Três artigos da reforma trabalhista que modificam as regras para o trabalhador de baixa renda solicitar isenção dos custos processuais em ações na Justiça do Trabalho estão sendo contestados pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Um dos pontos (artigo 790-B) questionados na nova legislação, sancionada pelo presidente Michel Temer em 13 de julho, prevê que o sucumbente – aquele que perde a ação trabalhista – deverá pagar os custos do processo e honorários periciais, mesmo que a parte derrotada comprove não ter condições de arcar com a despesa, sendo beneficiária da Justiça gratuita.
Leia mais:
Janot denuncia Jucá ao STF com base na delação da Odebrecht
Congresso reage à Lava-Jato como aconteceu na Mãos Limpas, diz Janot
Procuradores criticam Gilmar Mendes em carta aberta ao STF
Na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) protocolada na sexta-feira (25) e divulgada nesta segunda-feira (28), Janot afirma que a legislação, por meio dos dispositivos contestados, dificulta o acesso do trabalhador pobre aos meios judiciais para garantir seus direitos econômicos e sociais trabalhistas. No entendimento do procurador-geral, os três artigos (790-B, 791-A e 844) são inconstitucionais por ferirem o direito à Justiça gratuita.
O artigo 844 da nova CLT impõe que o reclamante terá de pagar as custas quando o processo for arquivado pela ausência do beneficiário de justiça gratuita na audiência inaugural. Para Janot, "sem tipificação legal da conduta, o propósito punitivo da norma assume caráter de desvio de finalidade legislativa".
O terceiro ponto questionado na ADI, o artigo 791-A, autoriza que trabalhadores sem condições financeiras, com direito à Justiça gratuita, usem créditos trabalhistas de outras ações para pagar advogados e peritos. Para Janot, "a medida desconsidera a condição de insuficiência de recursos que justificou o benefício".
"Na contramão dos movimentos democráticos que consolidaram essas garantias de amplo e igualitário acesso à Justiça, as normas impugnadas inviabilizam ao trabalhador economicamente desfavorecido assumir os riscos naturais de demanda trabalhista e impõe-lhe pagamento de custas e despesas processuais de sucumbência com uso de créditos trabalhistas auferidos no processo, de natureza alimentar, em prejuízo do sustento próprio e do de sua família", diz o procurador em trecho da ADI.
A vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, afirma que a entidade concorda com o posicionamento de Janot e o considera coerente com o que é previsto na Constituição brasileira.
– Esses três artigos, que já haviam sido apontados e contestados pela Anamatra em diversas audiências públicas no Congresso, dificultam o acesso do trabalhador à Justiça, quando a Constituição prevê a obrigação do Estado prover ao cidadão, que comprove não possuir recursos, o acesso ao Judiciário, o que inclui os custos no processo – diz Noemia.
Para a vice-presidente da Anamatra, a nova legislação provoca disputa desigual entre empresa e trabalhador em relação às condições financeiras de cada um. Essa "diferença na balança" contribui para que o funcionário desista de ingressar na Justiça por medo de ter que arcar com uma despesa que não cabe no seu orçamento, segundo Noemia.
A advogada Clarisse de Souza Rosales, sócia do escritório Andrade Maia, que defende os interesses de diversas empresas, defende os artigos da nova lei. Clarisse argumenta que os pontos contestados por Janot visam acabar com os casos em que o reclamante ingressa com ações contra a empresa mesmo sabendo que não tem chances de vencer a causa:
– O que se vê hoje na Justiça do Trabalho é que a maioria dos trabalhadores ingressam com ações, às vezes por posicionamento de seus advogados, com dezenas de pedidos que se sabe que não teria direito. Tem muitos reclamantes que ajuízam ações e não comparecem às audiências e isso não tem nenhum ônus. Para uma empresa, o não comparecimento em uma audiência inicial é um caso de revelia e confissão. Esses artigos buscam evitar essa loteria jurídica que tem acontecido – afirma Clarisse.
Conforme a advogada, 90% dos casos defendidos pelo escritório na Justiça do Trabalho são contra trabalhadores que entram com ações contra empresas mesmo sabendo que vão perder na maioria dos pedidos.
Na ação, Janot ainda pede que seja concedida decisão liminar que suspenda imediatamente os trechos contestados da nova CLT, que entrará em vigor em novembro.
Artigos contestados por Janot na nova CLT
Art. 790-B - Diz que trabalhadores que perderam ação na Justiça do Trabalho devem custear os honorários periciais, mesmo que comprovem não ter condições financeiras.
Art. 791-A - Ponto do artigo que autoriza trabalhadores sem condições financeiras a usar créditos trabalhistas de outros processos para pagar despesas de ações perdidas.
Art. 844 - Penaliza o reclamante, mesmo que comprove baixa renda, que não comparecer em audiência inicias com pagamento de custas, quando causar a arquivamento do processo.
*Zero Hora