É difícil encontrar um metro de campo limpo nos 50 hectares dos irmãos Lorençon, em São Caetano, localidade do município de Água Santa, no norte do Estado. Onde antes a família criava vacas de leite e frango sobrou agora um charco de barro, misturado à serragem, coberto por escombros de concreto, madeira, aço, ferro e zinco.
Olhar ao redor é pura desesperança. Onde a vista alcança, longe no horizonte, é possível enxergar o brilho dos pedaços de telha pendurados no que restou do topo das árvores.
Das quatro casas da propriedade, duas praticamente desapareceram, levadas pelo vento. As que sobraram perderam o telhado e estão com a estrutura abalada. Os dois galpões, um deles construído há dois meses, foram ao chão, soterrando carros, caminhões, duas colheitadeiras e outros maquinários agrícolas.
Duas vacas e um terneiro morreram. Torres de transmissão, feitas de aço galvanizado, mais pareciam de arame, dada a facilidade com que padeciam retorcidas no chão. Em uma encosta ao lado do terreno, centenas de pinheiros destroçados deformavam a paisagem.
Os dois aviários nos quais Tadeu Lorençon, 62 anos, criava 35 mil frangos, não existem mais. Da estrutura de 2.740 metros quadrados ficaram apenas comedores espalhados pelo chão, enredados em fios e cabos, em um ambiente onde ainda predomina o mau cheiro da carne putrefata de 15 mil aves mortas. Tadeu conseguiu salvar a maior parte da produção. Ainda ontem, voluntários ajudavam a recolher alguns animais perdidos no campo.
Enquanto buscavam consolo nos amigos e no vizinho, que vieram ajudar na limpeza do terreno, Tadeu e o irmão Pedro, de 55 anos, lembravam os momentos de pavor vividos durante a madrugada.
Pedro estava em casa com a mulher, dois filhos e uma nora na noite de segunda-feira (11). Quando o vento trinou do lado de fora, ele chamou o resto da família para o seu quarto, por onde tentariam descer para o porão. Não deu tempo.
— O alçapão começou a levantar. Então, eu e minha mulher ficamos em cima, escorados na parede, tentando segurá-lo. Quando minha filha vinha pra cá, o vento levou tudo. As paredes do corredor caíram, a guria ficou embaixo de dois guarda-roupas, que desabaram. Meu guri e a mulher dele, grávida, tentaram correr, mas uma viga caiu sobre a cama. Os móveis foram arrastados, e eles ficaram debaixo das madeiras. Das quatro paredes de concreto dos quartos, três foram levadas pelo vento. Só ficou essa, onde a gente tava encostado. Chovia, relampejava, e nós aqui apavorados – conta Pedro, em lágrimas.
Quando o vento acalmou, a família correu para a casa do irmão, que ficava a 10 metros dali. Mas já não havia mais nada. O chalé de madeira foi varrido, todas as paredes foram abaixo. Tadeu, a mulher e um filho estavam abrigados no porão, mas até o assoalho havia levantado voo com o vento, deixando-os sem cobertura.
— Quando a gente desceu, primeiro foi a casa que sumiu. Depois, o assoalho. Clareou o céu sobre a nossa cabeça. A gente só escutava aquele uivo forte do vento, as coisas estourando. Foi horrível. Fiquei todo molhado, com a cabeça cheia de terra, mas pelo menos ninguém se machucou — afirmou Tadeu.
A desgraça tem algumas coisas boas. Tomara que isso sirva pra gente dar uma parada e repensar os valores.
TADEU LORENÇON
Produtor rural
Juntos, os dois grupos se socorreram no porão de uma terceira casa da família, menos atingida pelo vendaval. Ficaram lá até o amanhecer, quando saíram para avaliar os estragos da madrugada de terror. Na casa de Pedro, a geladeira havia sido arrastada da cozinha, e a porta do congelador não foi mais encontrada. As paredes de concreto tinham buracos. A fiação pendia de um teto que não estava mais lá.
Da casa de Tadeu, não havia mais chão, paredes, nem telhado. Sobrou apenas um banheiro em ruínas.
— A desgraça tem algumas coisas boas. Tomara que isso sirva pra gente dar uma parada e repensar os valores. Para a gente cuidar mais da saúde, da família, dos amigos. Olha só, hoje tem gente aqui que nem conheço, nunca vi antes e estão nos ajudando – refletiu Tadeu, olhando ao redor da propriedade para as quase cem pessoas que, desde o início da manhã de quarta-feira (13), manejavam tratores e ferramentas, limpando o campo, reconstruindo telhados e, sobretudo, prestando solidariedade aos Lorençon.