A Justiça Federal de Santa Maria marcou para a próxima terça-feira (3), às 15h30min, a primeira audiência do processo que apura injúria racial por meio do envio de mensagens de telefone. O caso envolve o estudante de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Elisandro Ferreira, 44 anos, apontado pelo Ministério Público Federal (MPF) como autor do envio de mensagens por SMS para o próprio telefone e também para o de uma colega.
Ele mesmo comunicou o recebimento do texto à Polícia Federal (PF), ainda em 2017, afirmando ser vítima do crime. Mas foi realizada a quebra do sigilo telefônico e, com isso, a PF concluiu que, de vítima, Ferreira, passou a ser autor do crime que relatou. O caso é acompanhado pela Justiça Federal por envolver uma instituição da União. A audiência será realizada na sede da 2ª Vara Federal e deve ouvir quatro testemunhas de acusação e três de defesa.
Conforme a procuradora da República, titular do 2º ofício no Ministério Público Federal (MPF), Tatiana Dornelles, no lado da acusação, estão previstos os depoimentos da vítima que recebeu as mensagens contendo injúria racial e ameaças, do colega de Ferreira à época, que foi indicado pelo réu como o autor dos envio das mensagens, e ainda dois representantes da Polícia Federal que fizeram parte da investigação que desvendou os crimes.
Já a defesa apresentará como testemunhas vizinhos e amigos do réu. Segundo o advogado Patrick de Oliveira Teixeira, os depoimentos evidenciarão a boa conduta de Elisandro em sociedade:
— Serão testemunhas abonatórias que falarão acerca da conduta social dele, sobre como ele se porta em sociedade, faremos um histórico de vida dele neste sentido. Vamos demonstrar para o juízo a conduta social pregressa do Elisandro, que ele é uma boa pessoa em sociedade. São pessoas que conhecem ele de longa data e irão a juízo dizer sobre o caráter dele. Garanto que após essa audiência de instrução restará provado que não foi ele que cometeu esses crimes. Se alguém fez, não foi ele.
O advogado segue afirmando que "não há argumentos suficientes para condenar Elisandro dentro do processo".
Outra audiência deve ser agendada para ouvir o réu — que foi denunciado pelos crimes de injúria racial, denunciação caluniosa, ameaça e falsidade ideológica pelo Ministério Público Federal no dia 7 de maio de 2019. Em junho deste ano, a Justiça aceitou a denúncia do MPF, e ele virou réu no caso.
A procuradora da República, Tatiana Dornelles, destaca a importância do combate a esse tipo de crime:
— Se a pessoa não tem ética, se quer vencer o seu combate de maneira suja, o Direito também tem suas armas. Ele vai ter que responder e assumir a responsabilidade por suas ações. O que ele fez é sério e extremamente prejudicial ao combate ao racismo, por isso, tem que ter uma resposta dura neste caso. Assim como acontece, por exemplo, quando uma mulher comunica um falso caso de assédio ou estupro. Isso gera desconfiança de outras vítimas. O racismo e o machismo são coisas a serem levadas a sério. O combate também precisa ser sério, feito com ética e não por esse tipo de meio. Por isso, ele foi denunciado.
Histórico dos casos
O caso do envio das mensagens de telefone veio à tona depois que Ferreira e uma colega tiveram os nomes escritos em paredes do Diretório Acadêmico do Direito junto a mensagens racistas, em setembro de 2017. A investigação deste fato foi encerrada na esfera policial, em setembro deste ano, sem indicação de autoria. O inquérito foi encaminhado para manifestação do MPF que arquivou o processo:
— Acabamos tendo um fato posterior em que entendemos que foi o Elisandro que cometeu o crime. Mas, com relação ao fato inicial (das pichações), foi feito exame grafotécnico onde não se concluiu nada. Então, embora esteja em um contexto em que a gente suspeita quem seja o autor, pela ausência de provas, esse primeiro caso foi arquivado —, declarou a procuradora da República.
O caso em que Elisandro virou réu ocorreu três meses depois que os nomes dele e da colega foram escritos na parede da sala da instituição junto a pichações racistas .
De 2017 até agora, a UFSM contabiliza seis manifestações de racismo e ódio dentro da instituição. Do total, apenas um — o que envolveu ataque verbal na Avenida Roraima — foi acompanhado pela Polícia Civil, e o autor foi indiciado pelo crime de injúria qualificada.
As outras cinco situações foram acompanhadas pela Polícia Federal, já que a universidade é uma autarquia federal e os crimes foram constatados em ambientes internos da instituição. Todos foram arquivados sem identificação de autoria — entre elas a que Ferreira foi uma das vítimas.