O investidor que vencer a licitação para explorar o parque zoológico de Sapucaia do Sul terá de quadruplicar a arrecadação apenas para empatar com os custos e não sofrer prejuízos anuais. Na média dos últimos três anos, o zoo teve receitas de R$ 2,7 milhões e despesas de R$ 11,4 milhões, diferença de 422% que gerou déficit de R$ 8,7 milhões. Para cobrir o rombo, pagar os 60 funcionários, alimentar animais e manter as portas abertas, são necessários aportes com recursos de outras fontes do governo estadual, já pressionado por uma crise financeira.
Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) junto à Fundação Zoobotânica, ligada à Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) e atual administradora do parque. Os balanços revelam ainda que, desde o governo de José Ivo Sartori, que iniciou o processo de concessão do zoo, até a gestão de Eduardo Leite, que lançou o edital, uma informação equivocada é propagada pelos agentes públicos envolvidos com a licitação: a de que o prejuízo anual com o parque seria de R$ 5,1 milhões, enquanto o valor real se aproxima dos R$ 9 milhões. Titular da Sema, Artur Lemos Júnior disse que "não entraria no mérito" do erro de cálculo cometido nos últimos anos pelo Estado, mas assegurou que os estudos de viabilidade da concessão foram feitos com base nos indicadores corretos de receitas, despesas e déficit.
O futuro gestor privado, além de equilibrar o caixa, precisará gerar ainda mais faturamento para cobrir outros três compromissos, dois deles ainda não estimáveis. Um é a chamada outorga, que consiste no valor que o eventual interessado irá oferecer em leilão como pagamento ao Estado para gerir o zoo. Vence a licitação quem apresentar a maior outorga. Depois, o concessionário terá de quitar a outorga variável: isso significa repassar ao governo mensalmente 1% das receitas totais arrecadadas pelo parque. O terceiro item a ser coberto pelo concessionário é a necessidade de investir até R$ 59 milhões, dos quais R$ 25 milhões são obrigatórios, ao longo dos 30 anos de concessão, em obras de modernização do zoo.
Diante dos números, as limitações para o sucesso são reconhecidas pelo próprio governo Eduardo Leite, que lançou o edital e definiu o dia 28 de maio para a entrega das propostas dos interessados.
— O zoo sozinho como negócio não é viável. Portanto, é de suma importância o desenvolvimento de receitas acessórias — admite Claudio Gastal, secretário de Governança e Gestão Estratégica.
Em termos práticos, se depender exclusivamente da bilheteria, a concessão não é vantajosa — o tíquete custará R$ 15, sendo necessário observar as gratuidades e benefícios de meia-entrada previstos em leis municipal, estadual e federal. Para equilibrar receitas e despesas somente com ingressos, seria preciso triplicar ou quase quadruplicar o número de visitantes, passando dos atuais 257 mil ao ano para algo que se aproxime de um milhão.
Hoje, o zoo de Sapucaia, gerido pelo Estado, tem receitas de aluguel de espaços para restaurantes e lancherias, mas, nos últimos três anos, essas verbas representaram uma média de R$ 262,7 mil anuais, pouco menos de 10% do total de arrecadação. O edital lista uma série de atividades acessórias que poderão ser empreendidas sem autorização prévia do poder público nos 150 hectares de área do zoo para ampliar o leque de receitas: venda de publicidade, área de estacionamentos, eventos culturais, esportivos e comerciais, alimentação, aluguel de bicicletas, palestras, cursos e seminários, atrações como safari e fazendinha e até a exploração do nome do parque (naming rights).
Exemplos de modelo privado
A concessionária também poderá realizar outras ações dentro da sua expertise para turbinar receitas, mas precisará de anuência do Estado caso elas não estejam entre as pré-autorizadas. O edital não restringe nenhuma prática comercial, mas Gastal assegura que o poder púbico atuará para manter a vocação ambiental, educacional e de preservação de espécies do zoológico, sem permitir empreendimentos "que descaracterizem a finalidade do parque ou perturbem os animais, tais como shopping, hotel, pista de kart, etc."
O entrave para a alavancagem de caixa é que, em zoológicos referenciais, a principal receita é o valor do ingresso — no GramadoZoo, por exemplo, a entrada custa R$ 66, enquanto o BronxZoo, em Nova Iorque, cobra US$ 39,95 dos adultos, patamares superiores ao previsto em Sapucaia. Para Marcos Gomes, diretor do GramadoZoo, na serra gaúcha, é "inviável" cumprir as obrigações do edital e tornar o negócio atrativo com bilhetes a R$ 15. Ele comentou especulações de bastidores de que a sua empresa poderia apresentar lance para adquirir a concessão:
— Neste formato, não. Acredito que, para a adequação do zoológico de Sapucaia do Sul, o valor de investimento deverá ser superior ao mencionado no edital.
