Atingido por toneladas de rejeitos de minério, o Rio Paraopeba é mais uma vítima da tragédia de Brumadinho (MG). Em pontos próximos ao município — devastado pelo rompimento de barragens da Mina Córrego do Feijão, na última sexta-feira — o afluente do São Francisco está espesso e tingido de vermelho, preocupando órgãos ambientais e quem depende do manancial para sobreviver.
Antes de alcançar o leito do Paraopeba, a nove quilômetros da mina, a enxurrada de lama se espalhou por uma área de 290 hectares (o equivalente a 290 campos de futebol), segundo a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais.
O lamaçal soterrou córregos e arrasou comunidades rurais, arrastando pessoas, animais, casas, estradas, mata e plantações. Chegou trazendo "morte", nas palavras do aposentado José Geraldo da Silva, 56 anos. Ele vive à beira do rio e, ao lado do vira-lata Branquinho, observa com pesar a transformação da paisagem.
Perto dali, é possível ver, amontoados sobre pedras, restos de vegetação e detritos, empurrados pelo tsunami de barro. Também é visível o lodo acumulado onde antes havia cascalho. O material deixa a água densa e turva, como um achocolatado. O mau cheiro incomoda.
— Encontraram quatro corpos aqui e é possível que tenha mais. Os peixes desapareceram. Muitos morreram e foram levados pela água. Acho que esse rio acabou — lamenta Silva.
Na vizinhança, os produtores rurais João Messias dos Reis, 64 anos, e Mauri dos Reis, 62, decidiram levar 15 porcos, seis cavalos e um número grande de galinhas para outra área, longe dali. Querem manter os animais afastados de riscos.
— Antes eles bebiam a água do rio, que a gente também usava na horta. Agora, não dá mais. Achamos melhor tirar os bichos daqui — explica Reis.
Nascido e criado em Brumadinho, o aposentado Francisco Ferreira da Silva, 86 anos, diz não acreditar no que os olhos cansados veem.
— A vida aqui se foi. Já sou velho. Vou morrer e nunca vou mais ver o rio como era. E era bonito demais, cheio de peixe — desabafa.
Até a catástrofe, havia mandis, surubins, tambaquis, curimbas, dourados e até piranhas por ali, asseguram moradores das redondezas. Agora, comunidades ribeirinhas cuja renda se baseia na pesca temem pelo futuro.
Dava para ver as pedrinhas no fundo e tinha muito peixe. Tinha mandi, surubim, tambaqui, curimba. Agora é só lama. Aqui em Brumadinho não tem mais peixe.
MÁRCIO FRANCISCO APARECIDO
Pedreiro, 54 anos
Mesmo longe de Brumadinho, a situação é difícil. Em Juatuba, a cerca de 45 quilômetros da distância, a turbidez do rio é menor, graças à presença da Usina Termelétrica de Igarapé, que funciona como um obstáculo à passagem dos rejeitos. Ainda assim, a cor da corrente do rio, chamada de caudal, mudou. Os habitantes foram orientados a suspender o lançamento de tarrafas e anzóis. Hoje, não se vê sequer caniços ali.
— A lama começou a chegar no domingo. Fomos correndo ver. Assustou todo mundo — conta o pescador Denis Alves, 28 anos.
Em sua canoa de madeira crua, Amarildo Alves Rodrigues, o Beré, 49 anos, percorre o leito com a ajuda de uma taquara e analisa os resíduos movimentados pela correnteza.
Pescador há duas décadas, garante que já fisgou um surubim de 50kg. Aponta para a margem direita, formada por mata fechada e capim, e diz:
— Ali moravam pescadores. Foram embora depois da tragédia. Em um dia normal, hoje a gente veria aqui uns cem pescadores e umas 20 canoas, no mínimo. Todo mundo caiu fora.
Questionado sobre o que fará daqui para a frente, afirma que terá de procurar um emprego "em alguma empresa".
— Os bombeiros avisaram para não pescar mais. Pode ter doença de rato (leptospirose) aí, então temos de obedecer. Mas me viro. Algum serviço, arrumo — conclui.
Os rejeitos avançam 0,25 metros a cada segundo, conforme boletim de acompanhamento divulgado pelo Serviço Geológico do Brasil e pela Agência Nacional de Águas. Até o fim da tarde de terça-feira, haviam percorrido 55 quilômetros.
É um crime o que aconteceu aqui. Não podemos mais usar a água do rio na horta, nem para dar aos animais. Virou uma água barrenta, vermelha, sem condições.
MAURI FERNANDES DE SOUZA REIS
Produtora rural, 62 anos
A boa notícia é que a velocidade de expansão da mancha marrom diminuiu nos últimos dias, com maior dispersão dos resíduos. Nas coletas que aconteceram no local, os técnicos não detectaram alterações significativas em indicadores examinados como temperatura, pH (que indica o nível de acidez) e oxigênio dissolvido.
Apesar disso, o risco de problemas persiste. A previsão é de que a lama alcance, entre os dias 15 e 20 de fevereiro, a Usina Hidrelétrica de Três Marias, na Bacia do Rio São Francisco, podendo afetar o fornecimento de água para milhares de pessoas.
Em nota, o Fórum Brasileiro de Bacias Hidrográficas cobrou medidas das autoridades, alertando para "perdas em grande parte irreparáveis".
Nesta quarta-feira (30), a Vale, empresa responsável pela Mina Córrego do Feijão, iniciou a instalação de uma "cortina de contenção" no Paraopeba, em Pará de Minas, a 76 quilômetros de Brumadinho. A esperança é de que a barreira impeça o avanço do barro e possíveis prejuízos à captação de água, mas os resultados só serão conhecidos nos próximos dias.