RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Moradores que tiveram suas casas demolidas na comunidade da Muzema, no Rio de Janeiro, podem buscar ressarcimento pelos valores investidos, mesmo que a moradia tenha sido comprada de forma irregular, segundo a Defensoria Pública.
Mas moradores temem a ação dos milicianos e, por isso, não pediram ajuda da prefeitura e até o momento evitam ir atrás dos seus direitos.
A Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH) atendeu 61 famílias na Muzema nos dias após a tragédia. Nenhuma quis o acolhimento oferecido pelo órgão, segundo apurou a reportagem.
As demolições de prédios no local começaram há cerca de uma semana. Dois prédios estão sendo derrubados ao lado dos edifícios que desabaram no dia 12 de abril, matando 24 pessoas e ferindo sete. Outras quatorze construções terão o mesmo destino.
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro afirma que os moradores têm direito de buscar ressarcimentos pelos danos com as demolições, mesmo que os imóveis tenham sido erguidos ilegalmente, por meio de um mercado paralelo dominado por milícias, como suspeita a Polícia Civil.
Cerca de cem pessoas foram retiradas de suas casas pela Defesa Civil depois da tragédia em Muzema. Todos os edifícios do local estão em situação irregular.
No dia da queda dos prédios, uma sexta-feira, e também no fim de semana seguinte, a reportagem esteve no local e era possível encontrar famílias, moradores e amigos de moradores nas proximidades do desabamento. Contudo, nos dias posteriores, moradores passaram a ser intimidados por milicianos, segundo relatos, e deixaram a região.
Nos dias seguintes à tragédia, pessoas filmavam e fotografavam profissionais de imprensa que trabalhavam na Muzema. A partir daí, não foi mais possível encontrar moradores desalojados ou desabrigados. A reportagem tentou falar com alguns nos últimos dias, sem sucesso. Segundo relatos, há quem tenha sido expulso por conversar com jornalistas.
No dia da tragédia, a reportagem conversou com um homem que morava em um dos prédios que começaram a ser demolidos na última quarta. Ele se apresentou como Célio e afirmou que trabalhava com a produção de quentinhas. Também apontou ser o único morador de um edifício futuramente demolido.
Na ocasião, o homem afirmou que ia morar com um irmão em Rio das Pedras enquanto sua casa estivesse interditada -ele ainda não sabia da demolição.
Mas demonstrou medo de ficar desabrigado e não quis dizer quanto pagou pelo imóvel, apesar de indicar o envolvimento de milicianos, tratados por ele como "pessoas que mandam na região".
Em janeiro, a operação Intocáveis mirou líderes milicianos que controlavam Muzema e a vizinha Rio das Pedras. Um deles: o ex-PM Adriano da Nóbrega, que foi colega de batalhão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) investigado pelo Ministério Público. O próprio Nóbrega já foi homenageado pelo filho do presidente Jair Bolsonaro.
No dia 19 de abril, a Justiça decretou a prisão temporária, por 30 dias, de três investigados pela tragédia em Muzema e apontados como responsáveis por construir e comercializar as unidades no condomínio Figueiras de Itanhangá. O trio é considerado foragido.
Vítimas apontaram José Bezerra de Lima, o Zé do Rolo, como construtor dos imóveis e Renato Siqueira Ribeiro e Rafael Gomes da Costa como os corretores. Eles foram reconhecidos por vítimas e são investigados por envolvimento com as milícias.