Deitado em uma maca do Hospital Santo Antônio, em Tapejara, o motorista Domingos Favretto, 57 anos, lembra-se com precisão dos piores momentos já vividos na boleia de um caminhão. Ele dirigia pela RS-463, no trecho de Coxilha, na madrugada de segunda-feira (11), quando uma ventania jamais vista na região arrastou o veículo para fora da estrada.
Pesando cerca de 14 toneladas, o caminhão de Favretto tombou no asfalto, foi levantado pela força do vento e seguiu rodopiando no ar até parar em meio a uma lavoura, a 40 metros da pista.
— Não sei como estou vivo — desabafa o motorista, com o rosto e o corpo tomados por hematomas.
Favretto ponteava um comboio de três caminhões que haviam saído de Tapejara por volta da meia-noite em direção a Camargo, distante 170 quilômetros. Receoso com os avisos de que uma forte tempestade se avizinhava, ele dirigia devagar, a 50 quilômetros por hora. De repente, diz ter sido surpreendido por um corredor de vento devastador. Mal teve tempo de olhar para trás e ver que os dois amigos que o acompanhavam também tiveram os caminhões derrubados pelo vento.
Sem caminhar, a pedido do médico, e com muitas dores e uma fissura na bacia, Favretto deve receber alta em dois ou três dias. E já avisou: pretende voltar à estrada. Leia abaixo o relato:
O que o senhor se recorda do acidente?
Eu vinha na frente, e os meus dois amigos, mais atrás. Tinha chuva, mas não era muito forte. E começou o vento. O caminhão deu uma balançada e deu o primeiro tombo. Daí eu senti que ele não encostou mais no chão. Eu não sentia batida nunca, só que ele girava. Aí deu um estouro maior, foi quando eu imaginei que não tinha mais pra mim. Mas ele deu mais um tombo e parou. Ele ficou um bom tempo no ar, sem bater no chão.
Ele cruzou o asfalto e ficou rodopiando no ar até parar no meio da lavoura?
Eu acredito que sim. Ele tombou no asfalto, mas depois foi só girando pelo ar, porque não tem nem rastro no chão. Pelo peso, são 14 mil quilos, ele devia deixar uma marca no chão onde batia. E não deixou. Só lá embaixo, onde parou.
Passar pela situação que passei lá e conseguir sair, praticamente caminhando, dá pra dizer que nasci de novo.
DOMINGOS FAVRETTO
Motorista, 57 anos
O senhor estava de cinto?
Na verdade, não. Eu tinha parado um pouquinho antes. A gente coloca o cinto, mas, como estávamos subindo devagar, não tinha puxado o cinto ainda.
E o que o senhor pensava enquanto o caminhão girava?
Pensava que era meu último dia. No momento, tentei fazer de tudo, mas quando tentei me agarrar já não consegui me firmar em nada. Deu um giro e me soltei.
O senhor batia dentro da boleia?
Pelo que eu senti, no momento do primeiro tombo, eu caí na cama do caminhão, atrás do banco. Fiquei entre os dois bancos e a cama, o que me ajudou bastante. Fiquei protegido. Se tivesse ficado no volante, teria saltado para fora do caminhão.
O senhor está muito machucado?
Tenho vários hematomas pelo corpo, mas podia ter quebrado alguma coisa, tido uma fratura exposta. Estou só com uma fissura na bacia.
Como conseguiu sair do caminhão?
Eu não tinha condições de sair sozinho. Demorou uns 10 minutos para os meus colegas saírem do caminhão deles, se recuperarem um pouquinho e verem onde eu estava. Um deles gritava muito, me chamava pelo nome e eu respondia, só que ninguém ouvia por causa do vento e da chuva. Quando ele me ouviu, eu disse que estava bem, mas não tinha condições de sair sozinho do caminhão.
Como vocês foram socorridos?
Eu não tinha condições de caminhar, mas eles me ajudaram. Eu tinha perdido meu celular, nos outros não dava sinal. Daí um dos meus colegas foi para a estrada, atacou um caminhão e foi até a casa de um parente ali perto. Aí nos socorreram.
Quando o senhor saiu e viu seu caminhão a 40 metros do asfalto, no que o senhor pensou?
Eu pensei que tinha nascido de novo. Passar pela situação que passei lá e conseguir sair, praticamente caminhando, dá pra dizer que nasci de novo.