O sistema de oxigênio do Hospital Lauro Reus, de Campo Bom, onde seis pessoas morreram depois que o fornecimento do produto foi interrompido, é composto por um cilindro principal e mais 11 na central de suprimento reserva.
GZH apurou que uma das suspeitas verificadas por autoridades é de que, ao contrário da orientação técnica do fornecedor do produto, o sistema reserva estivesse aberto e, portanto, tenha sido todo consumido sem que os responsáveis tenham percebido.
O consumo total do oxigênio — inclusive o da reserva — poderia ser a explicação para que pacientes da ala covid-19 tenham ficado sem o produto por pelo menos 30 minutos na manhã de 19 março. Importante destacar que o sistema reserva não é acionado automaticamente. A abertura tem de ser manual. Então, se havia carga reserva suficiente, como sustenta o hospital, bastaria um funcionário treinado fazer a abertura.
O que aconteceu naquela manhã, no entanto, foi que equipes de emergência de fora do hospital foram acionadas para levarem até o local cilindros móveis do insumo para atender aos 26 internados da ala covid. Imagens divulgadas em redes sociais de Campo Bom mostram caminhões que estariam fazendo o abastecimento de oxigênio no hospital horas depois do ocorrido, ainda na parte da manhã.
O manual técnico da Air Liquide, empresa que fornece e monitora os níveis do produto, determina que, além do cilindro principal, que tem identificação de 6 mil litros de oxigênio, apenas uma parte da reserva fique acionada para suprir o fornecimento em caso de consumo da primeira carga. A reserva do Lauro Reus é composta por duas baterias — uma com cinco e outra com seis cilindros.
Apesar de sustentar que não houve falta do insumo e que o incidente teria sido causado por uma "instabilidade na rede central de distribuição de oxigênio", a direção do Lauro Reus não comunicou, até hoje, que tenha precisado fazer algum conserto no sistema. A gestora do hospital é a Associação Beneficente São Miguel.
Quando o delegado de Campo Bom, Clóvis Nei da Silva, e peritos do Instituto-Geral de Perícias (IGP) estiveram no local para analisar o funcionamento do sistema, em 23 de março, o equipamento estava em atividade normal e sem sinais de avaria ou defeitos. Um detalhe também chamou a atenção: o sistema de reserva estava completamente aberto, o que não é indicado pelo manual técnico do fornecedor.
O correto seria que apenas o cilindro principal e uma bateria reserva de oxigênio ficassem acionados. O último backup dependeria de abertura manual e só seria acionado em caso de consumo total de oxigênio do cilindro principal e de uma bateria reserva. A ideia é de que a carga reserva dure tempo suficiente para que, numa emergência, a fornecedora possa repor o oxigênio que chega por tubulação diretamente nos quartos para atender aos pacientes.
O controle de nível do oxigênio é feito remotamente pela empresa Air Liquide. Um sensor verifica a carga de oxigênio no tanque principal. Ele fica ligado a um controle que envia informações de telemetria para a sede da empresa, em São Paulo, por meio de SMS. Quando o estoque fica abaixo de um certo valor, o sistema avisa a empresa, que deve tomar as providências de reabastecimento.
Não está descartado que o problema tenha começado por uma falha nessa comunicação, ou seja, de que a empresa tenha disparado o alerta, mas que o responsável no hospital não tenha visto. Ou ainda, que o alerta não tenha sido feito.
Autoridades ainda não tiveram acesso a esse relatório de comunicação entre a Air Liquide e o hospital. O material será analisado pelo setor de informática do Departamento de Criminalística.
Secretaria de Saúde monitora estoques de oxigênio no RS
Além de investigado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público, o caso também é apurado pelo Departamento de Auditoria do Sistema Único de Saúde da Secretaria Estadual de Saúde. Conforme o diretor Bruno Naundorf, a secretaria tem feito acompanhamento semanal dos estoques de oxigênio de cerca de 300 hospitais do Estado.
As próprias instituições respondem a questionário informando a situação. A orientação da SES é de que haja estoque preventivo suficiente para sete dias. O Hospital Lauro Reus, de Campo Bom, não havia declarado nenhum problema de falta do insumo.
— Nossa auditoria busca verificar não só eventual descumprimento contratual, mas também inadequações técnicas que gerem prejuízo a pacientes do SUS. O objetivo é buscar melhorias e correções nos procedimentos, que podem até servir para outros hospitais, e até eventuais punições — explica o diretor.
Perícias feitas pelo Departamento de Criminalística no hospital
Engenharia Mecânica
Perícia em dutos e registros de abertura de válvulas do sistema em busca de possíveis falhas mecânicas.
Engenharia Elétrica
Avaliação da demanda de energia do hospital, a existência de geradores e a condição das instalações — como fusíveis queimados e disjuntores — com o objetivo de identificar pane elétrica que possa ter causado a interrupção no fornecimento
Informática
Análise do software que gerencia a comunicação entre o hospital e a empresa fornecedora, para identificar possíveis falhas ou sabotagens no sistema que informa a quantidade de oxigênio disponível.
Contrapontos
O que diz o Hospital Municipal Lauro Reus
"A direção informa que ainda com relação à sindicância em curso, tem prestado todos os esforços no sentido de colaborar com as autoridades competentes, bem como com as instituições sobre todo e qualquer fato necessário. O hospital segue atendendo acima da capacidade operacional, assim como os demais no Estado e no país e, como medida para evitar aglomerações e maior fluxo de pessoas nas unidades, mantém contato diário por telefone com familiares de pacientes internados e também através de boletins informativos entre as equipes."
O que a Air Liquide
"As informações que a Air Liquide poderia dar em relação à ocorrência no Hospital de Campo Bom (RS) já foram enviadas na nota encaminhada em 19/3/21. A empresa não está autorizada a informar mais detalhes, já que o caso encontra-se sob investigação."