Mais do que ser uma tendência, o teletrabalho, como diz a lei, ou home office, se tornou obrigação em tempos de pandemia. Especialistas e estudos apontam: não tem mais volta, a atividade veio para ficar.
Professora da escola de negócios da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS) e sócia-diretora da CRTL4Time, uma empresa de software de gestão de pessoas, Loraine Bothomé Müller conta que a troca emergencial do trabalho presencial pelo à distância ocorreu de forma acelerada porque era o único recurso possível para o momento, mas mostrou possibilidades antes refutadas pela sociedade e já apresenta aprendizados.
— Em março, éramos motor de arranque tentando correr os 100 metros e dar tudo o que tínhamos. Mas, no segundo estágio desta experiência, que estamos vivenciando agora, a vida já começou a ensinar que quem vencerá a corrida não será a lebre, mas quem tiver a resistência do jabuti. É uma prova de resistência, não de velocidade — ensina.
Loraine considera que as pessoas, realmente, estão sentindo o que significa confinamento e tendo uma rotina relativa que mostra não ser possível trabalhar 14 horas por dia, atender a casa nas outras quatro e dormir nas horas restantes. É um momento de reavaliação pessoal e profissional.
Mesmo não sendo novo no direito do trabalho — está regulado na CLT desde novembro de 2017 (reforma trabalhista) —, o teletrabalho ainda enfrentava o receio da maioria das organizações. E por percorrerem um terreno que não dominam, muitas organizações podem estar exigindo mais trabalho do que os colaboradores conseguem entregar. Este é o ponto negativo apontado por Loraine.
— Quanto mais incerto é o futuro, mais isso aciona a ansiedade das pessoas, e quanto mais incertas e mais ansiadas as pessoas ficam, mais no caos elas vibram, e menos a empresa tem condições de sair do modelo automático para ter uma produção melhorada. Prova de velocidade e prova de resistência são conjuntos de soft skills (habilidades que destacam profissionais) distintos — pondera.
Entre 2017 e 2018, trabalhar em casa ou até mesmo em outros espaços, como o coworking, cresceu 21,1%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já o estudo "Tendências de Marketing e Tecnologia 2020: Humanidade redefinida e os novos negócios", desenvolvido por André Miceli, coordenador do MBA em Marketing e Inteligência de Negócios Digitais da Fundação Getúlio Vargas, prevê crescimento de 30% do home office no Brasil após a pandemia. O e-commerce e o ensino a distância devem crescer 30% e 100%, respectivamente. A análise sugere ainda que líderes sejam encorajados a pensarem, revisarem seus processos internos, testarem e compreenderem que a tecnologia é, "cada vez mais, um ativo humano".
Para a presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos seccional Rio Grande do Sul (ABRH-RS), Crismeri Delfino Correa, o home office como único recurso possível neste momento está oportunizando ao gestor conhecer o colaborador globalmente, desce como é a casa dele até curiosidades da vida particular, tudo por meio da tela do computador. Esta é uma forma, sustenta Crismeri, do líder empatizar mais com o funcionário:
— As lideranças passaram a experimentar algo que se falava, mas não se fazia. É importante o gestor estar consciente de que precisa ter conhecimento das emoções de seus colaboradores e de saber como ajudar a tratá-las, e ainda trazer o resultado e inventar novas formas de trabalhar. Tudo isso está em processo, depende de engajamento e das conversas que formarão esta nova cultura — expõe.
Tanto Loraine, quanto Crismeri sugerem segmentos que podem adaptar-se com facilidade ao trabalho remoto, entre as principais estão jornalismo, publicidade, desenvolvimento de sistemas, docência, pesquisa, vendas, advocacia, contábeis e bancos. Com mais pessoas atuando de casa, completam, o sistema de logística e tele-entrega deve ser ampliado, mas com mais organização.
— Num futuro próximo, talvez tenhamos nutricionistas preparando o nosso alimento, o congelando e nos enviando enquanto continuamos trabalhando em casa. É o antigo restaurante de antes da pandemia — imagina Loraine.
