Na sala com capacidade para 12 pacientes, 28 amontoavam-se na última sexta-feira em camas a poucos centímetros umas das outras. A emergência da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre estava tão apertada que, em alguns casos, os doentes ficavam deitados quase lado a lado – não havia espaço para passagem entre uma cama e outra.
A superlotação é um dos reflexos da perda de 112 leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) no hospital, que deixou de receber verbas do Estado. O corte do incentivo hospitalar, no início de 2015, que destinava cerca de R$ 300 milhões por ano aos estabelecimentos, representou menos R$ 15 milhões anuais no caixa da instituição. Depois, o Piratini passou a atrasar repasses dos serviços contratados com hospitais filantrópicos. Só com a Santa Casa, a dívida é de R$ 7 milhões.
Em todo o Rio Grande do Sul, a perda leitos nos últimos dois anos eliminou 474 vagas hospitalares reservadas a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) – uma média de 20 por mês.
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Com falta de verba, veio o fechamento de leitos a conta-gotas em 2015 na Santa Casa da Capital: 41 em junho, 10 em setembro, 17 em outubro, 10 em novembro e 34 em dezembro.
– Tínhamos 680 leitos para o SUS, agora estamos com 568. É como se um ou dois hospitais do Interior fechassem as portas, porque muitos não têm 50 leitos. Nossos atendimentos pelo SUS caíram de 71% para 63% – lamenta o diretor financeiro da Santa Casa, Ricardo Englert.
Com dores pós-operação, quatro dias até obter vaga
Na sexta-feira passada, um dos que sofria com o aperto na emergência era Isac Soares de Oliveira, 28 anos. Ele aguardava leito havia quatro dias. Morador de Esteio, passou duas semanas internado na cidade até ser encaminhado para a Capital, com suspeita de câncer nos rins. Na Santa Casa, teve diagnosticada inflamação que resultou na retirada de um órgão. Operado em 14 de dezembro, recebeu alta 10 dias depois e pôde passar Natal e Ano-Novo com a família. Mas a comemoração durou pouco: em 2 de janeiro, um líquido começou a vazar dos pontos, causando muita dor, o que o levou de volta à emergência da Santa Casa.
– Não vejo a hora de ir para um quarto. Aqui é muito agitado, a gente não consegue nem dormir. É uma vergonha – relatou Oliveira, que foi transferido para um leito apenas no final da tarde de sexta.
Tabela de serviços defasada aumenta prejuízo
Eram os repasses cortados e atrasados pelo Estado que tapavam parte do prejuízo causado aos hospitais filantrópicos por causa da desatualização da tabela de valores pagos pelo SUS, segundo o diretor financeiro da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Ricardo Englert. O administrador reclama que, embora os custos tenham subido, o SUS paga o mesmo valor pelo atendimento dos pacientes há 15 anos. Na prática, isso significa que de cada R$ 100 para o tratamento de um doente, as instituições só recebem o ressarcimento de R$ 65.
– Sem a atualização da tabela e sem os repasses do Estado, começamos a pedir dinheiro emprestado para os bancos para manter os hospitais, pagando juros. Essa dívida virou uma bola de neve e tivemos de começar a fechar leitos – explica o diretor, que teve de contratar crédito no valor de R$ 8 milhões para pagar o salário de dezembro dos funcionários.
Foi o gargalo que obrigou o hospital a fechar 112 leitos do SUS, que deixam sem atendimento 336 pacientes por mês, 4 mil ao ano. A perda de vagas ainda agravou a lotação da emergência, que há dois anos só dá conta de casos muito graves. E chegou a ter 35 pessoas à espera de leito, três vezes mais do que a capacidade.
– Para onde estão indo esses mais de 300 pacientes que deixamos de atender por mês? A consequência disso é que morre gente – lamenta Englert.
Paciente teve alta após cinco dias aguardando por um quarto
Com insuficiência renal crônica, diabetes e hipertensão, Silvia Regina de Mello Souza, 43 anos, é paciente da Santa Casa há 22. Moradora de Porto Alegre, por causa da saúde frágil é internada com frequência no local e atualmente não consegue trabalhar. Chegou à emergência na quarta-feira (4/1) da semana passada com muitas dores e recebeu indicação para internação. Passou cinco dias na agitação da sala de urgência até receber alta, na segunda-feira (9/1).
– Sempre me tratei aqui e a coisa nunca esteve tão ruim. Há uns dois anos, cheguei a esperar no máximo 12 horas por um leito. Agora, fico dias – criticou a paciente, que acabou indo embora sem ter passado por um quarto.