Criticada pela Ministério Público e por defensores da Operação Lava-Jato, a decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que definiu que, em processos envolvendo delatores, os demais réus devem ser ouvidos por último já repercute no Rio Grande do Sul.
No dia 27 de agosto, os ministros anularam a condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, criando nova interpretação para julgamentos envolvendo réus que colaboram com a Justiça. O ex-dirigente havia sido sentenciado pelo então juiz Sergio Moro. Para a 2ª Turma, o magistrado errou ao abrir prazo para receber ao mesmo tempo as alegações finais, que é a última manifestação antes da sentença, de todos os réus. O STF entendeu que o delator deve ser ouvido antes, permitindo aos demais réus a última palavra.
No Estado, um dos primeiros casos em que a jurisprudência foi aplicada é o da Operação Rotten Money, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em julho de 2018, que apura fraude envolvendo precatórios federais (dívidas do poder público resultantes de decisões judiciais).
Os quatro réus por estelionato e organização criminosa já haviam sido interrogados. Como um deles, um advogado, teve a delação premiada firmada com o Ministério Público Federal (MPF) e homologada pela Justiça Federal, a juíza Cristina de Albuquerque Vieira, da 22ª Vara Federal de Porto Alegre, decidiu ouvir novamente os outros três réus. Dois deles, considerados laranjas do esquema, não quiseram se manifestar após o novo interrogatório do delator, que ocorreu em 30 de agosto. O empresário, que é apontado pelo MPF como um dos líderes da organização, prestará novo depoimento no dia 4 de outubro.
O advogado e professor de processo penal Mateus Marques, que defende o delator, disse que não pode se manifestar em razão do processo estar em segredo de Justiça. Sobre o posicionamento do STF, ratifica a posição da maioria dos ministros.
— É legal, pois o colaborador, apresentando provas ou fatos que ainda não foram discutidos nos autos do processo, deve o magistrado respeitar o contraditório e oportunizar que os demais corréus falem novamente — defende Marques.
GaúchaZH obteve a informação que o delator acabou sendo solto após homologação do acordo de colaboração. Caso não houvesse essa mudança de entendimento, o processo da Operação Rotten Money estaria com prazo aberto para alegações finais e, em seguida, estaria pronto para sentença.
Ao comentar a anulação da condenação de Bendine, o ex-coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Brasília, procurador-regional da República Douglas Fischer, considerou a decisão do STF um equívoco.
— Em primeiro lugar, não existe qualquer previsão legal expressa no sentido de que colaboradores-réus devam falar antes dos demais réus envolvidos na ação penal. Quem sempre fala primeiro é a acusação. No caso, todos os réus falaram por último. O que pretendia o impetrante é que ele falasse depois de outro réu que foi colaborador. O que o Código de Processo Penal determina é que, nos termos dos artigos 403 e 404, sejam abertos prazos sucessivos para as partes (primeiro acusação, depois defesa). Mas não refere que se, dentre um dos réus, houver colaborador, tenha que ele falar antes que os demais envolvidos e que foram referidos pelo colaborador — pondera Fischer.
Operação Rotten Money
Segundo a acusação, o grupo criminoso com atuação no Rio Grande do Sul e no Distrito Federal teria sacado pelo menos R$ 3 milhões de precatórios com a utilização de documentos falsos. Três réus foram soltos e um segue preso preventivamente.