De acordo com a advogada Patrícia Alves, sócia da área trabalhista no escritório de advocacia Souto Correa Advogados, o teletrabalho deve estar expressamente previsto no contrato de trabalho. Para empregados que trabalham presencialmente, a mudança deve ser acordada entre empresa e empregado e registrada em um termo aditivo. Nesse mesmo documento as partes devem acordar quem será responsável pela aquisição e manutenção de toda a infraestrutura necessária, bem como o reembolso de despesas suportadas pelo empregado, tais como energia elétrica, internet e telefone. Ou seja, não há obrigação de que o empregador reembolse todas as despesas, mas esses pontos precisam ser previamente discutidos e constarem no contrato. A empresa pode propor, por exemplo, um valor fixo a ser pago ao empregado mensalmente para auxiliar nessas despesas. Essa ajuda de custo não é considerada salário, ou seja, não integra o cálculo de nenhuma outra verba trabalhista, mas, para isso, evidentemente deve ser compatível com as despesas que pretende cobrir.
— O art. 62, III, da CLT estabelece que o empregado que trabalha em home office não está sujeito a controle de jornada, o que significa que não há necessidade de registro das horas trabalhadas nem pagamento de horas extras. Mas, recomenda-se cautela nesse ponto: se o empregado demonstrar que na prática seus horários de trabalho eram fiscalizados pelo empregador e que não há, portanto, flexibilidade e autonomia para a realização das atividades, a modalidade poderá ser descaracterizada e a empresa condenada ao pagamento de eventuais horas extras trabalhadas. As empresas precisam compreender que no conceito de home office o empregado deixa de ser medido pelas horas trabalhadas e passa a ser avaliado pelo resultado que entrega — esclarece.
Patrícia realça que o momento atual não apenas acelerou a adoção do trabalho remoto, como também trouxe a necessidade de adequação da legislação. Por exemplo, se o que interessa para a empresa é o talento do empregado, independentemente de onde ele reside, qualquer empresa, em tese, pode contratar empregados de qualquer lugar do mundo. Mais do que um working from home (trabalhando de casa), estamos passando para a fase de working from anywhere (trabalhando de qualquer lugar). No entanto, a advogada aponta que a legislação trabalhista e tributária ainda não está preparada para que esse processo seja simples e rápido. Escritórios de advocacia já estão trabalhando com essas demandas, principalmente com clientes da área de tecnologia.
Diferença técnica/jurídica entre teletrabalho e home office (para o caso de empregados celetistas)
- Teletrabalho — ocorre quando o empregado trabalha praticamente fora da empresa. Não há controle de jornada pelo empregador e não há recebimento de horas extras pelo empregado (é uma exceção ao controle de jornada incorporada à CLT pela “reforma trabalhista”).
- Home office — não tem previsão na CLT e o trabalho é realizado fora das dependências do empregador. Pode haver o controle de jornada e incidir o pagamento de horas extras, se for o caso.
Fonte: Lippert Advogados
Dicas para o gestor
O gestor precisa ter muita clareza de como lidar com o home office. Segundo a presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos seccional Rio Grande do Sul (ABRH-RS), Crismeri Delfino Correa, é o gestor quem tem o poder de influenciar alguém. A liderança está entre uma pessoa e um contexto. Hoje, mudamos o contexto. Mas como lidamos com esta pessoa? Por isso, Crismeri dá dicas aos gestor em tempos de pandemia e home office.
- Responder imediatamente às mensagens enviadas pelos colaboradores.
- Comunicação é fundamental. Ver se a mensagem foi compreendida.
- Simplicar processos cada vez mais, sem intermediários.
- Ter reuniões sistemáticas. Não há controle sobre pessoas, mas por relatórios.
- Apesar das reuniões coletivas, não pode se descuidar de fazer contatos individuais com os colaboradores.
- Precisa conhecer o gerenciamento das ferramentas online disponíveis.
- Ter uma visão ampla da atividade. Fazer gestão por projetos e não por tarefas, liberando por entrega do que por ações específicas.
- Ter clareza das responsabilidades das metas.
- Compartilhar com todos, por meio de um documento online, tudo o que precisa ser feito e ir apontando o que foi finalizado.
- Manter contato com os colegas. Estimular os pares, fomentando um ambiente e não competitivo.
- Trabalhar muito a comemoração - mesmo online, faça um happy hour virtual com os colegas.
- Deve se preocupar com a saúde mental do seu colaborador, que está cheio de variáveis de emoção neste período.