Na noite desta terça-feira, o deputado federal pelo Rio de Janeiro Jean Wyllys (PSOL) esteve no Teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa, para receber a maior distinção do parlamento gaúcho: a medalha de Mérito Farroupilha. A honraria foi entregue pela deputada estadual Manuela D'Ávila (PCdoB). O evento foi tranquilo e sem manifestações contrárias ao parlamentar.
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Antes da cerimônia, Jean Wyllys conversou rapidamente com Zero Hora sobre a homenagem, o grupo contrário ao evento e os direitos humanos no Brasil:
Como é voltar ao Estado para receber essa honraria, que é a maior distinção da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul?
Adoro o Rio Grande do Sul e Porto Alegre. Adoro essa cidade. Tenho muita identificação com ela. Isso vem da literatura. Então, receber essa honraria, me deixa muito lisonjeado e feliz dela (medalha) vir das mãos da Manuela, que é mais que minha colega, mais que minha companheira de luta. Ela é minha amiga. Já recebi outras honrarias em outros Estados, mas essa em particular mexeu muito comigo, porque veio de uma amiga e, sobretudo, soube que houve uma resistência a ela de um grupo pequeno e barulhento. Isso me deu mais gás para receber essa honraria e para lutar por ela.
Em um cenário de intolerância e com crescimento de uma onda conservadora no país, qual é a dificuldade de defender pautas ligadas às minorias?
A dificuldade é enorme, porque as pessoas não reagem só com xingamentos e insultos. Elas ameaçam de morte, atacam sua família. Interpelam você de uma maneira violenta. É uma dificuldade histórica, que vem de um débito que a nação brasileira tem em relação ao acesso à educação de qualidade, que garanta pensamento e um repertório cultural mais amplo. Essa ausência faz com que as pessoas conservem preconceitos históricos como o racismo, preconceito em relação à orientação sexual e identidade de gênero. Esses são os temas da minha atuação. Sou alguém que está tentando estender cidadania plena e dignidade humana aos pobres pretos, às mulheres de uma maneira geral, às mulheres pretas e pobres, à comunidade sexodiversa, às pessoas transexuais pobres que são vitimadas. Quero um mundo de respeito à diversidade religiosa. Isso mexe em um país historicamente dividido por uma elite classista e racista.
O senhor mencionou a reação adversa de uma minoria de gaúchos. E como o senhor costuma ser recebido no RS?
Sempre fui bem recepcionado. Hoje, coincidentemente, no avião de Montevidéu para o RS, uma mulher branca, loira, tipicamente da classe média, não sei se de Porto Alegre ou outra cidade, me insultou, dizendo que eu "transformava a vida das pessoas em um inferno". Falei: "a vida das pessoas não, a vida dos fascistas, sim". Nesse sentido, tenho um prazer enorme em fazer a vida das pessoas um inferno". Daí ela botou o rabo entre as pernas e se calou.
Por que as pessoas dificilmente, em um cenário geral, concordam com os direitos humanos e atacam quem os defende?
Esse discurso tem a ver com ignorância motivada. As pessoas são ignorantes. Elas têm dificuldade de admitir isso. Todos somos em alguma medida. Eu, por exemplo, sou ignorante em física quântica e teoria musical, mas não me meto a falar desses temas. Também não vou admitir que essas pessoas queiram falar de algo que domino e conheço bem. Então, acho que se levantar contra os direitos humanos tem a ver com ignorância e preconceitos historicamente arraigados nessas pessoas que cresceram em um mundo onde os negros sempre estiveram em um lugar subalterno, como empregadas domésticas, porteiros, motoristas e ladrões. Em um mundo onde os gays, no máximo, poderiam aspirar a um lugar nas artes, nunca o lugar do poder.
Você pode imaginar que um gay como eu só pode despertar ódio, mas problemas das pessoas. A vida é assim. Os escravocratas do século XIX tinham pavor de ouvir falar em abolição da escravatura. Uns diziam que a economia brasileira iria quebrar se isso acontecesse, porque a economia dependia da escravidão de seres humanos. Nós triunfamos sobre essas pessoas. Nós abolimos a pena de morte em boa parte do mundo. Nós empoderamos as mulheres. Há pouco tempo atrás, elas não podiam nem votar. Mulheres que gostavam de sexo eram trancafiadas em manicômios. Hoje, nós triunfamos sobre essa gente. A história mostra isso. Então não quer dizer que não vamos conseguir de novo. Nós vamos triunfar. Elas fazem barulho, mas a gente triunfa. Como diz Dom Quixote, do clássico de Cervantes: "os cães ladram, Sancho. É sinal de que estamos avançando".
*Zero Hora