A indústria caxiense, que sempre foi motivo de orgulho para a cidade, deu lugar à vergonha. A tal ponto de muitos empresários não terem forças de contar publicamente sua história. Com o DNA da palavra empreender nas veias, eles clamam por união para sobreviver à esta crise, que parece não ter fim.
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Um deles, que não quer se identificar, é dono de uma das mais tradicionais empresas metalmecânicas de Caxias. Aos quase 70 anos, ele já não se sente dono dela.
– Trabalhei dia e noite para construí-la. Agora, estou vendo o patrimônio sendo corroído, sem poder fazer nada. Acordo de madrugada e não consigo mais dormir. Bate o desespero.Ele chegou ao ponto de ser proibido de sair da empresa pelos próprios funcionários por atrasar parte dos salários.
– Não sou o maior culpado desta crise. Eu tentei administrar da melhor forma. Mas como interferir nas decisões do nosso governo? Sua história é apenas mais uma entre as cerca de 1,5 mil empresas que estão com dificuldades para pagar despesas com impostos e trabalhistas. Se, por um lado, os trabalhadores exigem seus direitos, por outro, os proprietários perderam o sossego, o prestígio, o respeito.
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– Me sinto um fracassado. Jamais imaginei que passaria por isso na minha vida. Sinto vergonha. Perdi a vontade de viver – exclama o empresário.
– Não quero falar, tenho vergonha de aparecer. A queda foi brutal! – diz outro empresário.
Esse é um dos reflexos atuais de uma cidade de quase 500 mil habitantes e que tem sua economia baseada no setor metalmecânico. Pouco se diversificou nas últimas décadas. Tampouco foram trazidas novas empresas ou se pensou no futuro da cidade. Em seis anos, o faturamento da indústria caxiense baixou pela metade. Os dados do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico (Simecs) apontam que o faturamento do setor, em 2010, foi de R$ 25 bilhões. Em 2016, caiu para R$ 11,2 bilhões.
Nos últimos quatro anos, a indústria caxiense fechou 21 mil postos de trabalho – queda de quase 39%. Em setembro de 2013, o emprego no setor alcançava seu ponto alto: mais de 54 mil empregados. No final de 2016, caiu para 33 mil.Na última sexta, o Simecs divulgou uma nota em que manifesta sua posição sobre a atual situação das empresas. O texto ressalta esforço dos empresários para manter os negócios em operação, o sindicato pede a união de todos os poderes e a sociedade para buscar alternativas. "A crise não é de um, é de todos", diz o presidente do Simecs, Reomar Slaviero.
Todos os setores da economia caxiense fecharam 2016 no vermelho. Em três anos, o recuo foi de um terço, 33%.
Portanto, é hora de unir forças para impedir que a Pérola das Colônias se torne uma Detroit – o berço da indústria automotiva americana que acabou abandonado pelas montadoras.
"Estamos sendo marginalizados"
A tradicional família Paniz, quehá 44 anos fundou a Mecânica Silpa, perdeu prestígio, amigos e parte da família. Em pouco mais de seis anos, a atual proprietária da empresa, Silvia Paniz, 52 anos, perdeu o pai, Hermenegildo (fundador), o irmão Gilmar (ex-diretor) e outro diretor que comandava a empresa como se fosse sua. Por pouco, não perdeu a Silpa Peças e Equipamentos.Em 2012, ela se viu sozinha para tocar o negócio. A crise chegou logo em seguida e Silvia perdeu o chão. Com 280 funcionários para comandar, passou a estudar cada detalhe da administração para se reestruturar e salvar o patrimônio da família. Hoje conta com 110 colaboradores – 60% a menos:
– Tá sendo muito duro. Admitir que não tenho dinheiro para pagar os salários é como me enterrar viva.
Empreender está no DNA da maioria dos empresários caxienses. Não poder pagar as contas em dia, segundo eles, é sinônimo de incompetência. Mas a crise não foi criada pelo setor industrial de Caxias. O município tem lideranças e poder para cobrar soluções.
– É preciso nos unir. Por favor, vamos nos dar as mãos: empresários, funcionários, sindicatos, Justiça do Trabalho. Estamos precisando de ajuda. Só assim encontraremos uma saída – suplica Silvia.
Assim como outros empresários, que preferiram não aparecer nesta reportagem, Silvia também sente vergonha de não conseguir manter as contas em dia:– Mas é preciso dar a cara a tapa.No início de dezembro do ano passado, um protesto de funcionários em frente à empresa devido ao não pagamento das rescisões de 17 funcionários demitidos foi a maior prova de fogo que enfrentou.– Me senti uma marginal!
E acrescenta:
– Ninguém se coloca no nosso lugar. Nenhum empresário quer demitir, pois estamos demitindo uma família. Mas o que fazer, se o faturamento reduziu 50%? – pergunta.
Hoje, Silvia toca a empresa, juntamente com outro irmão, e tenta preparar o filho, Taylor, 26, para assumir o comando. Ele começou na expedição e conhece todo o processo de produção. Ela ainda não aprendeu a demitir funcionários, principalmente os que têm mais de 30 anos de empresa e ajudaram a construir o negócio. Por dois motivos: pelos laços criados e pelo alto custo que envolve as rescisões. Ela prefere trabalhar com 10% de ociosidade.