O governo Leite, contudo, demonstra confiança e não trabalha com a hipótese de a licitação resultar deserta.
— Fizemos um roadshow em São Paulo, em março de 2019, com a presença do governador, e entendemos que teremos interessados — pontua Gastal.
Prefeitura do Rio concedeu zoo à iniciativa privada
A tentativa do governo gaúcho de conceder um zoológico público à iniciativa privada, por entender que não cabe mais ao endividado Estado cuidar de atividades que estejam além do essencial, encontra pelo menos um paralelo no Brasil: a prefeitura do Rio, em outubro de 2016, fez licitação e entregou a gestão do parque da cidade ao Grupo Cataratas, o mesmo que administra as Cataratas do Iguaçu, no Paraná.
O concessionário pagou R$ 4 milhões de outorga fixa e, ao longo do contrato, terão de ser quitadas outorgas variáveis sobre a receita bruta. Em 35 anos de concessão, devem ser investidos R$ 130 milhões em melhorias. Quase três anos após o início da gestão privada, a visitação ao RioZoo está restrita aos sábados, domingos e feriados, com ingressos temporariamente reduzidos a R$ 10, em virtude das obras. Os gestores, apesar do período de adaptação, acreditam na viabilidade negócio.
— Temos alguns fatores que nos dão confiança, mesmo com o ingresso limitado a R$ 35 (esse é o valor máximo previsto após a conclusão das obras). Destacamos que o Rio é uma cidade com grande população, que já recebe muitos turistas e o Grupo Cataratas têm outros ativos na cidade que podem ter grandes sinergias (AquaRio e Paineiras Corcovado). Por isso, acreditamos que o projeto deve ser viável — avalia Bruno Marques, presidente do Grupo Cataratas.
A principal fonte de receita do RioZoo é o valor do ingresso, mas o planejamento é acrescentar acessórios como o passeio em um rio de 400 metros cercado de vegetação, lojas de souvenires, estacionamento e fotos de recordação. Marques projeta que o circuito de visitação estará finalizado no primeiro trimestre de 2020 e, depois disso, a meta é receber "mais de um milhão de visitantes por ano". Questionado pela reportagem, o Grupo Cataratas não comentou a hipótese de participar da licitação do zoo de Sapucaia do Sul.
Raio-X do Zoo de Sapucaia do Sul
- Número de funcionários — 60
- Plantel — 1.213 animais expostos em área de cerca de 25 hectares
- Área total — 150 hectares
- Visitantes — 255,8 mil (2016), 262,5 mil (2017), 253,4 mil (2018)
- Aluguéis cobrados atualmente pelo zoo para exploração comercial — restaurante (R$ 5,8 mil), cafeteria (R$ 1,2 mil), quatro pontos de venda de picolés (R$ 10,9 mil), locação na "área do pesqueiro" (R$ 1 mil), local de estacionamento para a empresa White Martins Gases Industriais (R$ 6,6 mil)
Receitas em 2018
- Bilheteria — R$ 1,9 milhão
- Aluguéis — R$ 334 mil
- Venda de animais — R$ 9 mil
- Outras — R$ 26,3 mil
- Total — R$ 2,2 milhões
Receitas em 2017
- Bilheteria — R$ 2,6 milhões
- Aluguéis — R$ 258,4 mil
- Venda de animais — R$ 0
- Outras — R$ 20,5 mil
- Total — R$ 2,9 milhões
Receitas em 2016
- Bilheteria — R$ 2,7 milhões
- Aluguéis — R$ 195,8 mil
- Venda de animais — R$ 0
- Outras — R$ 13,1 mil
- Total — R$ 2,9 milhões
Média de receitas dos últimos três anos
R$ 2,7 milhões
Principais despesas em 2018
- Folha de pagamento — R$ 4,8 milhões
- Auxílio-refeição — R$ 831,9 mil
- Alimentação de animais — R$ 558,9 mil
- Serviço de vigilância — R$ 1,3 milhão
- Serviço de limpeza — R$ 402,2 mil
- Total — R$ 11,2 milhões
Principais despesas em 2017
- Folha de pagamento — R$ 5,2 milhões
- Auxílio-refeição — R$ 1 milhão
- Alimentação de animais — R$ 619,4 mil
- Serviço de vigilância — R$ 1,3 milhão
- Serviço de limpeza — R$ 401,4 mil
- Total — R$ 11,4 milhões
Principais despesas em 2016
- Folha de pagamento — R$ 5,2 milhões
- Auxílio-refeição — R$ 901,8 mil
- Alimentação de animais — R$ 636,7 mil
- Serviço de vigilância — R$ 1,4 milhão
- Serviço de limpeza — R$ 612,2 mil
- Total — R$ 11,7 milhões
- Média de despesas dos últimos três anos — R$ 11,4 milhões
- Média do déficit nos últimos três anos — R$ 8,7 milhões