A escassez de chuva em abril agravou a estiagem no Rio Grande do Sul e levou diversos rios gaúchos aos menores níveis já registrados. De acordo com a Defesa Civil, o Estado já tem 359 dos 497 municípios impactados pelo tempo seco, sendo 337 com decretos de emergência publicados. Isso representa 72% do território gaúcho, ou sete em cada 10 cidades que informaram o problema. O déficit hídrico verificado desde novembro de 2019 afeta a produção rural e o abastecimento de água na zona urbana de cidades de todas as regiões.
Encontrar barragens e açudes secos e rios com menos de um metro de profundidade se tornou algo corriqueiro no Estado. Os rios Uruguai, Camaquã e Taquari chegaram aos níveis mais baixos desde o início das medições, há três décadas, de acordo com os registros da Secretaria Estadual do Meio Ambiente. No momento, todas as 25 bacias hidrográficas do Estado têm baixa disponibilidade hídrica. Neste grupo, 10 permanecem em situação de alerta, entre elas Gravataí, Lago Guaíba, Sinos, Caí, Alto e Baixo Jacuí.
- Chegamos a um estágio bastante preocupante, que ainda pode se agravar se não tivermos chuva nas próximas semanas - resume o coordenador estadual da Defesa Civil, Júlio César Lopes, destacando que a situação é mais preocupante nas regiões Central, Sul e Metropolitana.
Em meio ao cenário crítico de reservatórios e barragens, o fornecimento de água à população é realizado com dificuldades. Na área de atendimento da Corsan, que abrange 317 municípios, não há racionamento. No entanto, o diretor de operações André Finamor relata que a situação em muitas localidades já está chegando no limite, o que pode gerar uma mudança de planos caso a falta de chuva se prolongue em maio.
- Se for necessário, temos planos de contingência e racionamento preparados para todos os municípios. Pedimos, neste momento, que as pessoas façam o uso racional da água - apela Finamor.
Atualmente, a Corsan utiliza cerca de 40 caminhões-pipa para realizar o fornecimento de água em 10 municípios de Serra, Vale do Taquari e Norte. A estatal também está perfurando seis poços para viabilizar o abastecimento, sendo dois em Santa Cruz do Sul, uma das cidades que mais preocupam no momento.
Problema enfrentado por municípios de diferentes portes
O clima castiga municípios de variados portes, dos pequenos aos grandes. Na avaliação do presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Dudu Freire, a estiagem deste ano é mais grave se comparada com a última enfrentada pelo Estado, em 2012.
- Em 2012, sabia-se a extensão do problema desde o início. Desta vez, a estiagem começou atingindo poucos municípios e gradativamente foi se ampliando. O cenário é mais grave - acredita Freire.
Com 10 mil habitantes, Fontoura Xavier, no Norte, é um dos municípios mais impactados. Os dois rios com nascentes na cidade e os açudes estão completamente esvaziados. Desde janeiro faltou água na torneira das residências em diversos momentos. Atualmente, o quadro é contornado no perímetro urbano com o uso de cinco caminhões-pipa.
- Nunca tivemos, nos 54 anos do município, uma estiagem tão severa. Os açudes secaram, os peixes morreram e os agricultores ainda têm dificuldades para conseguir água para os animais - lamenta o prefeito José Flávio da Rosa.
Além das fontes terem secado, os municípios também se depararam com a demanda crescente pelo líquido. Com a crise do coronavírus e a implementação de medidas de distanciamento social, a partir da segunda quinzena de março, Bagé, com 120 mil habitantes, viu o consumo saltar 10%. Com dificuldades em abastecer as residências, a cidade situada na Campanha adota há 40 dias o racionamento. Metade dos bairros tem acesso a água das 3h às 15h, e a outra das 15h às 3h.
- O racionamento poderá baixar para seis horas ao dia, gradativamente, mas a projeção é que seja mantido até julho, pelo menos - aponta Márcio Pestana, diretor geral do Departamento de Água e Esgotos de Bagé (DAEB).
