nota em que diz ter sido alvo de dois mandados de busca. Conforme o Executivo, "foram investigados dois setores, sendo que nada foi localizado na Secretaria da Saúde e na Secretaria da Fazenda foram fornecidas as cópias do empenho do ano de 2020, quando foi realizada a aquisição de álcool gel de uma das empresas investigadas". O Executivo disse que, ainda em 2020, solicitou um laudo sobre a qualidade do produto e que, como estava próprio para uso, foi distribuído para unidades de saúde e prédios públicos. Conforme a prefeitura, "para a população de Tramandaí, o produto não trouxe risco, já que o mesmo passou por uma delicada investigação, estando com a qualidade adequada para o uso. A Prefeitura Municipal de Tramandaí está colaborando com as investigações e auxiliando em tudo o que for solicitado".
