A nova rotina de Alexandre Cavalcante ilustra bem o resultado de pesquisa conduzida pela FIA e FEA/USP sobre o home office forçado pela covid-19. Funcionário de um banco de investimentos, Cavalcante improvisou uma mesa de operações dentro de seu apartamento. Colocou em uma gaveta aberta o notebook do banco com as cotações de mercado e as ordens de serviço e compartilhou o sistema com seu computador pessoal, que antes era usado como videogame.
- O resultado tem sido satisfatório. Apesar de algumas vezes eu estar no meio de uma negociação complicada e entrar um dos meus dois filhos gritando para colocar Power Rangers na televisão - diz ele. - Dá para trabalhar bem, mas rotina em casa é chata. Gosto de pessoas.
Realizada entre os dias 27 de maio e 3 de junho, a pesquisa mediu a percepção de trabalhadores alocados em cargos de média e alta gestão nesses primeiros três meses de home office.
Apesar de trabalharem mais do que oito horas por dia, sendo que 12% relatam jornadas acima de 10 horas, sete dias por semana, e de contarem com pouco suporte de infraestrutura - apenas 13% dizem dispor de equipamentos apropriados cedidos por suas empresas -, 7,5 em cada 10 executivos afirmam ter uma percepção positiva da experiência.
Ainda segundo a pesquisa, obtida com exclusividade pelo jornal O Estado de S. Paulo, cerca de 70% deles se dizem motivados a continuar trabalhando em suas casas depois do término do período de isolamento compulsório.
- Esse resultado nos surpreendeu positivamente - afirma o professor da FEA/USP e coordenador de cursos de gestão de recursos humanos da FIA, André Fischer. - Observamos que, embora com pouco auxílio das empresas, no sentido de suprir os seus executivos com equipamentos, eles estão satisfeitos com o home office e mantêm um alto índice comprometimento - afirma.
Segundo a pesquisa, 47% dos entrevistados afirmam que não contam com nenhum equipamento ergonômico, como cadeiras, suportes para computador e bases para os pés. A infraestrutura de trabalho em casa é, em sua maioria, de propriedade do profissional, assim como as despesas decorrentes com internet (93%) e energia elétrica (97%). Até mesmo o computador corporativo não é realidade para 39% dos trabalhadores em nível de gestão.
Para o paulistano Alan Couto, que trabalha como gerente de operações em uma rede de escolas de idiomas, a falta de equipamentos para o teletrabalho está associada ao inesperado da situação.
- De uma hora para outra estávamos trabalhando em casa - diz ele, que está em home office desde a segunda quinzena de março. - Tenho uma equipe com mais de 30 pessoas e não temos máquinas para todos. Eles estão trabalhando com o que têm em casa - diz.
No ambiente corporativo, a percepção é de que muitas empresas esperavam por um período relativamente curto de home office.
- No começo, a quarentena iria até 30 de abril em São Paulo, depois até 15 de maio, depois 30 de maio. Agora que percebemos que ela será longa, com um retorno em fases - afirma Paôla Borges, gerente comercial da empresa de locação de mobiliário John Richard.
Há 10 dias, a empresa lançou um serviço de aluguel de home office.
- Quando caiu a ficha, mudamos do escritório para o home office. Em 10 dias temos mais de 500 contratos em análise - afirma. - Minha opinião é de que as pessoas e as empresas gostaram de trabalhar em casa e isso veio para ficar.
Crise
Na opinião de Alan Couto, independentemente de gostar ou não do home office, a percepção positiva captada pelos profissionais na pesquisa se dá pelo fato de que eles se mantêm empregados em um momento de grave crise.
- As pessoas têm se dedicado ao trabalho. Estão com medo de perder o emprego.
Responsável pela pesquisa, Fischer compartilha da mesma opinião.
- Não temos isso no levantamento, mas é claro que o momento de grave crise afeta nesse cenário positivo - diz. - Uma outra explicação para a boa receptividade do home office é o tempo economizado com o deslocamento até o trabalho, que era motivo de queixa dos trabalhadores. A maioria demorava em média 61,5 minutos no trajeto diário de ida e volta ao trabalho -afirma ele.
A pesquisa ouviu 1.566 pessoas, sendo que 64,4% são de pós-graduados e 42% atuam em posições de alta gestão, como presidente, diretor, gerente, coordenador ou supervisor, recebendo um salário bruto médio acima de R$ 9 mil.
A maioria dos pesquisados (58,3%) não trabalhava em home office antes da pandemia. Agora, sete em 10 trabalham cinco dias da semana em casa. Exercem suas atividades em um cômodo da residência que é compartilhado com outras atividades domésticas.