Especializadas em atender crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, com acolhimento cognitivo e afetivo, as duas escolas estaduais em funcionamento de regime aberto em Porto Alegre, Ayrton Senna da Silva e Vila Cruzeiro do Sul, vêm enfrentando problemas com a Secretaria Estadual de Educação (Seduc). Até a última quinta-feira, o órgão não estava autorizando a matrícula para estudantes de 1º e 2º ano do Ensino Fundamental.
Após reunião das direções com a Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia na Assembleia Legislativa e com a promotora da Infância e Juventude de Porto Alegre, Danielle Bolzan, a secretaria recuou e autorizou as matrículas.
— A promotora disse que deveríamos seguir nosso regimento, que é renovado a cada três anos e está com validade até 2021, e prevê essas turmas. Ela cobrará do Estado o cumprimento — explicou o diretor da Escola Ayrton Senna, Adroaldo Machado Ramos.
A decisão, no entanto, não tranquilizou as direções das escolas, já que boatos sobre fechamento rondam as instituições há anos. Segundo a Seduc, essa modalidade de escola é uma experiência em educação de 1982, que possui metodologia especial de ensino e precisa de adequação legislativa para estar de acordo com as leis que protegem as crianças e adolescentes, como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, todas posteriores ao ano de 1982. Diagnósticos para a avaliação das instituições estão em curso e não há previsão de fechamento até o momento.
Apenas quatro funcionam no RS
As escolas abertas têm um funcionamento especial dentro da rede pública de ensino, pois atendem crianças em situação de vulnerabilidade social, encaminhadas por órgãos de Proteção à Infância e Adolescência, como Ministério Público, Conselhos Tutelares e abrigos, entre outras instituições. Elas são consideradas abertas por receberem alunos em qualquer época do ano e nunca interromper o trabalho docente. No Rio Grande do Sul, existem apenas mais duas, em Cruz Alta e Santa Maria.
As matrículas desses alunos são realizadas diretamente nas escolas e não via Central de Matrículas, como as demais. E como não estavam no sistema da Central, as duas escolas apareciam como se não tivessem alunos.
— Por isso, todo ano faço a renovação das turmas pessoalmente, mas desta vez tinha sido negado. A justificativa foi a de que o custo para manter a escola é muito alto — detalha Ramos.
Alunos com traumas profundos
O diretor da Escola Ayrton Senna, Adroaldo Machado Ramos, recebe R$ 1,6 mil por mês para manter a escola, sendo que 30% desse valor é investido na merenda escolar (com produtos da agricultura familiar, conforme determina a lei) e 70% nos demais suprimentos, como arroz e feijão, e material didático. A escola funciona em um prédio alugado, com custo mensal de cerca de R$ 3 mil, e tem 10 funcionários.
Segundo Ramos, em 2018, a Seduc já havia negado novas turmas para o 1º ano (a escola atende até o 5º) e, neste ano, para o 1º e 2º anos.
— Essa ameaça de fechamento existe há anos, fecharam a que existia em Passo Fundo ano passado. Tenho 40 anos de profissão, cinco especializações, e sempre acreditei que educação era investimento. Como fica esta parcela da sociedade que, provavelmente, irá evadir de uma escola regular? Os professores de escolas com 500, 600 alunos não têm condições de atender alunos que passaram por traumas tão profundos — desabafa.
Mesmo antes, sem as matrículas no sistema, a Escola Ayrton Senna estava atendendo a todos os alunos inscritos, um total de 55. Ainda há uma lista de espera com mais 10.
"Última porta antes da rua"
A Escola Estadual Vila Cruzeiro do Sul, no bairro Cristal, atende 140 pessoas, em três turnos, do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Quinze jovens estão em semiliberdade da Fase, além de outros com necessidades especiais. Nela, os professores também vinham trabalhando normalmente, mesmo sem as crianças inseridas no sistema.
A instituição funciona no mesmo terreno onde estão um posto de saúde e o Centro de Convivência e Profissionalização (Ceconp) da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase). Em 2017, a estrutura que compete ao educandário recebeu uma reforma geral no telhado, salas de aula, biblioteca, sala de recursos, cozinha, refeitório, acessibilidade, quadra esportiva, entre outras instalações. Conforme reportagem da Seduc daquele ano, com investimento de R$ 1,4 milhão.
O diretor Alyson Nascimento disse que há ainda a informação de que a Secretaria teria a intenção de transformar a escola em regular, ou seja, com atendimento irrestrito para todo tipo de estudante. A Seduc não confirmou a informação.
— Em uma escola regular eles não terão o mesmo atendimento que aqui, onde existe um olhar especial. Somos a última porta antes da rua — afirmou.