Com protagonismo no país, por ter sido a primeira a criar uma comissão para prevenir e apurar denúncias de abuso sexual na Igreja, a Arquidiocese de Porto Alegre tratou, desde fevereiro, de dois casos suspeitos ocorridos há anos — um na Capital e outro em Belém do Pará.
Membros da comissão receberam os relatos e os enviaram para apuração dos responsáveis pelos padres suspeitos. Também surgiu um caso da cidade de Cruz Alta, que foi direcionado para depoimento e apuração local, já que o município não pertence à arquidiocese.
O fato ocorrido em Porte Alegre envolve o padre italiano Antônio Gasparini, da congregação Pobres Servos da Divina Providência. Ele foi pároco da Paróquia Nossa Senhora da Misericórdia, na Restinga, Zona Sul, há mais de 40 anos.
Um processo canônico foi instaurado na Itália e comprovou as denúncias de abuso sexual. A sentença determinou que Gasparini, hoje com 86 anos, receba uma penitência, ainda não definida.
O segundo caso cuja apuração foi intermediada pela Comissão Arquidiocesana Especial de Tutela de Criança, Adolescente e Pessoa Vulnerável é de um jovem que mora na Capital, mas teria sofrido abuso sexual por padres em Belém, entre os 16 e os 18 anos. Ele foi ouvido pela comissão e o relato, repassado à Cúria da Arquidiocese de Belém. A comissão não quis revelar mais detalhes do caso.
A comissão da Arquidiocese de Porto Alegre foi instalada em fevereiro e deveria ter reuniões bimestrais, mas o cronograma foi paralisado pela quarentena decorrente da covid-19. Em junho, o grupo fez um primeiro encontro virtual.
Um balanço preliminar mostra que a comissão recebeu, em média, um telefonema a cada 10 dias, mas não houve denúncias concretas. Em algumas situações, as pessoas ligaram apenas para desabafar.
Nestes cinco meses, o coordenador do grupo, padre Fabiano Schwanck Colares, também esteve em contato com comissões instaladas pelo mundo. Um webinar reuniu 630 pessoas para discutir o avanço de casos durante a pandemia, especialmente, no seio familiar.
— Importante destacar que as pessoas devem denunciar o quantos antes os casos para que se torne mais rápida e eficaz a apuração. Quanto mais recente for o caso, mais possível é que se faça justiça e se evite que outras crianças sejam abusadas — destaca o coordenador.
Avanços e retrocessos nas regras de apuração estabelecidas pelo Vaticano
A comissão tinha como regra, até então, com base em determinações lançadas pelo papa Francisco, a necessidade de identificação do denunciante. Mas, na semana passada, a Congregação para a Doutrina da Fé lançou um novo documento com instruções sobre como devem ser os procedimentos para apuração deste tipo de caso, uma espécie de manual.
Em um de seus artigos, o vade mecum determina que toda e qualquer notícia de possível abuso seja averiguada, ainda que não exista uma denúncia formal a respeito, ou seja, o fato pode ter sido veiculado pela imprensa, compartilhado em redes sociais ou até anunciado por fonte anônima.
A determinação amplia o trabalho de apuração e pode servir para que denunciantes que temem se identificar decidam, agora, encaminhar suas informações. Trata-se de um avanço para os trabalhos.
Já em relação ao sigilo, que historicamente foi usado pela Igreja para proteger padres denunciados, houve retrocesso em relação às primeiras determinações do Papa. No Vos Estis Lux Mundi (Vós sois a luz do mundo), carta lançada por Francisco em maio do ano passado, estava previsto o fim do sigilo. Ou seja: qualquer cidadão poderia ter informações sobre situações suspeitas que estivessem sob investigação. Agora, o vade mecum criou etapas de sigilo.
Conforme a comissão da Arquidiocese der Porto Alegre, foram retomados graus de sigilo que protegem o caso quando a denúncia chega às autoridades da Igreja e é encaminhada à Santa Sé. O novo regramento recomenda que não seja feita divulgação antes de abertura de processo formal pela igreja.
Como denunciar
- E-mail: tutela@arquipoa.com
- Telefone: (51) 99733-4957 (ligações ou mensagens de WhatsApp). Funciona entre 7h e 19h.
- Denúncias também podem ser feitas em outros órgãos, como diretamente na Polícia Civil ou no Ministério Público.