RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Pela primeira vez, há mais pretos e pardos no ensino superior público no Brasil do que brancos, mostram dados divulgados nesta quarta (13) pelo IBGE.
Os dados, da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, são de 2018 e apontam 50,3% de pretos e pardos nas universidades públicas brasileiras. Já brancos e outros compõem 49,7% do total, o que indica subrepresentação do primeiro grupo --na população em geral, 55,8% são negros (pretos e pardos, pelo critério do IBGE).
Um dos fatores aos quais o IBGE credita esse avanço é o sistema de cotas, que reserva vagas a candidatos de determinados grupos populacionais, além de programas de apoio e expansão em universidades federais.
Desde 2016, pelo menos 50% das vagas disponíveis no Sisu (Sistema de Seleção Unificada), um dos programas de cotas, são distribuídas por critérios de renda, cor ou raça, conforme determinação do Ministério da Educação.
Douglas Belchior, membro do conselho-geral da Uneafro Brasil (União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora), considera o número como uma vitória dos movimentos negros e dos próprios estudantes negros.
"As políticas de ações afirmativas, cotas raciais e financiamento estudantil não foram ofertas gratuitas, benesses ou bondade dos governos, mas sim conquistas frutos de décadas de luta dos movimentos negros. Outro personagem fundamental são os estudantes negros, sujeitos coletivos. Seu esforço, de suas famílias, amigos e comunidade para se manterem firmes nos estudos são imensos", disse Belchior.
Na rede privada, a maioria ainda é de brancos e outros: 53,4% fazem parte desse grupo. Já negros e pardos representam 46,6% do total.
Mas, segundo o IBGE, o número também representa um aumento: eram 43,2% de pretos e pardos nas universidades privadas em 2016. A melhora se deve especialmente a financiamentos estudantis, como o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e o Prouni (Programa Universidade para Todos).
Na divisão por idade, 55,6% dos estudantes pretos e pardos entre 18 e 24 anos estão nas universidades do país, enquanto 29,6% deles ainda estão no ensino médio, e 4,9% não saíram do fundamental.
Segundo o IBGE, o percentual de negros cursando ensino superior aumentou de 50,5% em 2016 para 55,6% em 2018, mas continua abaixo dos 78,8% de brancos dessa faixa etária que cursam uma faculdade.
"Existiram avanços na educação, ainda que tenham distanciamentos expressivos entre negros e brancos", disse Cláudio Crespo, coordenador de população e indicadores sociais do IBGE. "A pesquisa mostra melhoras na educação, mas ainda existe desigualdade", continuou Luanda Botelho, analista do instituto.
Outros dados do IBGE mostram essa desigualdade entre negros e brancos. A população preta ou parda tem menores índices de frequência escolar em todas as faixas etárias, níveis de ensino e por ordem de rendimento familiar.
Entre os mais ricos, por exemplo, 7,6% dos negros de 18 a 24 anos com menos de 11 anos de estudo não frequentavam mais a escola. Essa porcentagem é menor entre os brancos: 4,3%. A diferença também é vista na comparação dos mais pobres, com 42,6% dos pretos e pardos dessa faixa etária longe dos estudos, contra 37,4% de brancos.
"A gente percebe que há uma desigualdade estrutural entre as populações. Os pretos ou pardos levam desvantagem de forma geral", disse o analista do IBGE, João Hallak.
Segundo o instituto, um entrave para a equalização do indicador de estudantes cursando o ensino superior reside na menor taxa de ingresso da população preta ou parda nesse nível de ensino.
Em 2018, essa taxa era de 35,4% na população negra e 53,2% na população branca. Esse número representa o percentual da população que concluiu ao menos o ensino médio e então entrou no ensino superior, independente de tê-lo concluído ou não.
O IBGE credita essa diferença à maior proporção de jovens pretos ou pardos que não dão prosseguimento aos estudos por terem que trabalhar ou procurar trabalho. Entre os que tinham de 18 a 24 anos, com ensino médio, que não frequentavam a escola por tais motivos, 61,8% eram negros.
A violência é outro fator que tem se refletido na educação, sobretudo no ensino fundamental e no médio.
Entre os negros, 53,9% declararam estudar em escola situada em área de risco em termos de violência. Já entre aqueles que cursam o nono ano do ensino fundamental, 15,1% declararam ter sido agredidos por algum adulto da família nos 30 dias anteriores à pesquisa, 6,2% tiveram envolvimento em briga com uso de arma de fogo e 8,4%, em briga com uso de arma branca.
"Os problemas de violência incidem de maneira bastante desigual entre homens jovens, pretos ou pardos. A população negra está vivendo em boa parcela em condições de precariedade", disse Crespo.
Enquanto a taxa de homicídios se manteve estável na população branca entre 2012 e 2017, na população negra esse número aumentou de 37,2 para 43,4 homicídios por 100 mil habitantes.
O estudo também mostra que, em 2017, uma pessoa preta ou parda tinha 2,7 vezes mais chances de ser vítima de assassinato do que uma pessoa branca. A taxa de homicídio dos jovens pretos ou pardos do sexo masculino era de 185 por 100 mil habitantes.