Passava da meia-noite de segunda-feira (11) quando William Trindade Silva, 27 anos, ouviu um estrondo. Acordado pelo susto, abriu os olhos e viu o telhado de casa ser arrastado pelo vento. Lá fora, o barulho era descomunal. William pegou a mulher, Franciele, e a filha Natascha, de cinco anos, e procurou abrigo no banheiro. Quando entrou, uma tora de madeira atravessou a parede de tijolos e derrubou o vaso sanitário.
O caseiro correu com a família para a cozinha, mas o vento arrancou a porta que dava para a rua. Apavorado, ele virou a mesa de jantar para um canto da parede, protegendo a mulher a filha. Quando saiu à rua em busca de socorro, em meio ao breu da noite e à chuvarada que lhe turvavam a visão, viu a ventania arrastando árvores inteiras, retorcendo silos e devastando o galpão de 1 mil metros quadrados onde seu patrão estocava milho, trigo, feijão e soja.
— Era vento, relâmpago e chuva. Os cachorros latindo sem parar, tudo destruído. Uma tristeza só — relata.
William trabalha de caseiro na Fazenda Baseggio, propriedade de 10 hectares às margens da RS-463, em Coxilha. O local parece ter sido o ponto exato onde se formou um dos tornados que teriam atingido a região norte do Estado. Mais cedo, por volta das 20h, William já havia ajudado um dos patrões, Diovan Baseggio, a recolher lonas para proteger outra propriedade da família, a poucos quilômetros de distância e também atingida pelo vento forte na mesma noite.
— Eu vim aqui buscar material para tapar uns galpões e umas máquinas. Lá destruiu bastante, mas não tinha muito o que fazer àquela hora. Fui pra casa, em Passo Fundo, e me deitei. Por volta da meia-noite, me telefonaram dizendo que aqui também estava tudo derrubado — conta o produtor rural.
Se a casa de William ficou em pé, do resto da fazenda, pouco sobrou. Os silos foram retorcidos pelo vendaval. Os elevadores desabaram. O telhado do galpão principal ficou espalhado pelo campo. Um galpão menor, de tijolos, foi ao chão. Chiqueiros e galinheiros estavam destroçados. Onde antes havia um galpão de madeira, escombros escondiam dois tratores, uma plantadeira e um pulverizador.
A mata de plátanos, pinus, eucaliptos e pinheiros que circundava o imóvel se transformou em um amontoado de galhos e troncos trançados pela ventania avassaladora, em meio a pedaços de metal, zinco e brasilit. No chão, em meio ao barro, um cão e um gato foram encontrados mortos. Nem mesmo um casal de pôneis das filhas de um dos sócios, Valquírio Baseggio, escapou da fúria da natureza. O macho foi encontrado morto a cerca de 800 metros da mangueira. A fêmea não havia sido encontrada até o final da manhã desta quarta-feira (13). Uma minivaca comprada no Pantanal também não resistiu e morreu, golpeada por um pinheiro.
A impressão é de que a fazenda dos Baseggio ficou no centro do evento climático que assolou a região. O vento pegou a propriedade de frente, levando tudo em um trecho de cerca de 700 metros de largura. Quem percorre a rodovia saindo de Coxilha rumo a Tapejara enxerga poucos sinais de destruição até chegar ao local. Ali, contudo, o desalento é total.
Valquírio Baseggio estava em São Gabriel do Oeste, no Mato Grosso do Sul, quando foi avisado do temporal. Pegou a estrada e dirigiu por 1,2 mil quilômetros até Coxilha. Ao chegar, na terça-feira (12) à noite, desolado pela destruição e sem ter como dar início ao trabalho de reconstrução, foi para casa, em Passo Fundo. Não conseguiu dormir. Por volta das 3h desta quarta, seguiu para a fazenda e começou a trabalhar.
— Não dava para enxergar quase nada. Mas não consegui ficar em casa. Foi meu pai quem começou isso aqui, em 1953. Agora está tudo acabado. Vou levar de quatro a cinco anos para reconstruir tudo de novo — lamentava, estimando um prejuízo entre R$ 15 milhões e R$ 20 milhões.
Auxiliados por amigos e vizinhos, os Baseggio tentavam amenizar as perdas retirando os grãos estocados no que restou dos galpões e dos silos. Funcionários e voluntários cortavam as árvores caídas e limpavam o terreno. Para os quatro irmãos que administram a propriedade, é tempo de recomeçar.
— Meu Deus do céu, a gente olha e só vê tudo caído, retorcido, acabado. Mas vamos lá, tentar fazer tudo de novo. Não vai ser fácil — sentencia Valquírio.