Dois prédios residenciais desabaram no início da manhã desta sexta-feira (12), na comunidade da Muzema, na zona oeste do Rio de Janeiro. Ao menos quatro pessoas morreram e nove ficaram feridas. Duas pessoas foram resgatadas com vida dos escombros e 13 ainda estão desaparecidas.
Um dos mortos é Cláudio José de Oliveira Rodrigues, 39; os outros são um homem, uma criança e um adolescente, cujas identidades não foram divulgadas.
Segundo a prefeitura, os prédios eram irregulares. O bairro onde ocorreu o desabamento é área de atuação da milícia comandada, segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro, pelo ex-policial militar Adriano da Nóbrega.
Foragido há quase três meses, ele foi companheiro no 18º Batalhão da PM de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) sob investigação do MP-RJ, e tinha a mãe e a mulher nomeadas no gabinete do senador quando este exercia mandato na Assembleia Legislativa do Rio.
Um terceiro sobrevivente foi removido dos escombros pelos próprios moradores antes da chegada das equipes de resgate. A vítima foi levada sobre uma porta por moradores até uma ambulância do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), que estava a seis quadras do local.
Mais duas pessoas foram encontradas com vida nos escombros dos prédios que desabaram. Uma mulher e um garoto foram resgatados e retirados das ruínas. Ainda de acordo com os moradores, três crianças da mesma família estão desaparecidas.
A região é de difícil acesso e foi bastante castigada pelo temporal da última segunda (8), que alagou ruas, avenidas, casas e matou dez pessoas em várias partes da capital fluminense.
Segundo sobreviventes, os edifícios tinham quatro e seis andares e ainda estavam em obras. Ao menos quatro famílias viviam nas construções. Antes da queda, foram ouvidos estalos na estrutura.
"As construções, além de irregulares, são construídas por leigos, pessoas que devem ter trabalhado em uma obra apenas, visto como faz e feito esses modelos aí. Todos os prédios que estão ali correm esse risco. Eu contei uns 60 prédios em uma olhada rápida", disse à Globo Jorge Mattos, coordenador da comissão de análise e prevenção de acidentes do Rio.
A Defesa Civil interditou seis prédios ao lado dos dois edifícios que desabaram. Apenas em um deles os moradores tiveram alguns minutos para retirar documentos pessoais dos apartamentos. Os demais moradores não podem ingressar nos locais.
Sebastião Bruno, secretário de infraestrutura do Rio, disse que três prédios ao lado dos dois que desabaram serão demolidos por conta dos riscos. Outros três vão passar por vistoria para saber se será necessária a remoção.
As famílias que ficarão desabrigadas vão receber aluguel social da prefeitura.
Carolina Andrade Ferreira, 34, foi resgatada pelos bombeiros por volta de 13h com vida. Ela morava com uma outra irmã, Divina Patrícia Andrade Ferreira, 39, e um cunhado, que estão desaparecidos.
Divina estava de passagem pelo Rio para visitar a família, com passagem marcada de volta para Paraíba nesta sexta.
A motorista Elaine Pereira, 37, viu pela televisão que o prédio de sua prima Carla Trajano, 31, desabou na comunidade de Muzema.
Ela saiu da zona norte da cidade e não teve notícia da prima, que está desaparecida, assim como o marido dela, Jeferson Trajano, e os filhos Enzo e Artur, de 6 e 4 anos.
"Resgataram um menino de 4 anos, mas se chamava Rafael, não era o Enzo. Estou agoniada", disse Elaine.
Ela contou que a compra do apartamento no condomínio Figueiras do Itanhangá era a realização de um sonho para a prima. "Eles tinham o sonho da casa própria, sempre moraram de aluguel, aí se mudaram para cá no Natal", afirma Elaine.
Ela avisou a prima sobre a preocupação com a segurança no local. Elaine afirma que o apartamento não foi barato. "Custou uns 200 mil, pelo que sei. Todos sabem que esses milicianos só querem ganhar. Quando vim conhecer, fiquei preocupada com a segurança dela", disse.
O ex-PM Adriano da Nóbrega é acusado de comandar a milícia das comunidades de Rio das Pedras e de Muzema, onde houve o acidente. As investigações do MP-RJ apontam que ele liderava a exploração de construções irregulares na região.
Milícias como a da Muzema costumam ser responsáveis ou proteger a construção de prédios sem licença dos órgãos públicos. Os moradores e comerciantes que ocupam os edifícios passam a ser fonte de renda das quadrilhas.
A Prefeitura do Rio afirma que o grupo paramilitar dificulta a atuação de fiscais do município na região.
"A região é uma Área de Proteção Ambiental (APA) e os prédios ali construídos não respeitam a legislação em vigor. Por se tratar de área dominada por milícia, os técnicos da fiscalização municipal necessitam de apoio da Polícia Militar para realizar operações no local. Foi o que aconteceu em novembro de 2018, quando várias construções irregulares foram interditadas e embargadas pela prefeitura", afirmou a gestão municipal em nota.
De acordo com a legislação, a região só poderia ter casas para uma família, e não prédio com diversas unidades.
A prefeitura afirmou, em nota, que desde 2005 faz autuações a fim de impedir o crescimento irregular da comunidade. Foram 17 autos de infração desde aquele ano até o momento na região.
"Na Muzema, as construções não obedecem aos parâmetros de edificações estabelecidos, como afastamento frontal, gabarito, ocupação, número de unidades e de vagas", diz a prefeitura.
O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), esteve no prédio que desabou na manhã desta sexta. Ele saiu sem falar com a imprensa e foi vaiado por moradores.
O governador do estado, Wilson Witzel (PSC), lamentou as mortes. "Infelizmente, já há mortos e feridos vítimas do desabamento da Muzema. Situação lamentável, que acompanho com atenção", escreveu em rede social.
Entre 2007 e 2018, a mãe e a mulher do ex-capitão Adriano da Nóbrega estiveram nomeadas no gabinete de Flávio Bolsonaro. O senador afirmou que o responsável pela contratação delas foi Fabrício Queiroz, que assumiu o fato.
Queiroz é o ex-assessor do senador investigado por lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio. Ele se tornou alvo do MP-RJ após o Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) identificar uma movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão em sua conta bancária entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017.
Queiroz é policial militar aposentado e amigo há mais de 30 anos do presidente Jair Bolsonaro, que o indicou para a vaga no gabinete do filho.
Em janeiro, a defesa de Queiroz afirmou em nota que "repudia veementemente qualquer tentativa de vincular seu nome a milícia" e que "a divulgação de dados sigilosos obtidos de forma ilegal constitui verdadeira violação aos direitos básicos do cidadão".
Segundo o advogado Paulo Klein, Queiroz conheceu Nóbrega quando trabalharam juntos no 18° Batalhão da Polícia Militar e não sabia do suposto envolvimento com milícias.
Ainda segundo seu advogado, Queiroz solicitou a nomeação da mulher e da mãe do colega para o gabinete de Flávio Bolsonaro porque a família passava por dificuldades.
A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Adriano da Nóbrega.