A reforma da Previdência apresentada pelo governo Temer na semana passada ainda terá uma longa tramitação na Câmara dos Deputados. Mas, se aprovada, vai afetar a vida de diversos brasileiros. Um dos pontos mais polêmicos da PEC é a intenção de instituir idade mínima de 65 anos para homens e mulheres.
Confira, a seguir, a histórias de três pessoas afetadas diretamente pelas medidas propostas pelo Planalto:
O sonho de Rosalina virou dúvida
A trajetória de Rosalina Siebeneichler, 54 anos, foi marcada pela adversidade. Perdeu o marido atropelado quando contavam 12 anos de união e teve de se desdobrar trabalhando para sustentar e educar as duas filhas sozinha, pois jamais voltou a se casar. As agruras de uma vida inteira seriam compensadas quando realizasse o sonho cultivado ao longo de cada dia de cansaço e de cada noite mal dormida: uma viagem a Paris depois de se aposentar,dentro de quatro anos, recebendo 100% do benefício a que tem direito.
Nos últimos dias, a comerciária viu seus planos serem estremecidos.Pelas novas regras apresentadas, como se encontra na faixa etária de transição (50 anos ou mais para homens e 45 anos ou mais para mulheres),teria de trabalhar dois anos além do previsto e receberia 83% do valor. Para ter direito ao recurso integral,precisaria seguir na ativa por 23 anos. Mas oque mais lhe assusta é o item pelo qual não poderia acumular a pensão de um salário mínimo recebida desde a morte do marido com sua futura aposentadoria.Teria de escolher entre um ou outro.
– Sempre pensei que, quando me aposentasse,depois de suar para criar as minhas filhas, respiraria um pouco. Iria conhecer a França, já que o mais longe que fui até hoje é Santa Catarina. Mas, se não puder ficar com a pensão e a aposentadoria, não vai dar. É muito caro – afirma Rosalina.
A vida da família mudou no Réveillon de 1993, quando seu marido pegou uma bicicleta e foi saudar no irmão pelo novo ano, em Gravataí. Na volta,foi atingido por um carro e morreu. Rosalina voltou a trabalhar – desde os 25 anos, calcula ter ficado cerca de três sem contribuir. Hoje, é funcionária de uma loja de roupas do centro de Porto Alegre.
– Sempre atuei no comércio, gosto de me comunicar com as pessoas. E, graças a isso, consegui dar o básico para as minhas filhas. Não tudo, mas alimentação,roupas, educação – conta.
Uma das filhas, Michele, 33 anos, trabalha na mesma loja. A outra, de 25 anos, faz pós-graduação e ainda não assinou carteira.
– Queria viajar, mas hoje me pergunto como vou sobreviver na velhice tendo de pagar médico,remédios, essas coisas. Será que vou conseguir – questiona-se Rosalina.
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Professor, Marcos questiona futuro na profissão
Marcos Machry, 28 anos, planejava cursar faculdade de Engenharia da Computação, masas aulas de História no Colégio Estadual Piratini,em Porto Alegre, o colocaram no rumo de outra profissão. Encantado pelas aulas da professora Ângela Zambrano, que o estimulavam a buscar nas origens do país explicações para chagas atuais como a corrupção e a desigualdade social, decidiu estudar essa disciplina.Durante a graduação, se apaixonou pela atividade de professor e optou pela docência.
Nos últimos dias, porém, passou a questionar sua escolha profissional.A proposta de reforma previdenciária, além de impor regras mais duras para quem ainda tem pouco tempo de carteira assinada, como ele – cinco anos em colégio particular e um em escola municipal de Gravataí –, retira benefícios para professores. Hoje, a categoria garante aposentadoria com 30 anos de serviço, no caso dos homens, ou 25 anos para mulheres.
Quem não se enquadra na regra de transição só poderia se aposentar com 65 anos de idade e pelo menos 25 anos de contribuição. Para receber o benefício integral, precisa contribuir por 49 anos.
– Planejava me aposentar depois dos 53 anos e, talvez, complementar a renda com outra atividade, fazer outra graduação, além de me dedicar a projetos como uma cooperativa de poesia, distribuir aulas pela internet e outras ações sociais. Se a reforma passar, dificilmente isso vai ocorrer – analisa Machry.
O professor vai mais longe. Sem a vantagem na aposentadoria, deixa o futuro em aberto:
– Minha vontade de dar aula continua, mas é cada vez mais difícil seguir na profissão. Digo que estou professor, e não necessariamente vou ficar nessa atividade. A aposentadoria seria uma segurança.
Machry lembra, ainda, que muitos colegas – principalmente na rede pública – sofrem com problemas como estresse, depressão e ansiedade em razão das condições de trabalho.
Ele questiona a viabilidade de se manter em sala de aula sob situações como essas até por volta dos 70 anos a fim de cumprir os 49 anos de contribuição que seriam exigidos para conseguir 100% do benefício. No seu caso, como já tem cinco anos de contribuição, teria de trabalhar mais 44 anos – o que lhe possibilitaria ganhar o valor integral da aposentadoria aos 72 anos.
Katiussa já começa com foco de contribuir por 49 anos
Na semana em que o presidente Michel Temer e sua equipe acertavam os últimos detalhes do pacote de reforma da Previdência Social, Katiussa Grudzinski Bayer, 15 anos, ingressava no mercado de trabalho. Contratada pelo programa Jovem Aprendiz, a estudante de Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana, que frequenta a 7° série na escola municipal Rosane Amaral Dias, contou que está feliz com a oportunidade de aprender e de ter o seu próprio dinheiro.
Mas o que ela não sabia é que a proposta de reforma previdenciária, que começou a tramitar no Congresso e teve a admissibilidade aprovada na quinta-feira de madrugada pela Câmara, deve punir justamente as pessoas que, assim como ela, começaram a trabalhar mais cedo. Pela regras atuais, se a jovem continuasse a contribuir para o Instituto Nacional do Seguro Social(INSS) pelos próximos 30 anos, poderia se aposentar em 2046, aos 45 anos. No entanto, seo projeto do Planalto for aprovado, serão duas décadas a mais de espera.
– É ruim, né? Mas pretendo continuar trabalhando – resignou-se Katiussa.
Foi para ajudar a mãe Lirane, 44 anos, que começou a trabalhar. Devido à crise econômica, estava ficando cada vez mais difícil para a doméstica, que é separada, pagar sozinha todas contas de casa – que começaram a pesar mais no bolso depois de reajustes, como o que ocorreu com a luz. Enquanto isso, a oferta de serviços é cada vez mais escassa.
Lirane, aliás, nunca teve a carteira de trabalho assinada, e não tem perspectiva de se aposentar tão cedo. Desde o dia 28 de novembro, Katiussa, que pretende cursar Medicina Veterinária, vem se adaptando à nova rotina: acorda cedo, toma café, vai para a escola, almoça em casa e segue para o trabalho, em uma papelaria no centro de Porto Alegre. Às vezes, sai da aula direto para o trabalho, para não se atrasar. É que ela precisa tomar duas conduções (um ônibus e o Trensurb)para chegar ao local. A jovem trabalha das 14h às 17h30min e a remuneração é de cerca de R$ 600.
As tarefas dela, por enquanto, são organizaras prateleiras e etiquetar produtos.Pelo programa Jovem Aprendiz, estudantes podem ser admitidos por período máximo de dois anos.
O contrato é registrado na carteira profissional e garante pagamento de salário mínimo/hora e outros direitos trabalhistas e previdenciários, como 13º salário, recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço(FGTS), vale-transporte e férias.
*Zero Hora