Outro problema enfrentando por Bagé é o crescimento da inadimplência no pagamento das faturas, em função das dificuldades econômicas decorrentes da pandemia. A estimativa é de que a arrecadação caia um terço em abril, dificultando investimentos em medidas para a ampliação do abastecimento.
Baixo nível dos rios afeta transporte hidroviário
Além dos problemas no abastecimento de água no campo e na cidade, outra faceta dos estragos causados pela estiagem é vista no transporte hidroviário. Com alguns rios gaúchos nos menores níveis históricos de profundidade, embarcações encontram dificuldades para chegar aos portos do Rio Grande do Sul. Somente em abril, quatro encalhes foram registrados a caminho de Rio Grande.
O superintendente dos Portos do Estado, Fernando Estima, aponta que o trecho mais crítico é o canal da Feitoria, entre São Lourenço do Sul e Pelotas, onde ocorreram os encalhes. Em maio, o governo estadual deverá fazer uma licitação para realização de dragagem emergencial para atenuar o problema. Enquanto isso, a recomendação é que as embarcações reduzam o volume de cargas para terem melhores condições de navegação.
- Como a estiagem deixou as hidrovias com um baixo volume de água, é necessária uma redução de 12% a 15% no volume de carga levado nas embarcações. Isso acaba exigindo que o transporte da carga seja realizado em mais viagens e acaba encarecendo o frete _ diz Estima.
Abril foi um dos meses mais secos do ano, lembra a meteorologista da Somar Cátia Valente. Ela afirma que há municípios que acumulam períodos de 20 a 25 dias sem registro de chuva. Em Porto Alegre, choveu 27 milímetros, quando a média do mês é de 108 milímetros. Já em São Luiz Gonzaga, nas Missões, houve 51 milímetros de precipitação, quando o normal seriam mais de 200 milímetros. Enquanto isso, em Bento Gonçalves, com média de 124 milímetros, caíram apenas 29 milímetros.
Para maio, a tendência é de chuva na primeira semana, mas ainda assim as perspectivas são pouco animadoras.
- Deve ocorrer alguma chuva no início de maio, mas não deverá ser um mês chuvoso. A expectativa é que se possa atenuar esse cenário, mas não será um volume que reverta o déficit hídrico no Estado - pondera.
A situação no Estado, até 1 de maio
- 359 municípios afetados pela estiagem
- 337 decretaram situação de emergência (Destes, 241 tiveram documento homologado pelo Estado e 216 obtiveram reconhecimento da União)
- 22 informaram o Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID), mas ainda não fizeram decreto.
Nível de profundidade dos rios
- Quaraí (Estação Quaraí) - 42 centímetros (média: 1,5 metro)
- Santa Maria (Estação Dom Pedrito) - 3,45 metros (média: 3,2 metros)
- Ibirapuitã (Estação Alegrete) - 92 centímetros (média: 2 metros)
- Uruguai (Estação Uruguaiana) - 96 centímetros (média: 4 metros)
- Inhupaça (Estação UHE Passo Fundo) - 1,16 metro
- Apuaê (Estação Rio Apuaê) - 44 centímetros
- Camaquã (Estação Passo do Mendonça) - 25 centímetros (média: 1,4 metro)
- Jaguarão (Estação Passo das Pedras) - 90 centímetros (média: 2 metros)
- Gravataí (Estação Passo das Canoas) - 92 centímetros (média: 2,5 metros)
- Sinos (Estação Campo Bom) - 87 centímetros (média: 2,5 metros)
- Caí (Estação Barca do Caí) - 1,42 metro (média: 1,8 metro)
- Taquari (Estação Muçum) - 48 centímetros
- Jacuí (Estação UHE Dona Francisca Jusante) - 2,87 metros
- Guaíba (Estação Cais Mauá) - 68 centímetros (média: 1,2 metro)
Fontes: Defesa Civil-RS e Secretaria Estadual do Meio Ambiente