Depois de completar quatro anos sem nenhum acusado cumprindo pena, a tragédia da boate Kiss, em Santa Maria, terá novo desdobramento jurídico nesta quarta-feira. Ao longo da tarde, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado (TJ) decidirá se os quatro réus do processo principal que apura as responsabilidades do caso irão ao Tribunal do Júri.
O tipo de julgamento – no qual jurados da comunidade decidem se os réus são culpados ou inocentes – foi determinado em julho de 2016 pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada, da 1ª Vara Criminal de Santa Maria. Os defensores dos empresários Elissandro Spohr (Kiko) e Mauro Hoffmann, sócios da casa noturna, e Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão, da banda Gurizada Fandangueira, recorreram da decisão.
Aberta ao público, a nova sessão terá início às 14h na sala 715 do TJ, no centro de Porto Alegre (Av. Borges de Medeiros, nº 1.565), com a participação dos desembargadores Sylvio Baptista Neto, presidente da Câmara, Manuel José Martinez Lucas, relator do caso, e Jayme Weingartner Neto. O recurso é o 12º item da pauta, mas a tendência é de que seja julgado primeiro, por se tratar de um caso especial.
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Localizada no sétimo andar do prédio, a sala tem 115 lugares e deve lotar. Integrantes da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria pretendem acompanhar a sessão pessoalmente.
– A nossa presença é a forma que temos de nos manifestar. Queremos justiça, mas, sinceramente, não sabemos mais o que esperar – diz o presidente da entidade, Sérgio Silva, que estará na Capital.
A possibilidade de protestos preocupa o TJ. De acordo com o presidente do Conselho de Comunicação do órgão, Túlio Martins, a segurança será reforçada para evitar problemas.
– Tomamos todas as precauções para que eventuais manifestações sejam tratadas com delicadeza. O TJ vai se comportar de acordo com a peculiaridade do caso – afirma Martins.
Entre os advogados de defesa dos réus, a expectativa é de que a decisão em relação ao Tribunal do Júri seja revertida. Jader Marques, defensor de Kiko, sustenta que "não houve dolo", isto é, intenção de matar.
– Esperamos que os desembargadores sejam coerentes – sintetiza Marques.
Os quatro acusados respondem em liberdade por mais de 800 crimes: 242 mortes e 636 tentativas de homicídio.
Como será a sessão
1) Os defensores serão os primeiros a falar, com direito a 10 minutos de sustentação oral cada um.
2) Em seguida, será a vez do Ministério Público, representado pela procuradora Irene Soares Quadros, seguida do assistente de acusação. Ambos terão o mesmo prazo.
3) Na sequência, se não houver pedido de vista (mais tempo para análise), os três desembargadores lerão os votos, começando pelo relator. Não há limite de tempo.
4) Caso decidam por manter a decisão pelo Tribunal do Júri, os desembargadores também dirão quais acusados serão julgados lá e se serão mantidas as qualificadoras – por meio cruel (fogo e asfixia) e motivo torpe (ganância).
O que acontece depois
1) Se os desembargadores entenderem que não é caso de levar os acusados ao júri, o processo voltará para o juiz de primeira instância. Os desembargadores dirão que crime, então, eles entendem que foi cometido pelos réus.
2) Caso a opção seja pelo Tribunal do Júri, depois de publicada a decisão, será aberto prazo para os embargos declaratórios (usados para esclarecer pontos da decisão).
3) Se os defensores quiserem, poderão recorrer a cortes superiores (STJ e STF), mas o recurso precisará, primeiro, ser admitido pela 2ª vice-presidência do TJ.
As idas e vindas na Justiça
A tragédia que marcou a história do Estado completou quatro anos, em janeiro passado, sem nenhum dos apontados pelo incêndio que resultou na morte de 242 pessoas cumprindo pena. Confira o resumo do caso:
1) Em março de 2013, a Polícia Civil indiciou 16 pessoas. No inquérito, apontou responsabilidade de 28, entre as quais o então prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer.
2) Em abril daquele ano, o Ministério Público (MP) denunciou apenas oito. Gestores públicos ficaram de fora. De lá para cá, só um dos relacionados na denúncia do MP foi condenado em processo secundário e teve a pena convertida em serviços comunitários.
3) Em paralelo, na Justiça Militar, dois bombeiros receberam sentenças, mas recorrem em liberdade.
4) Acusados por homicídio doloso qualificado, os sócios da Kiss Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão foram pronunciados em 2016 para ir a júri. Tiveram recurso negado na primeira instância e recorreram ao TJ. Agora o recurso será julgado, mas eles ainda poderão recorrer outra vez.
4) Em novembro de 2016, o Conselho Superior do MP arquivou o inquérito que apurava responsabilidades de dois secretários municipais, dois servidores da prefeitura e de Schirmer. Ele agora é secretário Estadual da Segurança Pública.