O número de venezuelanos que passa a viver no Rio Grande do Sul cresceu acima do previsto. Aos 96 aguardados no desembarque do aeroporto Salgado Filho nesta terça-feira (18) somaram-se mais 11 que vão para Santo Antônio da Patrulha, no Litoral Norte, totalizando 107 pessoas. O longo voo desde Boa Vista, capital de Roraima, que aterrissou em Porto Alegre no fim da tarde pôs fim a um período de angustia e expectativa para essas famílias que deixaram seu país após o agravamento da crise econômica em busca de condições de sobrevivência.
O acréscimo na cota gaúcha aconteceu em São Paulo, na escala feita pelo avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para o desembarque de um grupo de 93 venezuelanos que ficaram no Estado paulista. Jesus Gregorio Neza, 30 anos, já vivia há três meses em Esteio, em um abrigo no bairro Salgado Filho, e trabalhava em um atacado no centro de Porto Alegre, mas voltou para a Venezuela porque o filho de um ano e meio estava em coma. Depois de 12 dias internado, Jesus Arturo morreu.
Neza voltou ao programa de interiorização e, junto com 10 familiares — sete adultos e quatro crianças —, estava indo para São Paulo, mas conseguiu ser incluído na última hora no grupo com destino às cidades gaúchas. O ministro do Desenvolvimento Social, Alberto Beltrame, que acompanhou o voo, avaliou que seria melhor retornar ao Rio Grande do Sul, onde já há vínculos, do que recomeçar em São Paulo.
Em Boa Vista, a recepção aos passageiros do voo da FAB era feita pelo próprio ministro — também embarcaram os representantes de 10 prefeituras do Estado que foram a Roraima conhecer os processos para receber imigrantes.
— Agora é festa — dizia Beltrame a todos que chegavam com a expectativa de morar em uma cidade com maior oferta de empregos.
Entre "saludos" e "vamos", os venezuelanos que aguardavam pela decolagem foram tomados por um silêncio abastecido do medo do desconhecido, na aceleração da aeronave. Para a maioria, foi a primeira viagem de avião da vida. A coragem de quem deixou casa, família, vizinhos e amigos na Venezuela, sem a certeza de que a vida seria melhor no Brasil venceu, e se transformou em gritos e aplausos.
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Primeiros da fila do guichê de embarque, a família Rivas vai morar em uma casa ao lado da Escola Marista, à beira da RS-040, em Viamão, na Região Metropolitana. O espaço já foi utilizado como residência pelos religiosos, que cederam o local, em parceria com a prefeitura. Ansioso por voar pela primeira vez na vida, Ramon Rivas, 40 anos, espera por um emprego:
— Trabalhava com mecânica de automóveis e minha mulher era doméstica. Saímos da Venezuela porque não tínhamos comida, nem atendimento médico.
Rivas viveu três meses na rua, após deixar a mulher e sete dos nove filhos na Venezuela — dois já vivem no Rio Grande do Sul. A viagem de mil quilômetros de Tigres até Boa Vista foi feita com caronas em carros e caminhões, e o último trecho, a pé. Voltou ao país vizinho para buscar a família, já que o que ganhava em pequenas tarefas na capital de Roraima não dava para alimentá-los.
O processo de interiorização dos Rivas levou seis meses, desde que informaram a agência para imigração da ONU que tinham duas filhas morando em Canoas. Em um hotel desativado, reformado pela prefeitura vivem Leandris de Los Angeles, 25 anos, que trabalha fazendo faxinas, e Elismar Sarai Rivas, 19 anos.
— A primeira coisa que vou fazer é abraçá-las. Não as vejo há três meses, desde que saíram do abrigo em Roraima.
Em Viamão ficarão 39 pessoas. Orgulhosa, pra cima e para baixo com a câmera na mão, a assistente social Lenara Vaz Guedes não escondeu a emoção ao ouvir a comemoração dos mais novos moradores de seu município:
— Tem coisas na vida que não têm preço.
Santo Antônio da Patrulha vai acolher 51 venezuelanos, com foco nas oportunidades de trabalho do veraneio e também na agropecuária da cidade, defasada com o êxodo rural. Segundo o vice-prefeito José Francisco Ferreira da Luz, que acompanhou a comitiva do governo federal em Roraima, os trabalhadores selecionados irão trabalhar na indústria da rapadura, com emprego de cozinheiras e de pessoas que trabalhem no embalo do produto. Também serão preenchidas vagas ociosas no Sine municipal, como soldador, técnico agrícola, mecânico, operador de máquinas pesadas para colheita e motorista de trator.