Passava das três da tarde da última quarta-feira quando sete integrantes do movimento Brasil nas Ruas irromperam no saguão do Palácio do Planalto. O grupo, que já havia construído bonecos infláveis dos ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Teori Zavascki, acusando-os de atrapalhar a Lava-Jato, reivindicava o direito de indicar o novo integrante do Supremo Tribunal Federal (STF).
Depois de um chá de banco de mais de uma hora, os militantes entregaram a um assessor da Presidência uma lista com oito nomes, subscrita pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, pelo cantor Lobão e 44 organizações políticas. Na saída do palácio, gravaram um vídeo dizendo que, da próxima vez, esperam conversar pessoalmente com o presidente Michel Temer.
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O episódio deu ares folclóricos à mobilização inédita em torno da indicação de um membro da mais alta instância da Justiça no país. Além disso, jamais houve tantos postulantes à mesma cadeira. Durante o velório de Teori, no dia 21, em Porto Alegre, havia pelo menos seis candidatos em volta do caixão. Atualmente, na Casa Civil, essa lista já tem 20 nomes.
Todos os dias, interlocutores do presidente recebem sugestões. Nos gabinetes do Planalto, currículos e pedidos de apoio são enviados até mesmo por WhatsApp. Fora dali, atuais e ex-integrantes da Corte são os mais procurados em busca de apadrinhamento, mas juristas e advogados de renome com trânsito nas três esferas de poder também são acionados.
– Antes da investidura, os candidatos não saem dos nossos gabinetes. Depois da investidura, não nos recebem – diverte-se o advogado José Roberto Batochio, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Sob a espessa nuvem de especulações, uma certeza é cristalina: para ter chances, quem ambiciona o cargo precisa cair nas graças dos ministros Gilmar Mendes, influente conselheiro de Temer, e Cármen Lúcia, a quem o presidente não deseja desagradar. Temer também busca aval político à escolha como forma de amenizar ruídos com sua base de sustentação. Enquanto não há uma definição, a campanha se intensifica nos bastidores, com notas publicadas em jornais, blefes e jogadas ensaiadas.
– O sistema é perverso. Mesmo quem é candidato natural e mantém o recato sabe que terá de participar de uma jornada inglória. É o tradicional beija-mão – afirma um ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na crônica do Supremo, já houve até quem reservou a vaga. Nos anos 1990, Nelson Jobim indagou ao então candidato à Presidência Fernando Henrique Cardoso:
– Escuta, Fernando, o que achas da possibilidade de eu ser indicado para o Supremo?
– Vou me eleger e acabar te convidando – respondeu FHC, conforme relato de Jobim ao projeto História Oral do Supremo.
Alguns ministros acabaram beneficiados pela conjuntura. Rosa Weber e Joaquim Barbosa, por exemplo, nem sequer precisaram fazer lobby, pois Dilma queria uma mulher e Lula buscava um negro. Já o tributarista Heleno Torres perdeu a toga preta por conta da boca grande. Em 2013, após conversa com Dilma, ele almoçava no restaurante Gero, em São Paulo, quando chegaram Temer e o jornalista Gaudêncio Torquato. Perguntado se já era ministro, respondeu:
– Não, mas se for convidado, você receberá o convite da posse.
Torquato tratou de espalhar a indicação como sacramentada, o que levou Dilma a optar por Luís Roberto Barroso, havia anos em campanha discreta. Já Luiz Edson Fachin foi mais incisivo. Advogado e professor, esteve no páreo quatro vezes até ser indicado em 2015. Contudo, não se livrou de polêmicas. Apontado como defensor do MST e da poligamia, gastou R$ 200 mil na contratação de uma assessoria de imprensa. Antes da sabatina, visitava os senadores sempre acompanhado da mulher.
Nessas audiência, em geral muitos assumem compromissos impagáveis. Com a proximidade do julgamento mensalão, tornou-se célebre em Brasília a versão de que Luis Fux, sabatinado por emissários do governo Dilma, disse que "mataria no peito" o julgamento do esquema. Levado ao Palácio da Alvorada, caiu aos prantos quando ouviu o convite formal da presidente. Recomposto, agradeceu à confiança e embarcou no carro da Presidência. Minutos depois, um auxiliar levou o telefone para Dilma. Era o motorista:
– Presidente, o rapaz não para de chorar. Não sei o que faço.
– Encosta o carro, espera ele parar de chorar e pergunta para onde ele quer ir – encerrou Dilma.
Durante o julgamento do mensalão, Fux acabaria por condenar quase todos os petistas, inclusive seu maior cabo eleitoral, José Dirceu. Em tempos de Lava-Jato, promessas semelhantes à que Fux teria feito circulam por Brasília, o que alimenta suspeitas e expectativas em torno da decisão de Temer. O presidente só deve fazer o anúncio oficial em duas semanas.